O Livro ou a Série? | A Amiga Genial, de Elena Ferrante


Quando transformaram um dos meus livros preferidos em série, fiquei dividida entre empolgação e medo de que estragassem a maravilhosa história de Elena Ferrante. Depois de assistir a primeira temporada de "A Amiga Genial" da HBO, eis que fiquei ainda mais fascinada por Lila e Lenu, embora com uma ou outra decepção.

"A Amiga Genial" é o primeiro volume da Série Napolitana e foi publicado em 2012. A série acompanha a vida inteira de duas personagens, Lila e Lenu, desde a infância até a velhice. O grande trunfo desta série é o estilo de escrita de Ferrante que, para mim, é o melhor que existe atualmente na literatura. Só lendo para entender. O ritmo e a verdade que Ferrante entrega são incomparáveis.
Neste livro, Lenu, já idosa, recebe uma ligação do filho de Lila, Rino. Lila o abandonou e Rino tem dificuldades de compreender e aceitar esta situação, ao passo que, para Lenu, este abandono era algo previsível e esperado, dada a natureza selvagem e impulsiva de Lila. Por causa desta ligação, Lenu começa a se lembrar de tudo o que ela e Lila passaram ao longo da vida e, assim, o livro retorna para a infância de ambas.
Para ler a resenha completa, clique neste link.

A HBO lançou a primeira temporada em 2018 e os eventos da série são bastante fiéis ao livro. Assim, ambos - série e livro - terminam exatamente no mesmo ponto da narrativa.
Vou começar pelos pontos positivos da série.

Ambientação, fotografia, figurino: sinto que os produtores da série captaram a essência da atmosfera do livro de Ferrante. A Nápoles dos anos 50 foi muito bem retratada. Também adorei que os atores são italianos e que a HBO não tentou "americanizar" nada, deixando tudo muito fiel à ambientação que Ferrante construiu ao longo dos quatro livros. Foi incrível ver os cenários, os lugares e as personagens saindo da minha imaginação e ganhando vida (o estradão, os jardinzinhos, as ruas cheias de poeira).

Lila e Lenu: fiquei muito surpresa (positivamente) quando vi Lila e Lenu. Sobretudo Lila, que é uma personagem tão única, cheia de nuances e com uma loucura particular, que eu temia que a série não fosse captar. Gaia Girace, a atriz que interpreta Lila na adolescência, estava perfeita, ao mesmo tempo intensa e frágil como é Lila. Margherita Mazzucco, que faz Lenu na adolescência, também estava doce e interessante na medida certa. Fiquei encantada pelas duas e muito feliz que elas deram vida às protagonistas de um jeito tão coeso.

Voz narrativa: O livro é narrado em primeira pessoa por Lenu que, como mencionei no início do post, escreve, em retrospectiva, sobre sua vida. Ferrante atinge seu ápice quando adiciona os comentários poéticos e sinceros de Lenu ao longo do livro e, felizmente, a HBO conseguiu traduzir isso para a televisão, adicionando uma narrativa em off da personagem. Esta narrativa dá peso e densidade à história.

Agora, o ponto negativo da adaptação.
Os homens: No livro, quase todos os homens que passam pela vida de Lenu e Lila são abusivos, em maiores e menores níveis de intensidade. Considerando a época e o lugar onde a história se passa, Ferrante fez um retrato muito vívido da realidade das mulheres. Em sua narrativa, Ferrante mostra que a parte mais assustadora destes abusos era que as mulheres os aceitavam e até mesmo esperavam por eles, como se fosse algo normal, corriqueiro.
Na série, as características de violência e agressividade estão mais marcadas, diria até caricatas, e reservadas apenas a alguns homens (o pai de Lila, os Solara e Stefano Carraci). Desta forma, na série, há uma divisão mais clara e mais definida de "bem versus mal", "errado versus certo", "moral versus imoral" que não existe na escrita de Ferrante.
Consequentemente, Lila - que de santa não tem nada, no livro - acaba se tornando menos má, um pouco mais feminista, meio revolucionária, e ela não é bem assim nas obras de Ferrante.

Para quem não leu o livro, acredito que a série vá parecer um pouco lenta. Grande parte do enredo de Ferrante está baseado nas percepções de Lenu e não tanto em acontecimentos e fatos. Assim, a HBO extrapolou os principais eventos da história, alargando-os um pouco para que eles combinassem com o formato de episódios. A mim, não me incomodou, pois o roteiro foi bastante fiel ao livro.
Sem dúvidas, eu recomendo a série, assim como recomendo o livro que, na minha opinião, é uma obra-prima da literatura. Todos saúdem a rainha Ferrante.

Veja também:
Série Napolitana, vol.2: História do Novo Sobrenome, de Elena Ferrante
Série Napolitana, vol.3: História de Quem Foge e de Quem Fica, de Elena Ferrante
Série Napolitana, vol.4: História da Menina Perdida, de Elena Ferrante

1 Comments

  1. Adorei o texto! Finalizei o livro mês passado e quero muito assistir a série. Realmente esta autora tem uma maneira muito especial e envolvente de escrever!

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