Independente do veredito desta batalha livro versus filme, a consequência foi a mesma: ao terminar de assistir ao filme e de ler o livro, quase vomitei - literal e metaforicamente. De longe, esta foi a obra mais difícil de digerir que já tive em mãos e precisei de muito preparo para conseguir escrever este post. Se você é sensível, não queira saber mais sobre "O Psicopata Americano", de Bret Easton Ellis.
Não sou capaz de acreditar que o escritor Bret Easton Ellis é mentalmente equilibrado. A intensidade da violência desta estória não é para qualquer um e só um escritor ligeiramente perturbado seria capaz de evocar cenas tão assustadoramente depravadas. Confesso que não consegui ler os últimos três capítulos do livro, tamanha a violência grotesca que se desenrolou ali. Meu estômago embrulhou como nunca tinha feito antes.
O livro foi publicado em 1991 e é a terceira obra de Bret. A estória é narrada em primeira pessoa pelo playboy Patrick Bateman. Bateman é um empresário da Bolsa de Valores extremamente rico, vive em Manhattan e, além disso, é um perigoso serial killer.
Cada capítulo do livro é destinado a uma atividade cotidiana de Bateman, que narra com pormenores maçantes todas as marcas de tudo o que possui. Assim, o leitor deve estar preparado para descrições longas e cansativas das roupas de todas as personagens, incluindo as do próprio Bateman, bem como de todos os objetos de valor existentes na estória e todas as comidas e bebidas chiques que são consumidas. Embora tais descrições sejam chatíssimas, a intenção de Bret é enfatizar uma sociedade viciada em consumo e em imagem, bastante fútil e superficial, que prioriza marcas e glamour. Além disso, tanto Bateman quanto seus colegas ricos menosprezam e maltratam diversos mendigos e homossexuais ao longo do enredo, mostrando o egocentrismo e o preconceito enraizado neles.
Bateman leva uma vida enfadonha, mesmo com a atmosfera de luxo e riqueza. Todos os seus relacionamentos são extremamente superficiais e os diálogos com seus amigos são muito entediantes, dando ao leitor a mesma sensação que Bateman tem no convívio com aquelas pessoas. Além disso, Bateman é um grande misógino e trata as mulheres de um jeito absurdamente machista. (Se você não sabe o que é misoginia, recomendo que leia este texto que escrevi para a Obvious Magazine). Conforme a leitura prossegue, fica claro que Bateman enxerga as pessoas da mesma forma que enxerga os objetos, lhe atribuindo valor (ou falta dele) por causa de sua aparência ou de sua origem.
O único escape de Bateman à esta rotina insossa são os assassinatos que comete. No início do livro, os assassinatos são referenciados de forma bastante indireta e quase passam desapercebidos na trama. Porém, conforme a psicopatia de Bateman evolui, seus assassinatos tornam-se cada vez mais presentes, violentos e degradantes - chegando ao ápice no fim do livro, que não consegui ter estômago para ler.
O filme foi lançado em 2000 com Christian Bale no papel de Patrick Bateman. Bale fez um excelente trabalho como o serial killer, pois aumenta seu nível de perturbação e deterioramento exatamente como imaginei ao ler o livro.
Em termos gerais, o roteiro do filme manteve-se bastante fiel ao livro. A cronologia e os acontecimentos-chave da trama estão posicionados da mesma forma. Uma vez que o filme não descreve as marcas de cada item que aparece na tela, isso o torna mais dinâmico que o livro, o que é um ponto a favor.
A única grande alteração feita na estória é em relação a Luis Carruthers. Homossexual assumido, Luis é apaixonado por Bateman que, sucessivamente, recusa suas investidas. No livro, quando Luis começa a persegui-lo em bares e restaurantes, Bateman ameaça matá-lo, mas não chega às vias de fato. A cena com Luis marca a degradação final de Bateman, que já não consegue mais disfarçar que é um serial killer. No filme, Bateman redige uma confissão de assassinato de um colega de trabalho - confissão esta que não ocorre no livro - e é este momento que marca a mudança de Bateman na tela.
O livro ou filme? Preferi o livro, por dois motivos.
O primeiro motivo é o fato do livro explorar mais o contexto social e político da época. Bret retrata não apenas Bateman como serial killer, mas faz uma crítica a todos os novos ricos da Bolsa de Valores dos anos 80. Em maior ou menor grau, todos eles são psicopatas, no sentido de que não se importam com outras pessoas nem com seus sentimentos e necessidades. Eles maltratam não só mendigos, prostitutas e homossexuais, como prejudicam a vida pessoal e profissional uns dos outros. Há uma série de traições, mentiras e falta de escrúpulos no enredo, e Bateman é apenas uma peça deste quebra-cabeça horroroso. A critica que é feita ao american way of life é pesada e contundente e acho que, no filme, esta crítica foi diminuída, focando mais nos assassinatos de Bateman e não no contexto como um todo.
Não à toa, as referências a Donald Trump são inúmeras ao longo do livro. Bateman idolatra Trump e faz questão de visitar todos os restaurantes que Trump recomenda, ler os livros que Trump indica e vestir o que Trump veste.
O segundo motivo é a vividez da violência e do sexo. Se você já viu o filme, deve ter se chocado com as cenas dos assassinatos e com as cenas de sexo. Pois, acredite: o livro é ainda pior. Houve momentos que eu gostaria de ter um botão un-read no meu cérebro, para esquecer certas passagens pavorosas que Bret concebeu.
Não me considero uma pessoa careta mas, se este livro fosse censurado, eu ficaria aliviada e dormiria melhor à noite.
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