Sugestão de Leitura | Série Napolitana, vol 1: A Amiga Genial, de Elena Ferrante


A Sugestão de Leitura de hoje vim direto da Itália, através da escrita fluida e interessante de Elena Ferrante. Trata-se do primeiro volume da Série Napolitana, chamado "A Amiga Genial".

Escritora publicada desde 1992, Elena Ferrante mantém sua identidade em segredo até os dias hoje. Se utilizando de pseudônimo, ninguém sabe ao certo quem ela é. O que foi possível descobrir sobre ela, através de cartas trocadas com seus editores, é que ela nasceu em Nápoles, viveu fora da Itália por um tempo e é mãe. Diversos professores universitários e pessoas influentes do mundo literário, até hoje, tentam desvendar este mistério.

A Série Napolitana é composta de quatro volumes e o primeiro, "A Amiga Genial", foi publicado em 2012. Trata-se de uma estória coming-of-age, assim como "Vidas sem Rumo" de Susan E. Hinton e "O Apanhador no Campo de Centeio" de J. D. Salinger. A série acompanha a vida, desde a infância até a vida adulta, de duas garotas de Nápoles, Lila e Lenu. Lenu é quem narra, em primeira pessoa, as vivências dela e de sua melhor amiga em um contexto de violência, pobreza e machismo da Itália.

"A Amiga Genial" começa com Lenu recebendo uma ligação do filho de Lila, Rino. Lila o abandonou e Rino tem dificuldades de compreender e aceitar esta situação, ao passo que para Lenu este abandono era algo previsível e esperado, dada a natureza selvagem e impulsiva de Lila. Por causa desta ligação, Lenu começa a se lembrar de tudo o que ela e Lila passaram ao longo da vida e, assim, o livro retorna para a infância de ambas.

Nos anos 50, Lila e Lenu crescem em uma Nápoles marcada pela violência familiar, pelas richas de bairro e pela pobreza. Lenu é uma garota estudiosa e pacata, que vive à sombra da personalidade em combustão de Lila. Fica claro, logo no primeiro capítulo da estória, que Lenu deseja ser Lila, pois esta última é intempestiva e sempre consegue o que quer - notas boas, atenção da família, livros novos, namorado, etc - enquanto Lenu luta contra espinhas, peso extra, notas baixas e uma mãe nada amorosa. A relação entre elas baseia-se em uma dinâmica bastante particular: elas competem em tudo, mas Lila sempre se sai melhor, e Lenu estabelece um vínculo de co-dependência da amiga, pois vive a sua própria vida através de Lila, em quase total submissão.

"Mas eu sentia confusamente que, se tivesse fugido com as outras meninas, lhe teria deixado algo de meu que ela nunca mais me devolveria." (Lenu, sobre Lila - A Amiga Genial, de Elena Ferrante)

Elena Ferrante introduz o cotidiano de Nápoles e, para isso, há uma série de personagens coadjuvantes que são fundamentais para a construção da narrativa. Por isso, o leitor precisa ficar atento a todas estas personagens, que desempenharão seus papéis ao longo do enredo. Lila e Lenu convivem com a família do verdureiro, com a família da charcutaria, com a família do marceneiro, com os Solara (a família mais rica e influente do bairro) e vários outros núcleos que surgem ao longo da leitura. Elas se deparam com assassinatos, traições, fugas e violência: Lenu observa à distância, com curiosidade quase científica, enquanto Lila vivencia tudo intensamente e bem de perto.

"(...) ao passo que as mulheres, que eram aparentemente silenciosas, conciliadoras, quando se enfureciam iam até o fundo de sua raiva, sem jamais parar." (A Amiga Genial, de Elena Ferrante)

Através desta observação, Lenu começa a compreender o funcionamento do ser humano, embora nunca consiga compreender inteiramente Lila. Da infância elas passam para a adolescência, e Lenu sofre com o distanciamento que ocorre entre elas. Lila começa a trabalhar para a sapataria de sua família, enquanto Lenu briga com sua família pelo direito de estudar. Lenu acredita que o estudo lhe proporcionará a ascensão social que tanto deseja, mas se frustra continuamente quando percebe que a inteligência e o conhecimento não são valorizados. Em contrapartida, Lila, sem nenhum estudo, vai progredindo, o que deixa Lenu ainda mais deprimida, despertando sentimentos contraditórios em relação à amiga.

Em paralelo, Lenu começa a sentir o desabrochar de sua sexualidade, a partir de um abuso sexual que sofre nas suas férias, abuso este cometido pelo pai do rapaz por quem ela era apaixonada.

Ao longo do livro, Lenu relata que Lila sofria de episódios nomeados de desmarginação, quando as margens das coisas e das pessoas se desfaziam e Lila perdia a noção de quem era. Acredito que esta seja uma pista do que aconteceu com a Lila do futuro, aquela que abandonou o filho. Lenu repassa como Lila descrevia esta sensação:

"Essa sensação fora acompanhada de uma náusea, e ela teve a sensação de que algo de absolutamente material, presente em torno dela, em torno de todos e de tudo desde sempre, mas sem que conseguisse percebê-lo, estivesse destruindo o contorno das pessoas e das coisas, revelando-se." (A Amiga Genial, de Elena Ferrante)

A escrita de Elena Ferrante é deliciosa. Ela constrói as personagens de forma muito consistente, detalhada e precisa, o que faz com que elas pareçam reais, e não fictícias. Nenhuma personagem é "zero ou um", "branco e preto", pois todas elas tem diversas nuances e camadas, e é muito interessante como as personagens vão se revelando ao longo da estória. A narrativa flui com delicadeza, apesar dos inúmeros temas pesados que Ferrante inseriu ao longo do enredo.

Gostei muito da leitura e mal posso esperar para começar o segundo volume da Série Napolitana, "História do Novo Sobrenome".

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 

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