Já Li #221 - Esboço, de Rachel Cusk

 


Uma leitura rápida, porém, densa, de uma narrativa que poderia ser tanto um romance quanto uma antologia de contos. A resenha deste post é sobre "Esboço", de Rachel Cusk.

Publicado em 2014, "Esboço" fala de uma protagonista, recém divorciada, que é convidada para dar aulas de escrita criativa em Atenas. Ao longo da viagem, ela conhece uma série de personagens que lhe contam a história de suas vidas, enquanto ela os escuta pacientemente, sem revelar muito de si mesma.

O grande trunfo desta obra é a invisibilidade da protagonista. Não sabemos seu nome até quase o fim do livro, e sabemos muito pouco sobre sua vida - apenas os breves relatos que ela dá aos seus interlocutores ao longo do enredo, e que normalmente são falas curtas e sem grandes explicações. Através destes fragmentos que vamos juntando ao longo da leitura, é possível inferir que a protagonista foi casada por bastante tempo, tem dois filhos em idade escolar e, agora, divorciada, tenta reencontrar sua identidade e seu lugar no mundo. O fato de não sabermos sequer seu nome é muito simbólico, pois é quase como se ela mesma também não se lembrasse de quem é. 
Também acho simbólico como a protagonista se permite ser engolida pela história dos outros, que parecem dominar não apenas as conversas, mas também os espaços, colocando-a sempre como uma observadora apenas, uma espectadora da vida, ao invés de ser uma participante ativa dela.

Outro ponto que gostei bastante foram os personagens que aparecem ao longo do enredo. Sendo eu mesma uma escritora, achei uma aula de construção de personagens, e adorei. Temos o vizinho do assento do avião, um senhor que confunde a amizade da protagonista com interesse romântico; os alunos de sua aula de escrita criativa, todos marcantes apesar de suas breves aparições; temos Ryan, seu colega da universidade, mulherengo e desatento; suas amigas e a conversa de bar entre as três; a moça inglesa que irá alugar o apartamento quando a protagonista retornar a Londres; e assim por diante.
Cada aparição destas personagens - que não diria que são coadjuvantes - é um conto em si mesmo. Eles relatam sua vida e suas experiências à protagonista, e todos os relatos são bastante vívidos, cheios de detalhes, e o leitor consegue imaginar de forma muito clara cada uma destas pessoas. 

Um ponto negativo da leitura, contudo, é que, em diversos momentos, eu me perdi na história. Como são muitas pessoas e muitas histórias, e às vezes histórias dentro das histórias, houve momentos em que me peguei pensando "de quem é essa parte mesmo? quem estava falando com a protagonista? quem é essa pessoa?", e acredito que alguns ajustes editoriais teriam sido suficientes para deixar o enredo mais fluido e mais compreensível.

Outro ponto que acredito ter contribuído com a confusão é que não há contraste suficiente no tom ou na intensidade das vozes de alguns dos personagens. Sob a superfície deste romance, há uma corrente de amargura não resolvida, pertencente, você sente, à própria autora. Uma das premissas centrais do romance é que todo relacionamento está fadado ao fracasso, a se tornar pouco mais do que um esboço distorcido, ou, como diz um personagem, há "um desgosto que existe indelevelmente entre homens e mulheres e que você está sempre tentando purgar com o que chama de franqueza".

O leitor não pode esperar um enredo com começo, meio e fim ao iniciar a leitura de "Esboço". O livro é um recorte da vida da protagonista, e muitos leitores podem terminá-lo com a sensação de que ele "não chegou a lugar nenhum" (li este comentário em várias resenhas). Eu acho que esse era precisamente o objetivo de Cusk e, uma vez que este é o primeiro volume de uma trilogia, acredito que a protagonista ganhará forma e corpo daqui em diante. Pretendo seguir lendo a trilogia, pois quero saber o que acontece com ela.
É uma leitura que recomendo, com ressalvas.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 3/5

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