Para o debate entre livro e filme deste post, escolhi o conto de Neil Gaiman chamado "How to Talk to Girls at Parties", adaptado para os cinemas este ano.
Caso você goste de Neil Gaiman, ao final do post você terá a oportunidade de encontrar todos os conteúdos sobre ele que apareceram aqui no Perplexidade e Silêncio.
O conto "How to Talk to Girls at Parties" foi originalmente publicado em 2006, na coletânea chamada "Coisas Frágeis". No total, são 32 contos que, aqui no Brasil, foram publicados em dois volumes. Para quem interessar, é possível ler, em inglês, o conto inteiro no site do Neil Gaiman, é só clicar neste link.
Enn é um adolescente tímido, amigo de Vic que, ao contrário de Enn, é um garoto desenvolto e desinibido que sempre consegue conquistar as meninas mais bonitas das festas. Agora com quase quarenta anos de idade, Enn relembra os fatos extraordinários que aconteceram em uma festa específica, onde os dois garotos conheceram Stella.
Vic e Enn entram de penetras em uma festa numa mansão abandonada e são recebidos por Stella, uma linda garota loira de olhos verdes. Vic, imediatamente, começa a paquerá-la e Enn sai para explorar o local. Em um dos cômodos, ele conhece a esquisitíssima Wain's Wain, que fala coisas completamente sem sentido e tem seis dedos em uma mão. Mesmo assim, Enn insiste na conversa com ela, pois ele precisa aprender "como falar com garotas em festas" (o título do conto). Enn conhece mais duas garotas muito estranhas, uma delas chamada Triolet, que sussurra poemas absurdos em seu ouvido. Vic subiu para o quarto com Stella, supostamente para fazer sexo, mas, de repente, ele desce as escadas correndo e os dois garotos fogem da festa, às pressas, pois Vic diz que as "garotas não são quem eles pensam". Enn nunca descobre o que aconteceu entre Vic e Stella.
No filme, Enn é interpretado por Alex Sharp. E este personagem é a única semelhança do conto com sua adaptação cinematográfica, que não poderia ser mais diferente. Para facilitar a comunicação destas diferenças, resolvi fazer uma lista:
1) Elle Fanning interpreta Zan, uma personagem que não existe no conto. Ela faz o par romântico de Enn que, ao contrário do conto, aprende como falar com as garotas, sim.
2) A festa na mansão é mostrada em detalhes e criaturas super bizarras vão aparecendo ao longo da trama. Logo de cara, a tal festa me remeteu ao clipe "Bad Romance" da Lady Gaga, com várias pessoas vestidas de látex e se contorcendo estranhamente ao som da música.
3) Estas criaturas bizarras ganham nomes, símbolos alienígenas, função, personalidade e conflito, trazendo camadas do enredo completamente inexistentes no conto de Gaiman. Assim, o filme, logo de cara, entrega que aquela festa é feita por seres extraterrestres que viajam pelo Universo como turistas, uma noção que é apenas deixada implícita no conto.
4) A tal Stella, no filme, ganha destaque, e o espectador sabe exatamente que tipo de sexo ela propôs a Vic, pois o roteiro não deixa nada para a imaginação. E são cenas muito estranhas, que ora dão aflição, ora dão repulsa. Mas, na maior parte do tempo, o que eu pensei foi: "Por que estou vendo isso, gente?".
5) O conto é um recorte no tempo, e conta apenas o que aconteceu durante a festa. Já o filme vai além na linha do tempo, e mostra o relacionamento entre Zan e Enn, que vivem um amor adolescente que poderia ser fofo, senão fosse a bizarrice de Elle Fanning interpretando uma extraterrestre. Zan chega a conhecer sua sogra, que assume que suas esquisitices se devem ao fato dela ser americana.
6) Há também a inclusão do núcleo com Nicole Kidman, que interpreta uma mulher punk chamada Rainha Boadicea. Ela se encanta com Zan, que é incentivada a cantar um rock'n'roll para o público punk da época, que vai à loucura com sua música. Não consegui gostar do papel de Kidman, que mais está parecendo a Xuxa Meneghel fantasiada de vilã para um filme dos anos 80.
O livro o filme? Sem nenhuma dúvida, o livro (no caso, o conto).
O filme extrapola diversos conceitos inseridos no conto, o que poderia ter se tornado algo positivo se o diretor da adaptação, John Cameron Mitchell, fosse mais competente. A direção perdeu a mão no bizarro e no esquisito, transformando uma boa obra de ficção-científica em algo caricato e beirando o ridículo. Além disso, as interpretações dos atores não está no tom certo, pois eles parecem forçados em seus papéis, e até desconfortáveis. Somente Kidman parece sustentar sua Rainha Boadicea.
Embora a intenção de Mitchell fosse manter a ambientação do conto nos anos 70, toda a produção, fotografia, cenografia e figurinos parecem um filme ruim dos anos 80, do tipo que eu assistia na Sessão da Tarde quando era criança.
Por isso, não gostei do filme e, quando ele terminou, tive a sensação de ter perdido meu tempo. O conto de Gaiman é criativo, instigante e sofisticado, o que não refletiu na adaptação cinematográfica. Por isso, recomendo a leitura do conto, mas não recomendo o filme.
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