Perplexidade e Silêncio
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Tag Livros é um clube de assinatura de livros que eu entrei este ano. A proposta é que você receba na sua casa, todo mês, um livro escolhido por eles e diversos brindes relacionados ao livro. A resenha de hoje será do livro do selo Curadoria de Abril de 2022, "Indígenas de Férias" de Thomas King.

Caso você queira ver os livros dos outros meses, navegue pelos links abaixo:
Janeiro 2022 | Pesado, de Kiese Laymon
Fevereiro 2022 | Samarcanda, de Amin Maalouf
Março 2022 | O Parque das Irmãs Magníficas, de Camila Sosa Villada

Thomas King tem descendência Cherokee por parte de pai, e grega por parte de mãe, ambas influenciando bastante o livro desta resenha. Ao longo do tempo, King teve uma variedade enorme de profissões - marinheiro, motorista de ambulância, caixa de banco, fotojornalista, entre outras - até que passou a dedicar-se à carreira de escritor, quando percebeu que poderia falar sobre sua herança indígena.

"Indígenas de Férias", publicado em 2020, narra um recorte da vida de Mimi e Bird enquanto eles viajam por Praga. Mimi e Bird estão casados há quase trinta anos e, desde que os filhos cresceram e saíra de casa, Mimi decidiu seguir a trilha de cartões postais que seu falecido tio mandou, antes de sumir. O tio Leroy levou consigo uma bolsa Crow, uma tradição indígena onde objetos valiosos são coletados e guardados nesta bolsa, objetos estes que geralmente tem significado afetivo apenas para o portador da bolsa, como pedras de rio, penas, etc. Tanto Mimi quanto Bird tem descendências indígenas, daí o título do livro.

Quando Bird, o narrador do livro, é diagnosticado com uma doença reumatológica que afeta principalmente homens asiáticos e indígenas – em vez do câncer de pâncreas que todos supunham que ele deveria ter – sua esposa, Mimi, diz: “Veja […] ser indígena te trouxe sorte, afinal.” Bird tem uma personalidade melancólica, às vezes depressiva, e uma das partes mais interessantes da leitura são seus Demônios. Mimi nomeou todos eles. Há Eugene e Kitty – que representam autoaversão e catastrofização – e os gêmeos Didi e Desi – depressão e desespero. Esse conceito é simultaneamente engraçado e profundamente sério. Como Mimi diz ao marido: “Se você tivesse mais amigos, talvez não passasse tanto tempo com seus demônios”. 
A personalidade de Bird é o oposto de Mimi, e o contexto da viagem coloca essa oposição à tona. Enquanto Bird sente saudades de casa e não tem vontade de conhecer nenhum ponto turístico, Mimi planeja cada minuto da viagem, é inquieta e agitada, não se incomoda com o desânimo do marido e até parece ignorá-lo (o desânimo, não o marido) de propósito, como se passasse uma mensagem que as reações do marido não devem ser levadas tão a sério assim.

Bird e Mimi conversam – grande parte do romance se desenvolve por meio do diálogo entre esse casal de meia-idade – mas, como Bird aponta, eles realmente não conversam. Em sua primeira noite na República Tcheca, Bird observa que tanto ele quanto sua esposa se esqueceram de trazer os romances que costumam ler nos restaurantes enquanto esperam a chegada das refeições. Bird pensa: “Agora estamos diante da possibilidade real de ter que conversar um com o outro”. E, no entanto, ao longo da refeição, isso nunca acontece. 
A narrativa, muitas vezes, parece ir em direção ao nada e sem nenhuma conclusão. As seções frequentemente abrem com alguma variação do refrão, “Então estamos em Praga”. Há uma natureza repetitiva em grande parte da narrativa que destaca o ambiente imutável de Bird.
Esse relacionamento e dinâmica entre eles me lembrou muito as obras de Hemingway. 

O enredo conta com alguns flashbacks, onde sabemos um pouco do passado de Bird. No início do livro, os flashbacks são para um passado recente e, no decorrer da narrativa, King traz um passado mais distante dele, como se para ajudar o leitor a entender como e porquê Bird tornou-se esse homem de meia-idade que conversa com seus demônios.

Eu fiquei entretida na leitura porque gostei de Bird. Achei interessante ler uma história narrada por alguém que sofre com males físicos, mentais e emocionais enquanto se esforça para curtir uma viagem pela Europa e se re-conectar à jornada da esposa. Bird não consegue nada disso, mas foi bom ver ele tentar, e ele acaba se tornando um protagonista carismático. É uma leitura que recomendo.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 3/5

 

No post de hoje, trouxe o livro da escritora britânica-nigeriana Faridah Àbíké-Íyímídé chamado Às de Espadas, leitura que me chamou a atenção pela representatividade de raça e orientação sexual. Mas será que a história é boa mesmo? É sobre isso que vou falar na resenha abaixo.

Faridah Àbíké-Íyímídé começou sua carreira como escritora no ano passado, e este é seu primeiro livro publicado - o que talvez explique alguns pontos fracos de seu estilo de escrita que falarei mais adiante. Há muito de si mesma na personagem principal da história, Chiamaka, como a origem britânica e nigeriana, o background educacional e algumas características pessoais.

"Às de Espadas" é uma mistura de Gossip Girl com o filme Corra!. Classificado como YA, o livro tem dois protagonistas, ambos no último ano do Ensino Médio e se preparando para entrar nas melhores faculdades disponíveis: Chiamaka Adebayo e Devon Richards. Eles são os únicos alunos negros de uma super renomada escola particular chamada Niveus Private Academy, e vem de classes sociais opostas. Chiamaka vem de uma família mais rica e, ao longo dos anos na Niveus, foi se tornando a aluna mais reconhecida e popular. Devon vem de uma classe social pobre, conta com bolsa na Niveus e sua mãe tem três empregos para bancar o restante da mensalidade, e trafica drogas de vez em quando para ajudar com as despesas. 
Quando eles chegam no último ano da escola, ambos recebem títulos de destaque (agora não me recordo os nomes, mas é algo bem ao estilo americano, Líder de Turma, Presidente da Turma, coisas do tipo). Chiamaka não se surpreende pois vê esta nomeação como fruto de seu trabalho. Já Devon não entende o que está acontecendo, uma vez que é um aluno invisível e mediano, e um alerta de que há algo errado acende dentro dele. Não muito tempo depois, a escola começa a ser invadida com mensagens expondo os segredos dos dois a todos, segredos como encobrimento de assassinato e relacionamentos homoafetivos.

Quando estes segredos começam a vir a tona, tanto Chiamaka quanto Devon começam a sofrer consequências em suas vidas. No caso de Chiamaka, as consequências são mais relacionadas ao seu futuro acadêmico e profissional, pois seu histórico escolar fica "manchado" com os conflitos gerados pelas mensagens. Para Devon, afeta seus dois principais relacionamentos - Jack, seu único amigo na Niveus, e André, seu namorado. Depois de um tempo, Chiamaka acaba perdendo também o relacionamento com Jamie, seu melhor amigo e por quem é apaixonada há muito tempo. 

Eu não gostei do livro. Não odiei - Faridah tem ideias boas, a representatividade é extremamente importante, a história tem um suspense legal - mas as falhas de plot e de estilo me desanimaram. Explico.
Primeiro, a motivação do grupo Às de Espadas. Se o objetivo de Faridah é abrir um espaço de discussão sobre o racismo, eu tenho muitas dúvidas que ela fez isso da forma correta. A narrativa mostra uma sociedade branca determinada e organizada pura e exclusivamente para machucar, prejudicar e às vezes matar os negros, começando na escola Niveus e terminando nos canais de mídia. Eu não consegui engolir que, por exemplo, Jamie estabelece uma relação de anos com Chiamaka apenas para machucá-la, chegando a extremos de transar com ela e dizer que a ama, apenas para cumprir um plano maléfico. E isso sem falar em todas as outras pessoas ao redor de Chiamaka e Devon, e todos os esforços, energia e dinheiro investidos apenas por racismo. Gente, veja bem, não duvido que isso aconteça, aconteceu ou possa acontecer, mas como história, como enredo de livro, ficou pobre e mal costurado.

Devon poderia ter sido um personagem tão bom, mas Faridah resolveu depositar nele todos os estereótipos, como negro e como gay. Se foi de propósito ou não, não sei, só acho que funcionou muito mal. A parte que ele descobre que o pai morreu na cadeia quase me fez desistir da leitura, não adicionava em nada na narrativa a não ser reforçar os estereótipos. A mãe dele, que pensei que seria desenvolvida, ou mesmo a relação com ela, também caiu num vão de falta de significado.

O desenvolvimento do suspense - quem enviava as mensagens, quem era o Às de Espadas, quais segredos seriam compartilhados, o motivo por trás disso tudo - estava até interessante, embora a tremenda e proposital semelhança com Gossip Girl me incomodasse muito. Até a parte da investigação do computador 17 da livraria eu estava até gostando, mas dali em diante achei que Faridah se perdeu. Ela tentou trazer uma grandiosidade para a trama que não foi bem construída. De repente, temos assassinatos de negros nas décadas passadas da Niveus, um canal de TV que está acobertando todos os crimes, a falsa morte da menina que Jamie atropela no início do livro... muitos pontos mal conectados.

No fim, achei que Faridah perdeu a chance de trazer assuntos extremamente importantes para uma discussão séria e real. Eu aplaudo sua tentativa de inserir representatividade em YA, mas acredito que ela ainda não tinha a maturidade profissional necessária para carregar uma história pesada como essa. E, por esse motivo, não é uma leitura que recomendo.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 2/5

 

Que honra falar hoje de uma das escritoras brasileiras que, não apenas me ajudou a formar minha identidade quando eu era adolescente, mas também me inspirou a ser escritora. Hoje, escolhi resenhar a coletânea de contos "A Noite Escura e Mais Eu", da rainha Lygia Fagundes Telles.

"A Noite Escura e Mais Eu", publicado em 1995, começou a ser escrito quando Lygia se inspirou em outra das grandes, um poema de Cecília Meireles chamado Assovio que dizia: "Ninguém abra a sua porta / para ver o que aconteceu: / saímos de braço dado / a noite escura e mais eu. / Ela não sabe o meu rumo / eu não lhe pergunto o seu: / não posso perder mais nada / se o que houve já se perdeu."

Esta coletânea de contos fala, basicamente, sobre morte e, consequentemente, também sobre a vida. Ao todo são nove contos, alguns narrados em primeira pessoa e outros em terceira, geralmente com protagonistas mulheres mais velhas que se vêem frustradas com os acontecimentos que a vida traz. Os contos são recortes de situações cotidianas que ganham importância e profundidade aos olhos da protagonista, despertando emoções que estavam escondidas ou desconhecidas até então.

O meu conto preferido foi "Uma Branca Sombra Pálida", que conta a história de uma mãe que tenta compreender o suicídio da filha enquanto leva rosas brancas ao seu túmulo, rosas estas que são ofuscadas pela beleza das rosas vermelhas que a namorada de sua filha coloca. Além de lidar com o suicídio, a mãe também tenta entender a orientação sexual da filha, e não consegue alcançar nenhuma das duas coisas sem sentir raiva e frustração. A escrita de Lygia é seca o suficiente para que fique claro como a mãe se sente, e lírica para que a gente sinta um nó no coração.

"Dolly", o conto que abre a coletânea, também é muito interessante. Poderia virar um filme. Fiquei curiosa que a tal Dolly tivesse um livro só seu, me pareceu uma das personagens mais legais de todos os contos. O tema é forte, me embrulhou o estômago, e Lygia navegou pela violência com uma classe que só ela tem.

O que mais me surpreende, o que mais me encanta, é como Lygia usa a língua portuguesa. Gente. É como se ela e Clarice fossem as poucas pessoas capazes de destravar o potencial poético do português, as palavras escolhidas, o ritmo, a fluidez, nossa. Lembrei da minha professora de português do Ensino Médio, me emprestando "As Meninas" e me dizendo que aquele livro mudaria meu jeito de ver as coisas. E mudou mesmo. Desde então, mais de vinte anos depois, ainda tento usar o português dessa maneira.

Outra coisa linda é o universo feminino explorado por Lygia. Não é clichê, longe disso, e não é doce nem simples. Abarca uma imensidão, emoções conflitantes, crueza e amargura, e me fez ter vontade de escrever as mulheres da minha vida do mesmo modo. 
E também gostei do quão paulista é esse livro, não sei bem como explicar, mas achei que minha cidade foi tão bem representada e me senti orgulhosa, como se a cidade fosse também uma personagem.

Eu devorei o livro em dois dias. Foram dias em que mergulhei nas minhas experiências, fiquei introspectiva e melancólica - de um jeito bom - e voltei a escrever contos, que eu não fazia há anos. Obrigada Lygia, você sempre será eterna para mim.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 4/5

 

Tag Livros é um clube de assinatura de livros que eu entrei este ano. A proposta é que você receba na sua casa, todo mês, um livro escolhido por eles e diversos brindes relacionados ao livro. A resenha de hoje será do livro do selo Curadoria de Março de 2022, "O Parque das Irmãs Magníficas" de Camila Sosa Villada, de longe meu preferido até o momento.

Caso você queira ver os outros livros do clube, navegue pelos links abaixo:
Janeiro 2022 | Pesado, de Kiese Laymon
Fevereiro 2022 | Samarcanda, de Amin Maalouf

Camila Sosa Villada, nascida em 1982 na Argentina, estudou Comunicação Social e Teatro, foi atriz em diversas minisséries e peças de teatro, escreveu romances e poesias. Em 2013, ela oficializou sua transição de gênero, adotando o nome Camila e focando suas obras em histórias travesti, para trazer visibilidade e representatividade sobre o tema. A Argentina, dentro do contexto da América Latina, é um dos países mais avançados em Constituição e direitos à comunidade LGTBQIA+, com leis abrangentes e inovadoras para pessoas transgênero.

Publicado em 2019, "O Parque das Irmãs Magníficas" conta a história de um grupo de travestis que se prostituem no Parque Sarmiento, em Córdoba, e é narrado em primeira pessoa. Aqui, quero fazer uma observação. O termo "travesti" é uma identificação de gênero mais específica da América Latina e de algumas poucas regiões da Espanha, usada para denominar pessoas que não se identificam com o gênero masculino do seu nascimento. Durante muito tempo, a palavra travesti foi - e ainda é - usada como um xingamento, uma ofensa, quase um palavrão, e muitas mulheres trans preferem ser chamadas de travesti numa luta de resistência e numa tentativa de ressignificar o termo, além de tirar o poder de ofensa que esta palavra carrega. Portanto, se você conhecer uma mulher trans que quer ser chamada de travesti, não questione, apenas respeite. ;-)

Camila narra a infância e o desenvolvimento do menino em travesti sem melodrama, vitimismo nem apelação. Ela mostra os fatos como são, colocando-os um na frente do outro, mostrando quão lógico e quão vital era a transição de homem a mulher travesti em sua história. Enquanto faz isso, a autora introduz personagens muito interessantes, que fazem com que a leitura ganhe ainda mais privacidade. E ainda há um toque de realismo mágico, quando María A Surda começa a ganhar penas pelo corpo e precisa ser colocada em uma gaiola. 

A narrativa percorre várias situações do presente e entremeia com pedaços da infância e do passado de Camila. Nas situações do presente, ela narra os encontros com seus clientes e com a polícia, bem como as dificuldades de sobreviver à fome, à miséria e à violência. Em alguns momentos, as histórias das outras personagens ganham destaque e entram no foco da narrativa, e essa combinação de coisas me deixou super entretida na leitura.

"Só que eu também sentia vergonha de nossa miséria, de nossa distância da beleza, das bebedeiras de meu pai desfilando pela cidade como uma bandeira, de trabalhar desde os oito anos de idade vendendo coisas pela rua, pela necessidade do meu pai de que seu filho servisse para alguma coisa." (Camila Sosa Villada)

Conforme eu lia este livro, o que eu pensei foi: é por histórias assim que a literatura existe e resiste. Cada parágrafo, cada capítulo, cada diálogo servem a um propósito, que é o de expôr o preconceito, os crimes, a falta de dignidade e de respeito que as travesti precisam superar todos os dias, puramente porque ousam estar vivas numa sociedade que não as aceita. Trecho após trecho, Camila mostra que, além da rotina de prostituição - o que, geralmente, acaba sendo o foco de todas as mídias e conversas quando se fala das travestis - existe uma comunidade unida e forte que se apóia e se motiva a seguir em frente, mesmo quando há pouca (ou nenhuma) esperança no horizonte.

Há também a figura da mãe, uma mulher que acolhe e educa as travestis com todo o amor que consegue reunir, depois de uma vida longa e sofrida, que acaba de um jeito trágico, e o Brilho nos Olhos, um menino que foi abandonado no parque e é adotado por aquelas irmãs tão cheias de amor. Aliás, foi isso que eu senti lendo esse livro, um amor puro e genuíno, um amor pelas coisas difíceis e diferentes, um amor que faz mais sentido do que todo o resto.
E não espere um final feliz, ele não vem.

Raramente avalio um livro com a nota máxima aqui no Perplexidade e Silêncio, mas esse merece sem dúvida nenhuma.
Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 5/5


Gente. Sério. Ainda estou processando a história incrível que V. E. Schwab entrega em "A Vida Invisível de Addie LaRue". Fazia tempo que eu não lia um livro que ia direto para a sessão Sugestão de Leitura e estou muito satisfeita em trazer esta resenha para vocês.

Antes de começarmos o post, também não deixe de ler minha opinião sobre a trilogia Tons de Magia. Ainda me falta ler o terceiro volume, mas os outros dois já estão disponíveis:
Sugestão de Leitura | Tons de Magia, Vol.1: Um Tom Mais Escuro de Magia, de V. E. Schwab
Já Li #143 - Tons de Magia, Vol. 2: Um Encontro de Sombras, de V. E. Schwab

"A Vida Invisível de Addie LaRue" conta a história de Adeline, atualmente com mais de trezentos anos de idade. Addie, ou Adeline, em 1714, pediu aos deuses uma solução para se livrar de um casamento arranjado em um momento de completo desespero, quando fugiu para a floresta no meio da noite e no meio de um rigoroso inverno. Como resposta, recebeu uma oferta de um demônio, que posteriormente ela dará o nome de Luc, e com ele fez uma barganha por sua alma, sem pensar muito nos detalhes de tal acordo. Feliz como estava por livrar-se do casamento, só depois Addie percebeu a extensão do que fizera (além de ter vendido a alma, o que em si só já seria muito, não?).

Nas entrelinhas do acordo, Luc se valeu de algumas brechas de semântica para condenar Addie a uma vida eterna onde todos se esqueceriam dela tão logo virassem as costas para a garota. A justificativa de Luc é que a completa liberdade só existe quando não deixamos marcas pelo mundo, o que significa que podemos fazer o que quisermos sem temermos as consequências, o que só é possível se todos ao nosso redor não registram nossa existência. Aos poucos, Addie percebe que ninguém - literalmente, ninguém - se lembra dela. 
Por exemplo, ela volta para casa e sua mãe não a reconhece. No instante que sua mãe deixa a sala para buscar um copo de água para a garota estranha e perdida que apareceu na soleira de sua porta, Addie já foi esquecida, e quando sua mãe retorna à sala, toda a conversa precisa recomeçar como se nunca tivesse acontecido antes. E isso é só um pequeno exemplo da grande maldição que se abateu sobre Addie em troca da promessa de liberdade.

Agora, imagine trezentos anos vivendo assim. Addie não consegue acumular bens, não tem onde morar, obviamente não pode trabalhar, não tem amigos e assistiu todos que amava morrerem. Seus relacionamentos se resumem a encontros superficiais de uma noite só com alguns caras que, claro, se esquecem dela assim que se separam. A única constante de Addie é o próprio Luc, que aparece de vez em quando perguntando se ela já se cansou, se ele já pode recolher a alma dela, ao que ela sempre recusa.

Até que, em 2014, alguém se lembra de Addie: Henry. Ele trabalha em uma livraria e, certa de que seria esquecida assim que saísse pela porta, Addie rouba um livro. No dia seguinte, ela retorna à livraria, mas Henry a expulsa, já que lembra dela roubando o livro no dia anterior. Perplexa pela mudança no roteiro depois de trezentos anos, Addie resolve conhecê-lo melhor para entender porquê ele se lembra dela. E adivinha só? Claro, Henry também tinha um acordo com o Luc.

Neste ponto da narrativa, Schwab foca um pouco mais em Henry, e aí sabemos que a barganha dele foi para que ele fosse amado e aceito pelas pessoas, depois do término de um relacionamento. A entrelinha do seu acordo é que as pessoas não vêem Henry pelo que ele é, mas pelo que as pessoas querem que ele seja, e o amor que ele recebe é falso, superficial, "mágico". E, claro, o único amor verdadeiro que ele recebe é de Addie, e assim eles formam um casal perfeito.

Tem uma parte do livro que é um pouco arrastada, que é quando Schwab conta várias situações da vida de Addie para que o leitor entenda como é difícil e sofrido ser esquecida o tempo todo. Quando eu estava começando a achar que o enredo não chegaria em lugar nenhum, Henry surge na história para movimentá-la e deixá-la interessante. E, novamente, quando o enredo quase ficava previsível, Luc ganha destaque interferindo nas tramas de ambos os personagens. 

Henry é o melhor personagem masculino que eu já li? Não. Fica difícil de comprar a idéia de que ele vendeu sua alma para ser amado porque Schwab não explora os detalhes de sua saúde mental como deveria. Na minha opinião, ela deveria ter dedicado menos tempo descrevendo o passado de Addie e mais tempo no de Henry, de forma que o leitor se conectasse mais com sua dor e desespero. Schwab só traz a tentativa de suicídio nos últimos capítulos, e eu acho que isso deveria ter aparecido assim que Henry entra no enredo. Mas, ainda assim, ele funciona, e tá tudo bem.

E o final, eu adorei. Não escreveria nada diferente. Me causou uma melancolia/tristeza/nó no estômago no meior estilo "Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças", e é muito raro um livro me causar isso. Achei que Addie tomou um caminho muito interessante, de força e paciência, que faz sentido com todo o seu desenvolvimento, e também traz a relação dela com Luc sob outra perspectiva. Eu devorei os últimos capítulos e terminei o livro sentindo meu coração na mão.
Então, sim, é um livro que eu super recomendo, sem dúvida.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 4/5

 


Tag Livros é um clube de assinatura de livros que eu entrei este ano. A proposta é que você receba na sua casa, todo mês, um livro escolhido por eles e diversos brindes relacionados ao livro. A resenha de hoje será do livro do selo Curadoria de Fevereiro de 2022, "Samarcanda" de Amin Maalouf.

Caso você queira ler a resenha do livro anterior deste selo, veja aqui:
Tag Livros - Janeiro 2022 | Pesado, de Kiese Laymon

Amin Maalouf é um escritor libanês que atualmente vive na França, para onde se mudou quando uma guerra civil começou no Líbano, nos anos 70. Lá, na época, ele era diretor de um jornal, mas já na França resolveu dedicar-se a escrever ficção, e seus cenários e histórias são sempre baseados no mundo árabe, sua origem. 
No livro da resenha de hoje, o título se refere à real cidade de Samarcanda, que hoje faz parte do Usbequistão e, antigamente, era uma das principais cidades comerciais da Pérsia (e quando digo antigamente, é muito antigamente - mil anos atrás). A cidade existe desde o século 7 e, como vocês podem ver na imagem de capa deste post, é lindíssima.
Outra parte real do romance é o poeta Omar Khayyman, cujo enredo gira em torno do seu livro de poesias, perdido da humanidade e valiosíssimo. Omar realmente existiu, assim como o livro, e era matemático, poeta, astrônomo e filósofo. 
Agora que você tem esse contexto histórico em mente, vamos falar do livro.

"Samarcanda" foi publicado em 1988 e é um romance histórico sobre o poeta Omar, na Pérsia do século 11, e é dividido em quatro partes.
Nas duas primeiras partes, Amin imagina como teria sido a vida de Omar, como seu livro de poesias teria sido criado e como foram suas interações com figuras históricas da Pérsia - como, por exemplo, a Ordem dos Assassinos, uma organização que matava líderes católicos como forma de fazer prevalecer o Islamismo. 
Nas duas últimas partes, a história avança no tempo e conta a jornada do narrador do livro, Benjamin (esse sim um personagem fictício) que, fascinado pela vida e obra de Omar, viaja dos Estados Unidos à Pérsia, no começo do século 19, para encontrar o tal livro de poesias de Omar. Benjamin passa por toda a sorte de problemas e, no fim, perde o livro no naufrágio do Titanic.

Eu não gostei deste livro por vários motivos.
O estilo de escrita de Amin não me prendeu. Ele narra uma história dentro de uma história dentro de outra dentro de outra, e eu me perdi o tempo todo. Por exemplo, na primeira parte, é o Benjamin contando a história de Omar, que está contando a história de algum político poderoso da Pérsia, que conta a história de outra pessoa da Ordem dos Assassinos. Em vários momentos, eu sequer sabia de quem eram as falas dos diálogos. Minha atenção não foi prendida e, serei sincera, pulei várias páginas ao longo da leitura, numa tentativa de voltar para o enredo do Omar.

Também não gostei da estrutura do livro. Se eu fosse Amin, eu teria entremeado a vida de Benjamin e a vida de Omar em capítulos alternados, de forma que o leitor se apegasse a Benjamin e entendesse a importância da jornada da busca do livro de poesias. Isso sem falar que as partes 1 e 2 são chatíssimas e eu quase abandonei a leitura, e as partes 3 e 4 são um pouco "menos piores", o que talvez tivesse prendindo mais minha atenção.

Mas a ausência de desenvolvimento dos personagens foi o que mais me incomodou. Eu sequer consegui imaginar o Benjamin, de tão fraco que é seu desenvolvimento e personalidade. Não me importei com ele e muito menos com sua busca pelo livro, e consequentemente não dei a mínima quando ele perde a namorada e o livro pós naufrágio do Titanic. O par romântico de Benjamin é tão insosso que eu nem lembro o nome dela, e ela foi descrita exatamente do mesmo jeito que a esposa de Omar, e isso me deu a sensação que Amin não sabe escrever personagens femininos. E isso para não falar da ausência de antagonismo, o que deixa a leitura ainda mais chata.

Nossa, eu sofri para terminar a leitura e senti zero prazer no processo. Por isso, não é uma leitura que recomendo.
Que venha o livro de Março!

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 1/5

 


Com uma capa linda dessas, foi difícil passar despercebida pela obra Pássaro e Serpente, de Shelby Mahurin. No post de hoje, falarei sobre o primeiro volume, que tem o mesmo nome da série, e darei minha opinião sobre a leitura.

Publicado em 2019, o livro alterna capítulos nos pontos-de-vista de Lou e Reid. Lou é uma bruxa que fugiu de sua comunidade para morar na cidade de Cesarine, onde precisa esconder-se dos caçadores de bruxas e viver do que consegue roubar. Reid, como você já deve ter imaginado, é um caçador de bruxas que se depara com Lou e, num acordo que benefícia a ambos, um casamento é arranjado entre os dois.

Lou, na teoria, seria uma ótima protagonista feminina, e até é, mas é uma pena que o restante da história não sustente nem permita que ela cresça como deveria. Lou é bocuda, imoral, pervertida e ladra, o que para mim seria a combinação perfeita para amá-la, mas ela não engrena porque Shelby não soube construir o universo ao redor dela. Senti que ela mirou em Cealena e errou.
Reid, que foi escrito propositalmente como o oposto de Lou, também não entrega o que se propõe. Ele não tem o carisma de Chaol, por exemplo, e nem tem seu background de órfão explorado como poderia.
Mas o mais brochante deste livro é quão rápido e fácil estes dois se apaixonam. Eu fiquei pasma quando vi que, apenas alguns capítulos depois, eles já estavam trocando juras de amor, Reid renunciando à sua moral que, teoricamente, era férrea, e Lou superando o fato de que ele já matou bruxas como ela. 
Eu tinha certeza que eles iriam se entender, infelizmente, deu para notar que o enredo estava se encaminhando para este mega clichê logo de cara, mas Shelby do céu, pelo menos tenta se esforçar para trazer um suspense ou um conflito. 
Além disso, tem um feminismo muito forçado na trama, que a mim soou como um jeito de atrair o público feminino jovem. A igreja que acha que as mulheres são impuras, Lou que é sensacional porque "usa calças e fala palavrões", a pseudo liberdade sexual da protagonista que, na verdade, é um puritanismo disfarçado. Só tenho uma palavra: afe.

Assim, tentei me ancorar no mundo mágico criado para a série, na expectativa de encontrar alguma coisa que me mantivesse atenta à leitura. 
Em termos de outros personagens, outra oportunidade perdida para Shelby. Ela poderia ter desenvolvido uma trama onde o grupo é mais importante que o(a) protagonista, como Brandon Sanderson faz como ninguém, mas adivinhem só? Mais frustração. Para ser sincera, eu sequer lembro quem são os outros personagens, tamanha a ausência de construção. Tinha uma dupla de ladrões que trabalhava com Lou... André, acho?... que não servem a nenhum propósito específico na trama. Tinha Coco, que poderia ter sido tão mais do que foi. E acho que é isso.

E, por fim, eu quase achei que a previsibilidade da trama ia ser interrompida quando a mãe de Lou, uma bruxa-mor, aparece destruindo tudo o que vê pela frente como vingança pela morte das bruxas. Ela é pintada como uma vilã horrível, mas eu bem fiquei pensando que ela deveria ser a protagonista, que o livro deveria ser sobre ela se vingando dos caçadores. Aí sim teríamos um livro que eu leria com gosto.

Chegando quase no fim da leitura, a única coisa que consegui extrair do mundo mágico desta obra é que existem bruxas que fazem magia a partir do sangue, e elas sofrem preconceito das outras bruxas porque praticam uma magia "suja". Mas Shelby joga isso à esmo no enredo e prefere perder tempo com os diáologos pobres entre Lou e Reid.

Não é uma leitura que recomendo. Leia Sarah J. Maas em vez desse.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 2/5

 


Taí um livro que não sei direito o que pensar. Parte de mim achou a abordagem dele desnecessária, parte de mim achou uma história de ficção bem escrita, e outra parte de mim ficou com raiva da romantização do abuso. Hoje, vamos falar um pouco de "Minha Sombria Vanessa", escrito por Kate Elizabeth Russell. (Cuidado, pessoal, a história pode despertar gatilhos relacionados a relacionamentos abusivos.)

"Minha Sombria Vanessa", publicado em 2020, conta a história de Vanessa que, no Ensino Médio, se apaixona pelo seu professor de literatura Jacob Strane. O livro alterna flashbacks do passado (2000), contando como o relacionamento entre os dois começou e se desenrolou, com a narrativa do tempo presente (2017) e os impactos psicológicos e emocionais que este relacionamento teve na vida de ambos.

Existem dois panos de fundo na narrativa. Um deles é o livro "Lolita" de Vladimir Nabokov que, não à toa, é o livro preferido de Vanessa e onde ela busca refúgio e consolo para entender o que aconteceu com Jabob. A narrativa traz trechos e citações de Lolita sobretudo nos flashbacks, como forma de justificar (para o leitor? para a própria escritora? para Vanessa?) a atração tóxica e esquisita que existe entre aluna e professor.
Um segundo tema do livro é Movimento #MeToo, e a "onda" de denúncias de abuso sexual por parte de mulheres ao redor do mundo contra homens brancos e em situação de poder. No tempo presente, Jacob é denunciado por uma de suas alunas, Taylor, e rapidamente o caso ganha uma enorme cobertura na mídia. Ele teme que Vanessa vá a público prestar testemunho do que aconteceu com eles no passado, o que seria o depoimento final para colocá-lo na cadeia.

Que livro indigesto. 
Primeiro, porque passei o livro inteiro esperando por alguma contextualização do background de Vanessa para entender porque ela se deixou levar por um relacionamento abuso aos 14 anos de idade. A única explicação que Russell fornece é que Vanessa era solitária e isolada de todos, e que a atenção do professor a fez sentir-se especial. Sério mesmo, Russell, que é assim que você acha que o psicológico de uma mulher/garota funciona, nesse nível de superficialidade? OK.
A não ser que Russell tenha tentado transmitir a mensagem de que qualquer pessoa está sujeita a passar por algo assim, e que deveríamos sentir empatia por Vanessa, algo do tipo "abuso pode acontecer com qualquer um, fique esperto".

Outra coisa que achei meio difícil de engolir é a subplot com a melhor amiga, que a abandona quando começa a namorar. Não entendi o que isso adicionou ao enredo, eu particularmente acho que nada. Não faria diferença para a história se Russell tivesse cortado estas partes. Inclusive, seria muito mais interessante se, por exemplo, a melhor amiga fosse a Taylor jovem, e anos depois Vanessa descobre que Jacob se relacionava com as duas ao mesmo tempo. 
Outras coisas desnecessárias: Henry e Vanessa adotando um cachorro. Não, Russell, eu não acredito que você deixa a mensagem de que Vanessa vai superar anos de trauma com um cachorro. 

Mas o principal problema da minha indigestão é a romantização do abuso e dos estupros. Gente. Mal consigo escrever sobre isso nesta resenha, me desperta todo tipo de gatilho. Vanessa não percebe que foi abusada e estuprada e passa o livro inteiro dizendo que "também queria", "que Jacob não a forçou a nada", "que ele era carinhoso e preocupado com o bem-estar dela". E literalmente todo mundo que aparece no livro (fora o "casal") só tem essa função de dizer a ela que ela foi sim violentada.
As cenas de estupro me deram ânsia de vômito, sobretudo pelo fato de que elas foram romantizadas ao ponto de quase passarem despercebidas.
Eu entendo que Russell quis contar a história do ponto-de-vista da Vanessa que, provavelmente, romantizou a coisa toda como forma de se proteger de um colapso mental e emocional. Sou psicóloga, entendo isso, um baita mecanismo de defesa que prejudicou toda a vida de Vanessa e a impediu de funcionar na sociedade e na vida. Mas, ainda assim, acho tão perigoso escrever um livro desta forma.
Me pergunto se Russell foi responsável ao escrever um livro com este ângulo. Talvez existam leitores que achem que isso não é nada demais, afinal, é só uma obra de ficção, mas eu acredito que temos que tomar cuidado com assuntos tão delicados como este. 

O que conecta com outra coisa que me incomodou. Quando Russell aborda as denúncias de abuso sexual na perspectiva de Jacob, ela coloca as mulheres como malucas e mentirosas, coisas que Jacob falaria para se livrar da cadeia. Porém, quando ela escreve o ponto-de-vista das mulheres acusadas e jornalistas, ela também as descreve como loucas. Mas de que porra de lado você está, Russell? Não consegui engolir isso.

Por exemplo, se um escritor vai falar sobre transtornos mentais, cognitivos ou racismo, ele tem que ter um mínimo de consciência sobre o impacto negativo que pode causar às pessoas na vida real. E eu acho que Russell passou longe de tratar o assunto com o cuidado que deveria.

O leitor deveria receber duas versões da história, um capítulo de Vanessa e um capítulo de Taylor. Aí sim seria uma obra de ficção interessante de ler e que, ao meu tempo, entende o tamanho do assunto que está tratando.

Por isso, não é uma leitura que eu recomendo. Não mesmo.
Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 1/5

A Tag Livros é um clube de assinatura de livros que eu entrei este ano. A proposta é que você receba na sua casa, todo mês, um livro escolhido por eles e diversos brindes relacionados ao livro. A resenha de hoje será do livro do selo Curadoria de Janeiro de 2022, "Pesado" de Kiese Laymon.

O livro foi recomendado por ninguém mais, ninguém menos que Alice Walker, a autora de "A Cor Púrpura", um dos livros sobre racismo mais celebrados e elogiados do mundo. Ambos nasceram no Sul dos Estados Unidos e escrevem sobre suas experiências com uma sinceridade que é, ao mesmo tempo, dolorida e linda. 

"Pesado", publicado em 2018, é um relato autobiográfico de Kiese sobre o relacionamento com sua mãe, a vida acadêmica, o racismo e dismorfia corporal. Não é à toa que o título do livro é o que é, pois de fato se trata de uma literatura pesada. No entanto, o estilo de escrita de Kiese é tão incrível que, sem dúvida, nos ajuda a digerir o que estamos lendo conforme a narrativa se desenrola. Ele nasceu no Mississipi, que é hoje a região mais pobre do país e que detém a maior porcentagem de negros na população.

O peso que Kiese carrega tem vários significados.
Um deles, o maior de todos, é o peso de ser negro nos Estados Unidos. Ele conta todas as dificuldades que viveu (e ainda vive) ao tentar perseguir uma carreira acadêmica em seu país, como ele é tratado com discriminação em relação aos brancos da universidade, como suas oportunidades são prejudicadas por pré-conceitos e julgamentos que as pessoas fazem dele, só pelo fato dele ser negro. Ele também adiciona situações que aconteceram com pessoas ao redor dele, sobretudo mulheres negras, que tiveram que conviver não somente com o racismo, mas também com violência sexual e machismo.

Um outro peso é o relacionamento com sua mãe, e o livro é escrito se dirigindo a ela. A mãe de Kiese é professora de Ciências Políticas e, desde muito cedo, incentiva Kiese a escrever e "a ser mais do que é esperado de uma pessoa como ele". Ao mesmo tempo que tem boas intenções, sua mãe o expõe a uma dinâmica tóxica de relacionamento desde que ele criança, e que cria uma estranha codependência entre ambos. De violência doméstica a presenciar sua mãe fazendo sexo, ao vício em apostas dela, Kiese não deixa nada passar no seu relato.

E ainda temos o peso literal de Kiese, que desenvolve um transtorno alimentar como forma de retomar o controle de sua vida. Ele relata que passou por extremos para emagrecer, coisas como correr trinta quilômetros por dia e passar o dia sem comer para perder gramas e "arredondar" o peso da balança. Ele adquire um prazer doentio por tornar-se menor e ocupar menos espaço, até que estas práticas radicais cobram seu preço e colocam seu corpo em risco.
Seu corpo pesado era visto como uma dupla ameaça para os brancos, por ser negro e por ser gordo. Kiese não podia não ser negro, mas ele podia não ser gordo, e aí direcionou toda a energia de tentar ser quem não era. Chega a doer.

As partes dele com sua Vovó também me tocaram muito, a beleza daquela relação, a pureza que ele só mostrou para ela, e como ela o amava tanto a ponto de tentar protegê-lo da própria mãe. Muito tocante mesmo, me emocionei em várias partes.

E eu preciso falar sobre o fim do livro. Porque ele não existe - é claro que não. Kiese segue na sua luta de ganhar um espaço em uma sociedade que sequer se dá ao trabalho de ouvi-lo e, neste momento, não há final feliz. Nem para ele, nem para nenhum de nós. E é com esse nó na garganta que eu indico essa leitura maravilhosa. Obrigada, Tag Livros!

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 4/5


Eu gosto muito de literatura italiana, e foi algo que descobri aos poucos. Acho que os escritores italianos são os melhores para descrever a vida interna das mulheres frente a um cotidiano chato e opressor. Foi desse meu interesse que cheguei a "Nascimento e Morte da Dona de Casa", um romance de 1941 escrito por Paola Masino.

Antes de seguir adiante, já abra no seu navegador estes outros posts sobre literatura italiana, garanto que você não vai se arrepender:
Desafio Livros pelo Mundo | 3 escritores italianos que você precisa conhecer
Todos os romances que li de Elena Ferrante

"Nascimento e Morte da Dona de Casa" é narrado em terceira pessoa e conta a história de vida de uma mulher cujo nome o leitor não sabe, pois ela é apenas referenciada como Dona de Casa. No início da história, sabemos que ela é uma garota de uma família muito pobre, negligenciada pela mãe mas adorada pelo pai, que gosta de ficar sozinha dentro de um baú comendo pão mofado. A menina é propensa a pensar sobre a morte de todas as coisas e pessoas, até que a mãe arranja um baile com o propósito de encontrar um marido para a garota que, assim, se vê lançada na vida adulta.

O primeiro ponto que eu gostaria de ressaltar é que este romance é de uma leitura difícil. Masino mistura realidade com surrealismo sem aviso prévio ao leitor então, no meio de um parágrafo, você percebe que estava lendo, aquele tempo todo, um devaneio da Dona de Casa, e não algo que realmente aconteceu em sua vida. E, às vezes, acontece o oposto, o leitor fica se perguntando se aquele evento foi real ou imaginação. No decorrer da leitura, isso me cansou bastante e eu quase perdi o interesse pela história, mas me mantive firme pelo famoso "quero ver onde isso vai chegar".
Esse estilo de escrita de Masino me fez pensar em uma mistura de Virgínia Woolf com Elena Ferrante, duas gênias-musas-rainhas do meu coração literário. Temos os fluxos de consciência e a intensa vida interna tão característicos de Woolf, e em paralelo temos a narração profunda e comovente dos eventos da vida cotidiana de Ferrante. Embora tenha sido cansativa, essa mistura proporcionou momentos muito bonitos, como esse aqui que separei para vocês:

"A necessidade de um descanso na forma de uma partida definitiva, começou, desde então, a tornar-se um sofrimento em cada minuto do dia, dava-lhe vontades teimosas de aniquilação, e por isso se viessem lhe dizer que todas as crianças nos dormitórios haviam morrido sob a queda do edifício, ela teria respondido "Benditas sejam"." (pág. 205)

Outro ponto que me achou a atenção é que Masino quase não dedicou tempo para o marido da Dona de Casa, o que tem seu lado bom e seu lado ruim. O lado bom é que o foco da narrativa é cem por cento a vida interior da Dona de Casa e sua necessidade/urgência de fugir da rotina doméstica antes de enlouquecer, e como esta necessidade se transforma em sonhos e alucinações conforme ela envelhece. O lado ruim é que não há nenhum antagonista no enredo, e este é outro motivo pelo qual a leitura se torna difícil. No começo, achei que seria sua mãe, muito parecida com a mãe da Lenú de Ferrante, mas essa plot não se desenvolveu além dos primeiros capítulos. Foi então que pensei que o marido seria o antagonista, mas ele mal aparece e, quando o faz, não fede nem cheira, ou seja, não contribui em nada para a história. 
Assim, o enredo fica carente de eventos que o impulsionem adiante e, depois de algumas páginas, vai se tornando tedioso, por mais que Masino tenha escrito trechos muito poéticos ao longo dele. 
A ausência do marido também me incomodou por sua irrealidade. Um homem heterossexual na Itália fascista dos anos 40 jamais aceitaria que a Dona de Casa não teve filhos - jamais. Sinto que Masino perdeu a oportunidade de explorar isso em seu livro, coisa que Ferrante faz muitíssimo bem.

Se você não quiser receber um spoiler, sugiro parar a leitura deste post por aqui.
Mas se você não se incomoda em saber o final do livro, taí a única parte deste romance que eu gostei - porém, todavia, contudo, não sei se entendi direito. * ri de nervoso *
Eu entendi que, ao completar quarenta anos de idade, a Dona de Casa fingiu a própria morte como forma de se libertar, buscou refúgio e moradia na capelinha do cemitério e passou o resto da sua vida visitando o próprio túmulo. 
Assumindo que eu entendi certo, eu adorei esse final. É surpreendente, diferente e coerente com a personalidade da Dona de Casa, afinal, ela passou praticamente toda a sua vida pensando sobre a morte. Achei natural que ela morasse em um cemitério pois isso não a assustaria, ao contrário, seria interessante para ela. E achei profunda a mensagem que este fim transmite, como se a Dona de Casa só pudesse se libertar de todas as chatíssimas exigências e responsabilidades da vida doméstica quando morre, seja essa morte real ou metafórica. 

Ainda assim, não é uma leitura que recomendo. Achei o caminho muito tortuoso só para chegar em um final interessante que se desenrola em duas páginas do Epílogo. Eu gosto muito da mensagem do livro e da reflexão que ele provoca, mas acho que a Ferrante faz um trabalho muito melhor em retratar a opressão da mulher.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 2/5

 

Cheguei ao final da trilogia Simon Snow de Rainbow Rowell, com o volume "Venha o que Vier". Neste post, falarei sobre o livro e, também, sobre a minha opinião da trilogia como um todo.

Caso você tenha perdido as resenhas dos dois outros volumes, veja os links abaixo antes de seguir adiante (cuidado com os spoilers!). 
Sugestão de Leitura | Simon Snow, Vol. 1: Sempre em Frente, de Rainbow Rowell
Já Li #149 - Simon Snow, Vol. 2: O Filho Rebelde, de Rainbow Rowell 

Neste livro, Simon se vê diante da escolha mais difícil que teve que fazer até então, que é decidir se ainda quer fazer parte do Mundo dos Magos ou se aceita sua nova realidade como normal, após perder todos os poderes na batalha do volume anterior. Além disso, ele precisa superar todos os bloqueios emocionais para conseguir se relacionar com Baz da forma como Baz merece. 
Baz se vê tragado pelos problemas de Snow, ao mesmo tempo em que descobre que sua madrasta fugiu com o novo Escolhido, enquanto Penélope decide salvar Shepard, o normal que prometeu sua alma ao demônio.

O primeiro elemento que salta aos olhos neste livro é quão romântico/erótico ele é, sobretudo quando comparamos com os volumes anteriores da trilogia. Há diversas cenas entre Baz e Snow onde ambos se exploram sexualmente, temos Penélope e Shepard ficando íntimos enquanto tentam resolver o pacto com o demônio, e também Agatha e a veterinária (que esqueci o nome. Nimah?). O leitor assíduo do Perplexidade e Silêncio sabe que eu não sou fã de romances, não tenho paciência para "melosidades", e por isso mesmo garrei ranço da história e tive muita dificuldade de terminar a leitura. Romances, assim como diálogos, cenas de ação ou qualquer outro elemento narrativo, devem servir a um propósito para o enredo - e, depois de um ou dois capítulos de Baz e Snow se pegando, não há mais propósito e se torna chato, repetitivo. 
Outra coisa que me incomodou é que acho que Rowell perdeu muito tempo descrevendo Baz e Snow na cama e desperdiçou uma oportunidade de aprofundar os elementos mágicos deste universo, de elevar algo que começou como uma fan fic de Harry Potter para algo maior. Afinal de contas, é o último volume da trilogia, e não pude evitar uma sensação de "meh" quando terminei de ler.

Isso porque ainda nem cheguei na parte dos arcos do próprio Baz e de Penélope.
Minha sensação é que nada aconteceu com Baz depois que ele se assumiu vampiro. Pensei que ele poderia virar algum tipo de líder da nova geração dos vampiros, ou transformar Snow e torná-lo o primeiro normal-Mago-vampiro do mundo, ou até mesmo transformar Snow sem querer - sei lá. Havia tantas possibilidades para Baz, ele é um personagem tão legal, mas nenhum potencial foi devidamente explorado.
Penélope começa bem, obstinada para resolver um problema insolúvel, bem definida como personagem e também coerente com sua personalidade, até se apaixonar por Shepard. Sério mesmo, Rowell? Sério mesmo que Penélope precisava de um relacionamento para tornar seu arco completo?
E Agatha. Gente. Achei ela inútil desde o começo da trilogia, para ser sincera, e aí nesse livro Rowell tentou lhe conferir alguma relevância para a narrativa. Gostei das cabras mágicas aladas protetoras, gostei também que Ebb foi honrada, e achei legal que Agatha encontrasse seu objetivo. Só não sei de onde veio esse amor dela pelos animais e essa vontade de ser veterinária, consequência do fraco desenvolvimento que ela teve nos outros volumes. Também achei super mal explorado o crush que ela teve por Baz, agora namorado do seu ex, mais uma vez potencial não explorado.

Por fim, o enredo em si. Achei a história do novo Escolhido chatíssima, que não chegou em nenhum lugar interessante. As subplots da madrasta de Baz, do pai de Penelópe, da senhorinha que perdeu o filho para o novo Escolhido - nenhuma delas me prendeu e achei que elas não contribuíram em nada. 

Ou seja, não gostei do livro e achei que foi um término super fraco para uma trilogia que, até então, estava indo bem. Fiquei decepcionada.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 2/5 

 


É com muita alegria no coração que hoje lanço o meu mais novo livro, uma distopia de volume único chamada "Insurgência".



Sinopse:
Eric já se acostumou com o silêncio do Apalavramento - e nem poderia ser diferente, já que não consegue comprar palavras com o dinheiro que ganha no campo de construção. Enquanto ajuda sua família a sobreviver ao regime opressor, Eric precisa salvar sua irmã do Alistamento Obrigatório. Ele, então, conhece Agnes e Sarah, amigas de infância que exibem sua riqueza através de uma tagarelice sem fim, e decidem invadir o Alistamento. Eric descobre que faz parte de algo muito maior e, se possível, ainda pior que o Apalavramento. Seu silêncio passa a ser um fardo, quando tudo o que ele quer é gritar por insurgência.

Já fazia muitos anos que eu planejava escrever uma distopia, desde a época em que escrevi a trilogia A Teoria das Estrelas. Quis escrever algo que fosse diferente de todas as distopias que já li (que, aliás, são 23, e você pode checar as resenhas aqui) e, além disso, que tivesse a ver comigo, com meus valores e minha identidade. Foi daí que pensei no Apalavramento.

O Apalavramento é o pano de fundo de toda a distopia e se passa em um futuro daqui uns 20 ou 30 anos, onde as palavras viraram moeda. Ou seja, o Governo estabeleceu um preço sobre as palavras, e todo o sistema econômico e político gira em torno desta mudança. Os efeitos sociais imediatos são que os ricos conseguem não só empregos melhores, como também tem o privilégio de se defenderem perante a Justiça, ter mais acesso à saúde de qualidade, entre outros, enquanto os mais pobres, por não terem dinheiro para falar, sequer conseguem comprar o que precisam ou ter um emprego digno, uma vez que a eles só restam os empregos "mudos". 
Há uma série de consequências do Apalavramento, tanto nos sistemas sociais, como mencionei acima, mas também na forma como as pessoas se relacionam, pensam, sentem, produzem e consomem. Mas aí você precisa ler o livro para saber mais sobre isso! :)

Outro desafio que tive como escritora foi escrever um livro narrado em primeira pessoa, por um personagem masculino, que não pode falar. Eric é a da geração que viveu a transição para o Apalavramento e assiste à ruína de sua família no novo Governo. Ele tenta salvar sua irmã, Elen, que foi convocada para o Alistameto Obrigatório, uma das muitas práticas obscuras do Apalavramento. Vivendo em Tiv, a periferia da Província, Eric descobre o enorme abismo social existente quando conhece a Princesa, que vive em uma mansão em Valbárdia e será a futura proprietária da casa que ele e seu melhor amigo, Benjamin, trabalham construindo. 

Eric se vê diante de uma aliança impossível com a Princesa (seu nome real é Agnes, aliás) quando ela decide ajudá-los a resgatar não somente Elen, mas todos os jovens que estão aprisionados no Alistamento Obrigatório. Eric percebe que a Princesa esconde seus reais motivos, mas a necessidade de salvar sua irmã fala mais alto (gostaram do trocadilho?).

E deixo aqui uma dica: Eric não é o protagonista. Isso mesmo. O livro é narrado por um personagem coadjuvante. E, sem dúvida, ele não é nenhum herói. Para saber quem é o(a) real protagonista da história e quem é o(a) antagonista, só lendo!


Sendo escritora independente, eu não coneguiria publicar nada sem o talento de outros artistas nesta empreitada. Assim, agradeço ao incrível Thiago Willisk, que deu vida às ilustrações de todo o livro (capa, contracapa, marca-página, banners, imagens da campanha de mídia social, etc). Thi, você captou direitinho como seria a minha distopia e serei eternamente orgulhosa de mostrar seu trabalho. 
Também agradeço ao Vini Meneghin que arrasou na diagramação do livro, deixando ele com cara de livro profissional feito pelas grandes editoras, e também pela ecobag maravilinda que ele criou para a distopia.
E, por fim - mas não menos importante (senão dá divórcio) - meu fã número zero, apoiador e empresário maridão Diogo Costta, que fez o design da capa, da contracapa e revisão de todo o processo.  Além de, claro, não me deixar desistir quando a vida me atrapalhava de terminar este livro.

Se você quer comprar um exemplar para chamar de seu, você pode encontrá-lo físico na minha lojinha ou comprar a versão digital na Amazon. 

Espero que vocês gostem da leitura! 
Para saber mais sobre os outros livros que já publiquei, clique aqui.

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A Escritora

Na casa dos trinta anos, psicóloga de formação, mas escritora de coração. Procura os detalhes da vida que passam desapercebidos e as bonitezas que ninguém vê. Faz perguntas incômodas porque gosta de uma boa reflexão. Não caminha pelos lugares-comuns e, quando o faz, faz com convicção. Imagina, sonha e pensa demais. Fala pouco, mas quando fala, por favor preste atenção.

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