Sugestão de Leitura | Série Napolitana, vol. 2: História do Novo Sobrenome, de Elena Ferrante


No segundo volume da Série Napolitana, Elena Ferrante continua a história de Lenu e Lila no ótimo "História do Novo Sobrenome".

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Se você quer ler a resenha do volume anterior da série, leia: Série Napolitana, vol.1: A Amiga Genial, de Elena Ferrante

A série Napolitana é classificada como Bildungsroman, ou seja, romances que focam no crescimento psicológico e moral das personagens desde a infância até a idade adulta. Esse termo foi criado no século 19 na Alemanha e é usado até hoje pelos críticos literários.

Os acontecimentos de "História do Novo Sobrenome" começam logo depois do volume anterior. Por isso, se você ainda pretende ler "A Amiga Genial" é melhor pular esta resenha, pois não vai faltar spoiler. E, assim como no primeiro livro, a estória é narrada por Lenu, que observa sua melhor amiga de infância, Lila, enfrentar uma série de dilemas.

Lila, casada com Stefano Cerullo, leva uma vida de dar inveja a qualquer garota do bairro. Ela mora numa linda mansão, passeia de carro conversível e está sempre bem arrumada, com as roupas da moda. Lenu também acredita que a amiga esteja feliz até que esta lhe dá uma caixa de metal contendo oito cadernos, seus diários. Conforme Lenu lê os diários de Lila, ela começa a entender o tamanho da sua miséria.

Logo na lua-de-mel, Lila apanha do marido, acontecimento que ocorre com frequência. Stefano é possessivo e acha que Lila "lhe deve tudo", já que ele a tirou da pobreza. Ele, inclusive, a força a ter relações sexuais contra sua vontade e bate ainda mais em Lila quando ela não engravida, "como deveria em sua obrigação de esposa". Os abusos físicos e o machismo são presentes ao longo dos dois livros da série, representando o pensamento do homem italiano na década de 60, época em que se passa a série.
Lila, por outro lado, não abaixa a cabeça para o marido. Ela faz questão de atormentá-lo tanto quanto consegue e se aproveita do ciúme que ele sente dos irmãos Solara, de quem Stefano pegou dinheiro emprestado para montar a refinada loja dos Sapatos Cerullo.

A vida de Lenu é colocada em segundo plano pela própria narradora, que se vê como uma sombra da amiga. E embora Lenu tenha uma vida até mais interessante do que Lila, o enredo fica mais concentrado nesta última.
Lenu, apaixonada desde criança por Nino Salvatore, pede a Lila e sua cunhada que passem o verão em Ischia, onde poderá se encontrar com o garoto que, na ocasião, namora uma menina intelectual e linda que faz Lenu se sentir humilhada e pequena. Aos poucos, Nino e Lenu se aproximam no que parece que irá desencadear um romance, mas aí Nino conhece a explosiva e impulsiva Lila. É neste momento que a trama dá uma reviravolta.

Eu tenho muita dificuldade de me conectar com Lila. Em alguns momentos da leitura, acho seu temperamento cansativo, pois até sua imprevisibilidade se torna previsível. Mas o que mais me incomoda na estória - e acredito que Ferrante faça isso de propósito - é a incapacidade das pessoas de se afastarem do comportamento tóxico de Lila. Ela arrasta consigo o irmão, a mãe, o marido, a cunhada, os irmãos Solara e até mesmo Nino. A única personagem que é forte o suficiente para combater Lila é Lenu, e isso me faz adorá-la completamente.

Lenu é discreta e passa boa parte do enredo suprimindo seus desejos e vontades em prol do bem-estar de Lila. Mas, num dado momento, ela cai em si e percebe que precisa trilhar o próprio caminho, se afastando da amiga. Assim, ela consegue entrar numa universidade e tornar-se a intelectual que tanto queria, apesar de sofrer com o preconceito dos colegas que a desmoralizam por ela ser pobre e sexualmente ativa. Além disso, Lenu é misteriosa: ora age de maneira super conservadora, ora é ousada. Gosto de não saber o que esperar dela.

Se ambas as garotas começam este livro como adolescentes, elas terminam entrando na vida adulta com uma série de dificuldades a serem resolvidas. Ferrante levanta muitos assuntos polêmicos ao longo da trama, mas o faz de forma sutil, sem nenhuma intenção de ser ativista - embora, ironicamente, isso a faça ser. Seu jeito de escrever é incrível, fluido e real, quase dá para escutar a voz de Lenu narrando os fatos. E, assim como o primeiro volume da série, devorei o livro em três-quatro dias.

É uma leitura que eu definitivamente recomendo. E mal posso esperar para ler o terceiro volume.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 



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