Perplexidade e Silêncio
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A resenha de hoje é sobre uma história de suspense a respeito do relacionamento conturbado entre um serial killer e uma de suas vítimas. Falaremos de "A Inquilina Silenciosa", de Clémence Michallon.

Publicado em 2023, "A Inquilina Silenciosa" tem várias narradoras. Em alguns capítulos, em primeira pessoa, temos o ponto-de-vista de Emily, que aos poucos está se envolvendo emocionalmente com Aidan, o mais recente viúvo da cidade (e o serial killer da história). Em menor quantidade, há os capítulos narrados por Cecília, também em primeira pessoa, a filha de treze anos de idade de Aidan, que tenta lidar com a perda recente da mãe e a inadequação social enquanto adolescente em uma escola nova.
Além delas, há também pedaços curtinhos narrados pelas vítimas de Aidan, seus pensamentos e sentimentos antes de serem assassinadas por ele (ao todo, são nove vítimas).
Mas a narradora principal é uma das vítimas de Aidan - cujo nome somente descobrimos no último capítulo - e que, para efeitos de clareza nesta resenha, a chamarei de Inquilina. As partes da Inquilina são narradas em segunda pessoa, o que é um recurso técnico bastante raro que só vi duas vezes em toda a minha vida (neste livro de N. K. Jemesin e neste conto da mesma autora). Achei ousado, e Clémence ganhou pontos comigo por isso.

A Inquilina está sendo mantida refém há cinco anos quando a história inicia, em um galpão dentro da propriedade de Aidan. A rotina dela no galpão me lembrou muito "A Estranha Sally Diamond", de Liz Nugent. Quando a similaridade de narrativas estava começando a me incomodar, Michallon move a história adiante, com a mudança de cidade de Aidan após a morte de sua esposa. Ele decide levar a Inquilina consigo, e toma uma decisão inusitada: como a nova casa não tem um galpão, a Inquilina deverá ficar trancada no quatro o tempo todo, algemada ao aquecedor, e só poderá sair quando Aidan permitir, para interações curtas com Cecília, de forma que a garotinha não estranhe completamente a presença da Inquilina no outro quarto.
Aqui preciso dizer que achei essa escolha narrativa pouco criativa, pois me parece bastante improvável que Aidan tomaria uma decisão como esta, mas aceitamos e seguimos.

Aidan é visto como um "homem de bem" na cidade, todos gostam dele e chegam ao ponto de organizarem ações para arrecadar dinheiro para ele e sua filha. Ele se vale dessa reputação para se aproximar de Emily, a bartender do bar local (sim, é uma daquelas cidades onde todo mundo se conhece, e onde só existe um restaurante, um bar, uma farmácia, uma padaria, etc). Emily é chatíssima, super grudenta em Aidan, muito carente e vulnerável, e acredito que Michallon a escreveu assim de propósito, pois Emily tem uma personalidade bem diferente da Inquilina. Emily e Aidan começam um relacionamento, e acredito que fique claro para o leitor, desde o início, que Aidan a está marcando como sua futura vítima. 

O suspense do livro é sabermos quando (e se) a Inquilina conseguirá escapar de Aidan, pois ela perde algumas oportunidades de fuga ao longo do enredo, algumas por opção própria. O mistério que paira no ar é se a Inquilina ainda acredita que possa reconstruir sua vida "do lado de fora", uma vez que chega ao ponto de esquecer seu próprio nome. Porém, achei que o suspense não foi muito bem construído porque, por algum motivo, não senti medo de Aidan em nenhum momento, nem mesmo quando ele ameaçava a Inquilina. 
Acredito que Michallon tentou construí-lo assim de propósito, mas acho que ela errou o tom e passou do ponto, pois ele ficou bonzinho demais. Um pouco mais de crueldade, ou de violência, teria deixado a história mais misteriosa e menos entediante em alguns momentos.

Também entendo a escolha de Michallon de contar a história do ponto-de-vista das vítimas, que realmente tornaria o enredo mais original, mas aqui também acho que ela errou o tom, principalmente de Emily. Por exemplo, acho que ela deveria ter complicado mais a personalidade da Inquilina, deixando-a mais transtornada, mais desconectada da realidade, ou até mesmo apaixonada por Aidan e com ciúmes de Emily, pois foi difícil me conectar com uma personagem que não tem identidade por quase todo o livro. 

E, por fim, o desfecho do enredo me pareceu meio bobo. De todo um universo de possibilidades que poderia acontecer com Aidan, com a Inquilina, com Emily, sinto que Michallon escolheu o caminho mais óbvio e mais sem graça. Parece que ela teve medo de escolher caminhos mais obscuros ou polêmicos - como Raphael Montes faz em "Dias Perfeitos", por exemplo - e optou pelo mais seguro de todos. Entediante.

Concluindo: não é um livro ruim, mas com certeza irá frustrar os fãs de suspense.
Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 2/5

 


Apesar de curto e direto, o livro da resenha de hoje é impactante. Falaremos de "O que você está enfrentando", da escritora Sigrid Nunez.

Publicado em 2020, "O que você está enfrentando" narra uma mulher que descreve vários encontros com diversas pessoas ao longo de sua vida: um ex-namorado que, por acaso, reencontra em uma palestra, a anfitriã de um Airbnb que não sabe como interagir com seus hóspedes, um estranho que busca ajuda para confortar sua mãe idosa, uma amiga da juventude agora hospitalizada com câncer terminal. Em cada uma dessas pessoas, a protagonista encontra uma necessidade comum: o desejo de falarem sobre si mesmos e de ter um público para suas experiências.

O primeiro ponto que não gostei neste livro foi a confusão do seu início. Eu demorei a entender o que estava lendo - é uma coletânea de contos? O ponto-de-vista do enredo é sempre o mesmo, ou muda a cada capítulo? É uma história linear com começo, meio e fim, ou são fragmentos da vida de uma mesma protagonista? Os personagens que aparecem serão recorrentes ou eles somente aparecem em seus respectivos trechos? 
Essa confusão inicial, aliada ao fato de que o livro é muito parecido com minha leitura anterior, me desanimou bastante, e eu quase larguei a obra logo no início. Porém, como é um livro relativamente pequeno, preferi continuar a leitura do que desistir.
Depois de alguma evolução na leitura, a protagonista vai tomando forma (acadêmica, inteligente, espera, bem-educada) mas, ainda assim, não consegui criar uma imagem dela na minha cabeça.

Finalmente, depois de um caminho tortuoso sobre personagens que não fazem diferença para o enredo, e não são nem um pouco interessantes, chegamos ao ponto que pode ser mais interessante deste livro. A protagonista é convidada por sua amiga de longa data a participar de seu processo de eutanásia assistida - a amiga conseguiu liberação de seus médicos para tomar um remédio que terminará com sua vida, após um processo doloroso e cruel de câncer terminal. Ela, a amiga, planeja viajar para uma bonita casa de campo onde, em algum momento, tomará a medicação, e não quer estar sozinha quando isso acontecer. Após um reflexão cheia de dilemas, a protagonista aceita acompanhá-la.
Aqui o livro fica (temporariamente) interessante, mostrando as interações entre as amigas, os pensamentos sobre vida e morte, os questionamentos sobre o sentido da vida, ao mesmo tempo que é necessário ir ao mercado e calcular quanta comida se deve comprar. A convivência das duas estava bastante interessante, e a amiga rouba a cena - para mim, a protagonista, na realidade, é ela.

Porém, pouco depois, o enredo desmorona uma vez mais. Eu não acreditei quando li que elas precisaram sair da casa pois a bandeira inundou, e o andar ficou em risco de desmoronamento por causa da infiltração - me senti uma grande idiota como leitora, como se não merecesse uma ideia ou uma explicação melhor. Achei ridículo. Daí para frente, oficialmente me desinvesti da leitura, e continuei até o fim sem prestar muita atenção no que viria depois.

No final das contas, senti que foi uma perda de tempo, pois o livro não se apresenta com consistência, nem com desenvolvimento suficientes. Não gostei da leitura e não a recomendo.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 2/5

 


Uma leitura rápida, porém, densa, de uma narrativa que poderia ser tanto um romance quanto uma antologia de contos. A resenha deste post é sobre "Esboço", de Rachel Cusk.

Publicado em 2014, "Esboço" fala de uma protagonista, recém divorciada, que é convidada para dar aulas de escrita criativa em Atenas. Ao longo da viagem, ela conhece uma série de personagens que lhe contam a história de suas vidas, enquanto ela os escuta pacientemente, sem revelar muito de si mesma.

O grande trunfo desta obra é a invisibilidade da protagonista. Não sabemos seu nome até quase o fim do livro, e sabemos muito pouco sobre sua vida - apenas os breves relatos que ela dá aos seus interlocutores ao longo do enredo, e que normalmente são falas curtas e sem grandes explicações. Através destes fragmentos que vamos juntando ao longo da leitura, é possível inferir que a protagonista foi casada por bastante tempo, tem dois filhos em idade escolar e, agora, divorciada, tenta reencontrar sua identidade e seu lugar no mundo. O fato de não sabermos sequer seu nome é muito simbólico, pois é quase como se ela mesma também não se lembrasse de quem é. 
Também acho simbólico como a protagonista se permite ser engolida pela história dos outros, que parecem dominar não apenas as conversas, mas também os espaços, colocando-a sempre como uma observadora apenas, uma espectadora da vida, ao invés de ser uma participante ativa dela.

Outro ponto que gostei bastante foram os personagens que aparecem ao longo do enredo. Sendo eu mesma uma escritora, achei uma aula de construção de personagens, e adorei. Temos o vizinho do assento do avião, um senhor que confunde a amizade da protagonista com interesse romântico; os alunos de sua aula de escrita criativa, todos marcantes apesar de suas breves aparições; temos Ryan, seu colega da universidade, mulherengo e desatento; suas amigas e a conversa de bar entre as três; a moça inglesa que irá alugar o apartamento quando a protagonista retornar a Londres; e assim por diante.
Cada aparição destas personagens - que não diria que são coadjuvantes - é um conto em si mesmo. Eles relatam sua vida e suas experiências à protagonista, e todos os relatos são bastante vívidos, cheios de detalhes, e o leitor consegue imaginar de forma muito clara cada uma destas pessoas. 

Um ponto negativo da leitura, contudo, é que, em diversos momentos, eu me perdi na história. Como são muitas pessoas e muitas histórias, e às vezes histórias dentro das histórias, houve momentos em que me peguei pensando "de quem é essa parte mesmo? quem estava falando com a protagonista? quem é essa pessoa?", e acredito que alguns ajustes editoriais teriam sido suficientes para deixar o enredo mais fluido e mais compreensível.

Outro ponto que acredito ter contribuído com a confusão é que não há contraste suficiente no tom ou na intensidade das vozes de alguns dos personagens. Sob a superfície deste romance, há uma corrente de amargura não resolvida, pertencente, você sente, à própria autora. Uma das premissas centrais do romance é que todo relacionamento está fadado ao fracasso, a se tornar pouco mais do que um esboço distorcido, ou, como diz um personagem, há "um desgosto que existe indelevelmente entre homens e mulheres e que você está sempre tentando purgar com o que chama de franqueza".

O leitor não pode esperar um enredo com começo, meio e fim ao iniciar a leitura de "Esboço". O livro é um recorte da vida da protagonista, e muitos leitores podem terminá-lo com a sensação de que ele "não chegou a lugar nenhum" (li este comentário em várias resenhas). Eu acho que esse era precisamente o objetivo de Cusk e, uma vez que este é o primeiro volume de uma trilogia, acredito que a protagonista ganhará forma e corpo daqui em diante. Pretendo seguir lendo a trilogia, pois quero saber o que acontece com ela.
É uma leitura que recomendo, com ressalvas.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 3/5

 

No post de hoje, falarei sobre uma obra que estava na minha lista de leitura há bastante tempo, e somente agora tive a oportunidade de ler: A Parábola do Semeador, de Octavia E. Butler.

Aqui no Perplexidade e Silêncio, também temos a resenha de Kindred, que pode ser lida aqui.

"A Parábola do Semeador", publicado em 1993, é classificado por Butler como uma ficção especulativa, uma vez que a história se passa entre 2024 e 2027 e é como a autora acreditava, na época, que seria o futuro da Humanidade, e particularmente dos Estados Unidos. Ler este livro em 2025 faz a gente pensar que talvez Butler esteja certa.

A protagonista, Lauren Olamina, e sua família vivem em um dos únicos bairros seguros que restam nos arredores de Los Angeles. O pai de Lauren, um pregador, e um punhado de outros cidadãos tentam salvar o que resta de uma cultura que foi destruída por drogas, doenças, guerras e escassez crônica de água. Enquanto seu pai tenta guiar as pessoas no "caminho certo", Lauren luta contra a hiperempatia, uma condição que a torna extraordinariamente sensível à dor alheia. Quando um incêndio destrói o bairro, a família de Lauren morre e ela é forçada a sair para um mundo repleto de perigos. Com um punhado de outros refugiados, Lauren precisa seguir seu caminho para o norte em busca de segurança, ao longo do caminho concebendo uma ideia revolucionária - uma religião - que ela acredita que pode salvar toda a humanidade.

O primeiro ponto sobre este livro é que ele é bastante violento. Se você é uma pessoa mais sensível, talvez não goste da leitura, pois temos o combo completo: assassinatos, estupros, canibalismo, abuso infantil, e por aí vai. Não existem momentos de respiro na narrativa, pois é desta maneira que Butler consegue entregar ao leitor exatamente como é a realidade de Olamina, sem pausas para descanso e até mesmo sem esperanças sobre a Humanidade. Então, esteja avisado quando começar sua leitura de que há vários trechos que embrulham o estômago.

Grande parte da ruína da sociedade parece ter sido causada pela devastação ambiental, que por sua vez causou devastação econômica e política. Água poluída, produtos químicos tóxicos, experimentos farmacêuticos (e científicos) fracassados, resultando em drogas perigosas e viciantes. O livro de Butler é um alerta assustador contra a pressão extrema sobre as demandas de consumo.
As corporações dominam certos setores da sociedade e fornecem proteção e infraestrutura para aqueles que podem pagar. Políticas punitivas de dívida e políticas de emprego estão em vigor, prejudicando indivíduos, mas beneficiando empresas. Soa familiar.

Olamina é uma agente de mudança. Com 18 anos recém completados, ela não está disposta a virar as costas para a realidade. Em vez disso, ela aprende por meio de livros tudo o que pode aprender e se prepara para o que sabe e teme que esteja por vir. A garota é uma espécie de profetisa de uma nova religião e filosofia. Sua crença é "Deus é Mudança", e ela sai para pregá-la. A criação da religião é um veículo para que a história de Lauren seja contada e para que a esperança seja semeada entre seus seguidores.

Neste contexto de fim do mundo, Butler especula que a maioria das pessoas ignoraria a seriedade da situação e tentaria cuidar de suas vidas cotidianas, sem se preparar e sem aprender. Agora, num mundo pós-pandemia, podemos afirmar que Butler estava certa. Através de Olamina, acredito que Butler traga a reflexão de que, por mais assustador que seja imaginar que o mundo como o conhecemos está acabando, a mudança é necessária para a sobrevivência. É disso que trata este livro – mudança, adaptação e trabalho em conjunto em comunidade para sobreviver. Uma leitura que eu super recomendo para nós que estamos à margem de um apocalipse.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 3/5

 

Em 2019 (no momento que escrevo este post, há seis anos), eu li o primeiro volume de Stormlight Archives, "O Caminho dos Reis" de Brandon Sanderson, e não gostei. Na época, a obra ainda não havia sido publicada em português, e a li em inglês e no Kindle - uma tarefa que não foi prazerosa, sobretudo quando falamos de um livro de mais de 1200 páginas. Desde então, eu tinha decidido que não continuaria a ler a saga, até que a Editora Trama trouxe a obra para o Brasil e meu coração fanático por Sanderson me pediu para lhe dar uma segunda chance. 

Para quem não sabe, eu auto-proclamei o Perplexidade e Silêncio como o blog oficial de resenhas dele, pois sou muito fã de seu trabalho, e você pode navegar pelos quase 30 posts sobre ele.

Antes de comparar minha opinião atual com a primeira resenha deste livro, um breve contexto sobre a história de "O Caminho dos Reis". A história por trás do romance gira em torno de desastres recorrentes conhecidos como Desolações, onde monstruosos Esvaziadores devastam o mundo e a sobrevivência humana está em jogo. Para combater a ameaça, os Cavaleiros Radiantes (assim chamados por sua aura e olhos brilhantes) lutam contra os Esvazadores usando armaduras e espadas mágicas conhecidas como Fractais. A Desolação mais recente, que ocorreu milhares de anos antes dos eventos principais do romance, era considerada a última e se tornou tema de mitos e lendas. As armaduras e espadas descartadas pelos Cavaleiros Radiantes permanecem como algumas das relíquias de família mais inestimáveis, e todo o mundo de Roshan vive ao redor de guerras pela conquista das Fractais.
Recomendo que você leia o post anterior (a primeira resenha), pois ali explico mais sobre os personagens e sobre o enredo, e não pretendo repetir todas as informações aqui.

Da primeira vez que li, minha personagem favorita foi Shallan, e torci bastante por ela ao longo da leitura. Porém, agora na segunda leitura, embora eu continue gostando dela, já não a considero minha personagem favorita. As interações com Jasnah, sua mentora, são interessantes, mas me peguei pensando que acho que elas não criaram uma relação tão profunda assim para que Shallan sentisse peso na consciência por trair a mentora. Acredito que a ligação entre elas poderia ter sido mais trabalhada, até mesmo para justificar a reação de Jasnah quando descobre que Shallan a roubou. Contudo, os capítulos dedicados às duas são um respiro na trama, e também permitem que os leitores entendam mais sobre a história de Roshan, através das descobertas de Shallan em seus estudos.

Desta vez, meu personagem preferido é Dalinar - quem diria! Na primeira leitura, eu mal registrei ele como um personagem interessante, e achei super maçante os momentos em que ele aparecia com seus "delírios" - cheguei até a cogitar pular os capítulos dele. Porém, agora, eu adorei o arco de Dalinar, um dos poucos homens honrados que restaram em um mundo devastado pela guerra, tido por todos como maluco e senil mas, que no fundo, tinha todas as respostas para os mistérios dos Radiantes, assim como uma alma de pacifista. Quando seu filho, Adolin, o confronta, senti raiva e vontade de proteger Dalinar, tamanha minha conexão com o personagem.

Também me conectei mais a Kaladin. Da mesma forma que na primeira leitura, lá pela página 900/1000, fiquei um pouco cansada de ler sobre as incursões de ponte, mas nem de perto senti o tédio da primeira leitura. A construção não apenas de Kaladin, mas de toda a equipe da Ponte Quatro, é incrível, e Sanderson mais uma vez se prova como um excelente escritor de personagens e grupos. Passei a me importar mais sobre a Ponte Quatro nesta leitura, e também prestei mais atenção em Syl, que a mim passou quase desapercebida da outra vez. 

Os interlúdios funcionaram muito mais para mim, desta vez. Na primeira leitura, eles só serviram para me deixar ainda mais confusa, pois eu não tinha conseguido entender a cronologia dos eventos ali apresentados. Nesta segunda leitura, achei os interlúdios um artificio muito inteligente de Sanderson, pois eles permitem ao leitor um espaço para digerir e refletir sobre todos os eventos anteriores, assim como expande o universo mágico que ele criou. Gostei, sobretudo, dos capítulos dedicados a Szeth, e espero que ele apareça mais nos próximos livros.

Alguns pontos seguem misteriosos e confusos para mim, mesmo após uma segunda leitura: ainda não entendo muito bem como funcionam os abismos e as pontes (tive e tenho dificuldade de imaginar essa parte do enredo, mesmo com o auxílio das excelentes ilustrações que foram adicionadas ao longo do livro), também não captei ainda a diferença entre os parshemanos e os parshemandianos, a configuração geográfica de Roshan e seus outros povos. Mas imagino que tudo isso ficará claro ao redor dos próximos volumes - porque sim! agora pretendo dar andamento na leitura dos próximos volumes, e estou animadíssima que muitos livros com mais de 1000 páginas me esperam, já que sigo orfã do nono volume de "A Roda do Tempo". 

Brandon Sanderson, o problema nunca foi você. 

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 4/5

 

A obra da paulista Andréa del Fuego me encantou tanto que terminei "A Pediatra" em dois dias, e com certeza é uma sugestão de leitura.

Filósofa formada pela USP, Andréa adotou o pseudônimo "del Fuego" em homenagem à Dora Vivacqua (Luz del Fuego), atriz, escritora e feminista brasileira dos anos 1940-1950. 
Publicado em 2021, "A Pediatra", narrado em primeira pessoa, conta a história de Cecília, uma pediatra que odeia crianças - e suas mães. Diariamente, em seu consultório, ela atende seus pacientes com eficiência e frieza, logo encaminhando-os para outros profissionais para se livrar de doenças complexas e crônicas. Cecília também dá apoio a obstetras em partos com sua usual precisão médica, e com um sentimento permanente de deboche pelas mães e pela maternidade. A falta de conexão emocional também se estende ao pai, também médico pediatra, que atende em uma outra clínica no mesmo prédio, e à mãe, que ela mal menciona ou pensa sobre. 

Após um divórcio há muito tempo esperado por ela, Cecília se envolve com um homem casado e, pouco depois, se vê como parte da equipe que irá cuidar do parto de sua esposa. Seus sentimentos por ele não são intensos tampouco apaixonados, mas a situação muda quando Cecília conhece o filho deles (agora já crescido com dois anos de idade, o mesmo que ela ajudou a parir), Bruninho. Cecília adquire uma obsessão pelo menino, perseguindo-o pelo bairro e fazendo amizade com a babá, para poder passar mais tempo com ele. Cecília não entende porque logo ele lhe despertou estes sentimentos, já que nunca havia se interessado por criança nenhuma.

Em paralelo, ela passa por uma crise profissional, pois sua colega obstetra a substitui por uma doula. A forma como Cecília debocha das doulas, das mães "good vibes" que fazem Pilates e Yoga, e de todo este universo da medicina não-tradicional e do parto humanizado é muito bem escrito. 
E esse é o grande mérito da obra, o estilo narrativo adotado por Andréa. Nós lemos os fluxos de pensamento de Cecília tais quais eles são, ou seja, sem edição para soarem menos ferinos, sem filtros e sem medo do politicamente incorreto, que é justamente o que faz de Cecília uma personagem tão possível e tão real. Os eventos se desenrolam de maneira dinâmica e eu não conseguia parar de ler.

A representação de todo o desprezo que sente pelas mães e pelas crianças cai na personagem da sua empregada doméstica, Deise. Deise engravida de seu cunhado, usando o quartinho dos fundos do apartamento de Cecília como ponto de encontro. Apesar de pediatra, Cecília não se importa em nada com a gravidez de Deise, nem quando esta começa a beber. Cecília só se vincula à Deise na medida em que tem vontade de "experimentar o cunhado segurança de pizzaria", e nada mais. 

Quando a obsessão por Bruninho começa, suas ações, ainda que delirantes, são absurdamente pragmáticas e visam tão somente satisfazer seus interesses mais imediatos, muitos deles frívolos e antiéticos. Cecília não se preocupa com o impacto de suas ações nos outros e, no final da história, ela acaba por se tornar tudo aquilo que ela mais desprezava nas mães que atendia. A ironia do desfecho é maravilhosa, e eu não definir se fiquei feliz ou triste por ela. 
Ela se vale de sua aparência - médica, branca, discreta, educada, eficiente - para conseguir levar a cabo as suas ações, o que aqui sugere uma crítica social de Andréa.

Ácida, racional e distante, Cecília é uma personagem maravilhosamente bem construída e uma narradora sensacional para a história. Cecília é uma vilã que amamos odiar. Sarcástica, vil, indiferente à dor humana mas muito autêntica.
Amei a leitura e quero conhecer outras obras da autora. Com certeza recomendo a leitura.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 4/5

 


Como uma boa leitora de histórias sobre viagem no tempo, me deparei com a autora gaúcha Taiasmin Ohnmacht e sua obra "Uma Chance de Continuarmos Assim".

Publicado em 2023, "Uma Chance de Continuarmos Assim" é uma leitura rápida e dinâmica, algo entre um conto grande e uma noveleta, inspirada em "Kindred - Laços de Sangue" de Octavia E. Butler. A título de curiosidade, em Kindred, Dana viaja no tempo para o século 19, uma época bastante perigosa para uma mulher negra como ela. 

Na obra de Ohnmacht, Paula e sua amiga Marcela desenvolvem em segredo a Sankofa, uma máquina do tempo, com ajuda dos recursos de uma universidade pública do Rio Grande do Sul. Paula, negra, sabe que viajar ao passado pode não ser uma boa ideia, então ambas decidem que é melhor programar a Sankofa para que viaje ao futuro. Desta forma, temos um livro sobre afroturismo, além de uma ficção-especulativa brasileira sobre os rumos que a Humanidade vai tomar. Paula viaja ao futuro mas, quando retorna ao passado, não encontra Marcela, o que lhe causa muito sofrimento e angústica.

A narrativa não é escrita de forma linear, o que me deixou bastante confusa no início. Aliás, essa confusão parece ser uma experiência comum entre os leitores, pois vi menções a isso em diversas resenhas. Paula fica indo-e-vindo entre futuro, presente e passado, e não há nenhuma marcação editorial que oriente o leitor - por exemplo, não há um registro dos anos, ou um mudança de capítulo, nem mesmo uma separação entre os trechos. Fiquei pensando que talvez tenha sido escrito assim de propósito, para mostrar a confusão da própria Paula.

Um ponto que lamentei é que Ohnmacht poderia ter explorado mais o porquê da máquina do tempo chamar "Sankofa". Eu pesquisei no Google de pura curiosidade, pois pensei que talvez tivesse conexão com a obra de Butler, mas aprendi que trata-se de um conceito africano sobre "olhar para o passado para construir o futuro". E este é um dos aspectos que não me fizeram amar a obra como eu gostaria, pois senti que Ohnmacht não aproveitou diversos momentos para aprofundar a trama.
Por exemplo, além do conceito acima, senti falta de uma maior construção de Marcela, que viria a se tornar uma personagem central do enredo, ou até mesmo dos motivos que levaram ela e Paula à construção da Sankofa. Um maior aprofundamento no início da história teria me enganchado mais, e talvez me deixasse menos confusa no que viria depois.
Também achei raso o processo de construção da máquina do tempo. Entendo que a obra não se propôs a ser uma ficção-científica, e por isso não deve explicações científicas/tecnológicas a ninguém, mas, por outro lado, essa parte da história ficou muito leviana, como se fazer uma máquina do tempo fosse fácil. Isso me incomodou.

Narrado em primeira pessoa por Paula, de repente, temos uma mudança de narrador, ao final do livro. Novamente sem nenhuma marcação editorial, essa guinada da narração foi outro momento de confusão que, a meu ver, poderia ter sido evitado ao leitor. O novo narrador é interessante, apesar disso, e achei esta mudança uma boa ideia. 

Infelizmente, o livro não fixou minha atenção. As idas e vindas entre os tempos não foi bem estruturada, na minha opinião, e o ritmo não funcionou para mim. Em vários momentos me vi dispersa pois, a combinação destas idas e vindas com a falta de aprofundamento que mencionei, não cativaram minha atenção. Os eventos finais (e importantes) me soaram apressados, e também não consegui formar na minha cabeça uma imagem clara de Rafa/moço do futuro que esqueci o nome, Ricardo e Laira. Estes personagens secundários poderiam ter trazido mais camadas ao enredo e deveriam ser mais exploradas - por exemplo: como o Rafa/moço do futuro se adaptou ao passado? não poderíamos ter capítulos com seu ponto-de-vista, depois que Paula descobre quem ele é? E se tivéssemos capítulos narrados por Marcela, sobretudo os relacionados ao passado com Paula, para que a conhecêssemos melhor? E por que Laira se importa tanto com Paula, em que momento elas se apaixonaram? 

De forma geral, eu gosto que temas brasileiros estão representados, e gosto deste encontro com a nossa própria cultura. Também vejo o potencial de Ohnmacht na sua escrita e, mesmo com os pontos que destaquei, é uma leitura que recomendo.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 3/5

 


Não sei definir o gênero literário de "Rouge", escrito por Mona Awad, e também não sei identificar meus sentimentos em relação à obra. Seria um realismo fantástico, uma fantasia ou uma obra sobre insanidade? Vamos discutir um pouco sobre isso neste post.

Publicado em 2023, Rouge acompanha a história de Belle, uma balconista de loja de roupas obcecada por skin care. Após a morte inesperada de sua mãe, de quem estava distante, ela retorna ao sul da Califórnia para o funeral, onde encontra uma misteriosa mulher de vermelho que lhe oferece uma pista sobre a morte repentina de sua mãe. Belle é atraída para o mesmo spa/seita que encantou sua mãe. Lá, ela descobre segredos de família e mergulha ainda mais no lado obscuro da beleza.
Enquanto ela está no apartamento da mãe (Noelle) e começa a investigar sua vida, ela descobre que Noelle acumulou dívidas consideráveis ​​e estava vivendo um estilo de vida que levanta muitas questões sobre sua morte. Ao vestir os sapatos vermelhos que sua mãe amava, Belle é magicamente levada para uma mansão à beira de um penhasco, onde existe um spa/seita de beleza. Belle, então, começa a passar pelos mesmos tratamentos que Noelle fez e, aos poucos, vai perdendo sua sanidade e sua identidade.

Temos espelhos mágicos, águas-vivas vermelhas que parecem ter consciência, figuras vestidas de preto com o rosto coberto por véus, e até um detetive misterioso. 

A escrita de Awad parece um conto de fadas sombrio e psicodélico sobre uma mulher que perde a mãe e então se lança por um caminho perigoso em busca de juventude e beleza. O livro é quase como um sonho ou um delírio, a história é repleta de imagens deslumbrantes em vermelho, branco e preto, e há nuances de Branca de Neve e até mesmo de Tom Cruise (mas não exatamente) em suas páginas. Como leitor, ficamos sem saber o que é real e o que é fantasioso na história de Belle.
Awad nos entrega um conto de fadas gótico surreal, onírico e aterrorizante com Rouge — um livro que inicialmente me fez questionar se era realmente para mim. Eu esperava por uma narrativa direta e personagens críveis e confiáveis, mas não é isso que este romance oferece.

O ritmo do romance pode ser irregular às vezes, com certas seções arrastadas, enquanto outras parecem apressadas. Essa inconsistência no ritmo prejudica o fluxo geral da narrativa e pode fazer com que os leitores se sintam desconectados da história. Este ponto do ritmo somado ao surrealismo que mencionei antes podem fazer muitos leitores desistirem da obra, mas eu segui até o fim curiosa para saber como toda aquela insanidade iria terminar. No fim, Awad traz o livro de volta "à realidade" e oferece respostas concretas sobre o futuro de Belle - o que foi um grande alívio para mim.
Além disso, embora Awad escreva muito bem, às vezes o texto soa pretensioso. Há momentos em que a linguagem parece excessivamente ornamentada, obscurecendo a clareza da narrativa e dificultando a imersão total do leitor no mundo do romance.

Quando cheguei ao final, não consegui decifrar o que tinha lido e nem o que senti a respeito da obra. Na segunda metade da leitura, eu desisti de entender de verdade o que estava acontecendo  decidi apenas me envolver na escrita lírica e nos jogos de palavras - e nas aparições absurdas de Tom Cruise, que não era o Tom Cruise de verdade.

Acho que quem gosta de ficção estranha em geral, principalmente com uma escrita bonita, pode gostar deste livro, mas não é uma leitura que recomendo a todos.
Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 3/5

 

Meu primeiro contato com N. K. Jemesin não foi o melhor, e aí resolvi dar uma segunda chance à autora. No post de hoje, falaremos de "Lua de Sangue".

Aqui no Perplexidade e Silêncio também temos este post de N. K. Jemesin: A estranheza de ler um livro em segunda pessoa

Publicado em 2012, "Lua de Sangue" acontece na cidade de Gujaareh, onde a paz é mantida através do controle da vida e morte dos corruptos pelos Coletores, que tomam a alma das pessoas enquanto elas dormem. A energia retirada dos sonhos pelos Coletores pode ser convertida em cura de problemas de saúde pela ação dos Compartilhadores. Todos eles servem à Deusa Hananja e são administrados pelo governo Hetawa, mas seus costumes não são bem aceitos em outras partes do continente.

Ehiru, um dos Coletores mais experientes, comete um erro durante coleta de alma, o que lhe causa grande sofrimento. Nijiri, seu pupilo, ainda muito inexperiente na arte da coleta, precisa ajudá-lo, mesmo sem saber como. Paralelamente a isso, temos a história do Príncipe do país e de Sunandi, uma embaixadora de um país vizinho, que busca quem foi o assassino de seu mentor. Nesta busca, Sunandi descobre uma grande corrupção em Hetawa, e Ehiru é enviado para coletá-la (matá-la) antes que ela exponha tudo o que sabe. 

Tive muita dificuldade em me concentrar na leitura, e quase desisti do livro várias vezes. Meu principal problema foi a tonelada de palavras, nomes e lugares que Jemesin inventou para esta história, todas elas impenetráveis, na minha opinião. O universo mágico dela, para mim, foi um grande muro que, por mais que eu tentasse escalar, não conseguia e, quando eu estava quase decifrando o que Jemesin criou, ela subia ainda mais o muro. Muito desanimador, e ouso dizer arrogante da parte da autora. As palavras e os nomes da história me soavam prepotentes, quase como se Jemesin não quisesse que o leitor realmente entrasse na sua obra. Senti preguiça várias e várias vezes.

Como consequência do que menciono acima, não me vinculei a nenhum personagem. Até que eu entendesse o que eram os Coletores, quem era Hetawa (uma pessoa? um lugar? uma entidade abstrata?), Gujaareh (uma vila? o país? uma nova palavra para "mundo?), Ehiru e Nijiri eram apenas mais dois nomes que eu não entendia em parágrafos intermináveis. Quando finalmente me situei no universo mágico da autora - lá pelos 64% de leitura, segundo o Kindle - o arco de Ehiru já tinha avançado e eu não me importava mais com nada, tamanho o ranço com a obra.

E aí faço uma reflexão, comparando com o excelente livro de Ishiguro "Klara e o Sol". Existe uma linha tênue entre não subestimar o leitor e permiti-lo desvendar a obra, o que Ishiguro faz com perfeição, e não fornecer absolutamente nenhuma explicação ao leitor, abandonando-o, que é o que Jemesin fez.

Além disso, a narrativa carece de profundidade. Teoricamente, temos um enredo interessante, de um Príncipe que, para combater a corrupção de seu país, adota práticas religiosas que o tornam a pessoa mais corrupta que já existiu. Ehiru, que deveria ser o guardião das almas, se perdendo cada vez mais em si mesmo, ao passo que, Sunandi atua como agente dupla. Teríamos um livro incrível, não fosse a preocupação de Jemesin em criar palavras que não existem, ao invés de realmente dedicar tempo e espaço para as personagens brilharem.
Sunandi é um desperdício de personagem, com potencial para ser a protagonista. Uma pena.
A consequência direta e imediata desta falta de desenvolvimento dos personagens é o tédio. Como leitora, não me conectei a nada e a ninguém, e terminei a leitura mais por um desafio pessoal de "até onde eu aguento" do que por qualquer mérito da obra.

E, por fim, mesmo o conceito mágico de coletar a alma das pessoas pelos sonhos parece requentada. Sei que Jemesin se inspirou na cultura egípcia mas fiquei com a sensação de que faltou alguma coisa para transformar esta inspiração em algo mais original. Eu só conseguia pensar que um livro bom mesmo sobre coleta de almas é o Ceifador, de Neal Shusterman. Esse sim vale a leitura.

Um dos livros de fantasia mais desinteressantes que já li, e não recomendo a leitura.
Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 1/5

 


Fernando Sabino organizou, pela Editora Rocco, uma coleção intitulada "Novelas Imortais", reúne histórias mais curtas e menos conhecidas de escritores clássicos e, neste post, falaremos de "Os Sete Enforcados" de Leonid Andreiev.

Nascido em 1871 na Rússia, Andreiev escrevia contos e peças de teatro da chamada Era de Prata, ou Belle Époque, que é a era que marcou o início da participação das mulheres na literatura e também uma maior abertura de temas.

Em "Os Sete Enforcados", encontramos sete personagens diferentes, todos eles condenados à forca por seus crimes. Temos um grupo de cinco amigos, que planejou um atentado ao governo vigente, e dois assassinos. Andreiev não entra em detalhes e nem no mérito se suas condenações foram justas ou não, tampouco nos fornece muitos detalhes sobre a história de vida de cada um. O grande tema do livro é, afinal de contas, a morte em si, e Andreiev explora como cada pessoa lida com a iminência de sua própria morte.

Temos uma personagem que recebe a notícia da morte com alegria, pois sua visão religiosa do mundo acredita que a morte é um conceito humano, e não uma realidade universal e, por isso, passa as horas que antecedem seu enforcamento pensando no que virá a seguir.
Em outro personagem, este uma mulher, sua maior preocupação é como seus amigos estão lidando com a condenação. Ela gostaria de estar liberta para poder passar de cela em cela, lhes oferecendo o acolhimento que necessitam, e mal pensa em si mesma, mal registra seus próprios sentimentos em relação ao enforcamento iminente.
Há quem não queira encontrar sua família para uma despedida, pois o encontro só acentua o distanciamento entre eles, tornando a experiência ainda pior. 
Há quem se exercite e tente imprimir uma rotina ao encarceramento, como que tentando manter a sanidade frente ao que vem a seguir. E há quem se abandone de vez, completamente, permitindo que a loucura enfim chegue e fique, como um mecanismo de defesa da realidade.

A narrativa é escrita ao maior estilo da literatura russa, ou seja, violento, cru, sóbrio, pesado e escuro. Não há alívio de nenhum tipo ao longo do enredo, tampouco há acontecimentos muito grandiosos. O que acontece, acontece dentro dos personagens, e somente no final do livro eles se encontram e interagem com o mundo externo, cada um a seu modo. Esse estilo de escrita pode afastar alguns leitores.

Eu fiquei perturbada e angustiada com a leitura, porque fiquei imaginando como eu mesma reagiria à mesma situação - ou seja, Andreiev conseguiu de mim seu objetivo, que é justamente provocar essa reflexão. Quando nos deparamos com tantas reações diferentes ao mesmo evento, é inevitável que pensemos como nós reagiríamos a tudo isso. E o mais curioso, para mim, é pensar que a morte é a única certeza que temos, mas pensar sobre isso nos levaria à loucura. Por isso, preferimos deixar esse pensamento de lado mas, com enforcamento iminente ou não, a morte espera a todos de igual maneira. É um livro denso, pouco agradável, e que tem seu valor artístico.

Recomendo, mas não para todos.
Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 2/5

 

Não consegui terminar de assistir a série, pois não gostei das personagens principais, mas, mesmo assim, decidi dar uma chance à história e li "Pessoas Normais", de Sally Rooney. Será que mudei de ideia?

Publicado em 2018, "Pessoas Normais" tem dois protagonistas, Connell e Marianne. Rooney reveza o ponto-de-vista de ambos ao longo da narrativa, de forma misturada, e também não cronológica, com idas e vindas nos acontecimentos que marcam a vida de ambos. 

Connell e Marianne começam a se relacionar na época de escola, quando Marianne era uma figura rejeitada e ridicularizada, ao passo que Connell era popular. O relacionamento deles é mantido em segredo, o que incomoda a Marianne. A mãe de Connell trabalha faxinando a casa de Marianne, o que incomoda a ele. 
A história deles é basicamente feita de desencontros. Na escola, Connell não convida Marianne para o baile de formatura e, sem nenhum diálogo, eles se afastam, ambos doloridos. Depois, na faculdade, eles se reencontram, mas agora em posições opostas - Connell solitário e sem amigos, Marianne popular e requisitada - e, uma vez mais, se desentendem quando Connell precisa encontrar um lugar para morar. Neste segundo desencontro, ambos começam a se relacionar com outras pessoas, mas decidem continuar amigos, mesmo sabendo que, no fundo, ainda gostariam de estar juntos. 
Os desencontros entre eles seguem até o fim, e ficamos com a sensação de que, apesar do amor que sentem um pelo outro, jamais serão capazes de estarem na mesma página sobre a vida.

Sinto que o livro tem várias camadas.
A primeira, mais aparente, são estes desencontros de um amor que parece verdadeiro.
A segunda camada, para mim, são as diferenças sociais entre Connell e Marianne. Por exemplo, Connell, que luta por uma bolsa de estudos, vê Marianne se aplicando para a mesma bolsa como um ato de rebeldia. A diferença social o perturba mais que a ela, e o impede de sentir-se digno de amor. A falta de auto-estima de Connell o impacta em nível profundo, levando-o à depressão.
A terceira camada, que me foi mais interessante, é a forma como o ambiente familiar violento moldou a identidade de Marianne de maneira irreversível, e o quanto seu background de agressão e negligência é uma barreira intransponível entre ela e ela mesma, e entre ela e Connell. 

Porém, tem alguns aspectos da história que não gostei.
O primeiro deles é a romantização do tóxico e das dificuldades. "Alienado", no livro, é um sinônimo de "legal" e que buscar relacionamentos sadomasoquistas é compreensível/inevitável se você vem de uma família abusiva. Eu entendo que, na vida real, as vítimas de famílias abusivas passam por um processo longo e sofrido para quebrar o ciclo de repetição, mas eu não tenho certeza que Rooney fez uma representação adequada desta experiência. Eu deveria sentir o quê por Marianne, pena? Compaixão? Empatia? Identificação? Terminei a leitura sem entender qual o caminho que Rooney quis dar a personagem. Me pareceu ter um pouco de redenção no final, mas muito sutil e insosso.

Meu outro problema foi com a construção de Connell. Ele tem mais arco de desenvolvimento que Marianne, que não tem quase nada de arco. Mas, por algum motivo, ele me foi completamente indiferente na leitura. Apesar de ser o outro protagonista, ele me soou como um coadjuvante de Marianne, e isso, na minha opinião, foi uma falha de Rooney, e não do personagem em si. Connell tem tudo para ser interessante - o garoto popular que não sabe lidar com a vida adulta, e tenta se reencontrar - mas, por algum motivo, a forma como ela o escreve não fez juz ao seu potencial. 
No final, quando ele consegue um ótimo emprego, fiquei muito feliz por ele, mas foi mérito dele mesmo, e não da escrita de Rooney, que deveria tê-lo levado a patamares muito maiores. 

De forma geral, eu gostei da leitura do livro, apesar dessas problematizações que mencionei anteriormente. Desde o início, já sabemos que não será o tipo de história com final feliz e, mesmo assim, fiquei entretida para saber o que aconteceria a seguir. É uma leitura que recomendo, apesar de não concordar com o hype todo da obra.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 3/5

 

Fazia tempo que eu queria voltar a ler Joël Dicker, e finalmente tive a oportunidade de ter acesso à sua obra "O Caso Alaska Sanders". Neste post, falarei um pouquinho sobre a leitura.

Também temos resenha de "A Verdade sobre o Caso Harry Quebert", que você pode ler aqui.

Publicado em 2024, "O Caso Alaska Sanders" é, de certa forma, uma continuação do livro "A Verdade sobre o Caso Harry Quebert". Isso porque o protagonista, uma vez mais, é o escritor Marcus Goldman que, depois de ficar famoso com o livro sobre Harry Quebert, após doze anos, reencontra o detetive Peter Gahalowood para desvendar outro assassinato, agora da garota Alaska Sanders. Por isso, caso você não tenha lido "Harry Quebert" ainda, recomendo começar por ele.

Alaska, uma modelo aspirante a atriz, aparece morta na cidadezinha de Mont Pleasant. Na ocasião da investigação do homicídio, seu namorado, Walter, confessou o crime junto com seu melhor amigo, Eric, e o caso foi fechado. Porém, onze anos depois deste episódio, desesperadamente em busca de uma nova história para um livro, Marcus Goldman encontra este caso e resolve ir investigá-lo. Para isso, ele decide envolver seu amigo, Gahalowood que, agora viúvo, precisa encontrar um propósito para sua vida. Gahalowood recebe uma carta anônima dando a entender que ele prendeu a pessoa errada, e que o real assassino de Alaska continua solto. 
Gostei bastante do aprofundamento do relacionamento entre os dois, e achei que Gahalowood ganhou um arco muito interessante neste livro. A impressão que eu tive foi que, neste, me apeguei mais a ele do que em "Harry Quebert". 

No que se refere ao caso de Alaska em si, a narrativa é interessante e há uma boa dose de suspense. A dupla descobre que a confissão de Walter foi forjada por outro policial, e que Eric foi acusado como cúmplice de maneira injusta, pois o real assassino plantou as pistas que levaram a investigação a ele e Walter. A primeira parte da investigação me deixou entretida na leitura, pois fiquei curiosa para entender se Eric era ou não inocente.
Na segunda parte do livro, quando os eventos começam a desencadear para o fim, gostei um pouco menos - mas ainda gostei. Dicker realmente trouxe uma personagem inesperada como o real assassino, mas achei a história toda muito enrolada. A sensação que tive foi que, primeiro, Dicker pensou quem seria o assassino, e depois se virou para amarrar as pontas soltas. Não gostei muito de como o real assassino contou sua versão, achei meio sem criatividade - ele (ou ela) confessou tudo em um monólogo um pouco entediante.

Por outro lado, o livro também é sobre Marcus Goldman, e sua vida - e acho que demorei um pouquinho para perceber isso. Não acho ele um personagem interessante, então vai ver que é por isso que não me importei muito com ele. Aqui vemos sua dificuldade de estabelecer um relacionamento amoroso duradouro, e também sabemos o que acontece entre ele e Harry Quebert após os eventos do livro anterior. 

Apesar de estar no título, Alaska é a personagem menos relevante do livro. Só sabemos sobre ela de maneira indireta, ou seja, através dos depoimentos das pessoas relacionadas ao seu caso. Eu gostaria de ter sentido mais curiosidade sobre ela, ou de ter sentido falta de não escutar o seu ponto-de-vista, mas isso não aconteceu. Ela é descrita como uma moça perfeita, por dentro e por fora, e senti falta de maior profundidade de sua personalidade.
Quando Eleonora entra na narrativa, fiquei pensando que eu preferia ter lido a história sobre a morte dela e da perspectiva de sua vida, pois acho que, como personagem, ela tinha mais a oferecer.

Mas tenho que dizer que fiquei confusa várias vezes, porque existe um livro dentro do livro, ambos com o mesmo nome, e a narrativa vai e volta no passado de Goldman o tempo todo, abrindo várias histórias em paralelo, sem, necessariamente, concluí-las. Por exemplo, ficamos sabendo da ex-namorada de Goldman, Alexandra, e de seus primos de Baltimore, mas Dicker não aprofunda essas histórias, pois elas fazem parte de outro livro chamado "O Livro dos Baltimore".

De forma geral, é uma leitura que recomendo, sobretudo para quem gosta de tramas policiais. A leitura entretém, e sigo achando Dicker um bom escritor, e que pretendo ler mais obras suas.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 3/5

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A Escritora

Escritora há 25 anos e psicóloga de formação. Procura os detalhes da vida que passam desapercebidos e as bonitezas que ninguém vê. Faz perguntas incômodas porque gosta de uma boa reflexão. Não caminha pelos lugares-comuns e, quando o faz, faz com convicção. Imagina, sonha e pensa demais. Fala pouco, mas quando fala, por favor preste atenção.

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