Fazia um tempo que eu não lia um livro tão bom assim. Ceifador, de Neal Shusterman, me fisgou logo no primeiro ato e conquistou seu posto de Sugestão de Leitura neste blog. Na resenha de hoje, falarei um pouquinho mais sobre o porquê de eu ter devorado este livro em três dias.
"Ceifador" é o primeiro volume da série Scythe e foi publicado em 2016. A série se passa em um futuro distante do nosso, onde a civilização alcançou um status de utopia. Nesta civilização, os humanos alcançaram a imortalidade e todos os nossos problemas - pobreza, miséria, fome, doenças, crimes - foram solucionados. Toda a Terra é controlada pela Nimbo-Cúmulo, uma inteligência artifical perfeita que jamais comete erros em seus cálculos e movimentos e, por causa dela, não existem mais governos, política ou leis.
Para controlar o excesso de população na Terra, existem os Ceifadores. Eles são uma entidade à parte da Nimbo-Cúmulo e são os responsáveis por coletar - ou seja, matar - pessoas, de acordo com estatísticas de controle populacional fornecidas pelo Conclave. Cada Ceifador tem uma quota anual de coletas/mortes por ano e prestam contas sobre suas ações em reuniões trimestrais com o Conclave, que conta com o Alto Punhal, uma espécie de presidente, que administra conflitos, solicitações, infrações, etc.
Os Ceifadores são vistos quase como Deuses pela sociedade. São respeitados, temidos, venerados e admirados.
Neste primeiro volume, os protagonistas são Citra Terranova e Rowan Damisch. Ambos são recrutados pelo Ceifador Faraday para serem seus aprendizes e tornarem-se Ceifadores no futuro. Não fica claro porque Faraday os escolheu mas podemos inferir que o motivo principal é a personalidade dos personagens. Citra é empática, misericordiosa e sensível; Rowan é independente, contestador e observador. Ambos são excelente juntos e criam uma dinâmica ótima com Faraday, que é sisudo, austero e misterioso.
O antagonista do livro é o Ceifador Goddard, que gosta de fazer coletas em massa ou, em outras palavras, massacres super violentos e chocantes. Goddard é presunçoso, arrogante e sádico, exatamente os princípios contrários da Ceifa, mas seu poder é tanto que ninguém consegue detê-lo, nem mesmo o Alto Punhal.
Assim, um dia, ele sugere que Farady não pode ter dois aprendizes e que só um deles deve ser escolhido. Quem for escolhido deve coletar o outro. É claro que Citra, Rowan e Faraday discordam veementemente disso e, dias depois, Faraday aparece morto. Rowan, então, é designado para treinamento com Goddard e Citra vai para Curie, uma Ceifadora maravilhosa que eu queria que fosse minha amiga. Porém, a regra que um deve matar o outro ao final do processo de escolha se mantém.
Separei uma listinha com os pontos que mais adorei nesta história.
1) A porcentagem de etnias de cada pessoa, bem como suas denominações. Achei que Neal foi sensacional quando imaginou a divisão geopolítica de seu mundo utópico do futuro, assim como as implicações das questões raciais nesta nova sociedade. Termos como "panásia", "euroescandinávia" e "midamericanos" encaixaram perfeitamente nas suas premissas. Ele fez um trabalho incrível com o worldbuilding, um dos melhores que já li, ficando páreo para o nível altíssimo de escritores como Brandon Sanderson.
2) Os desdobramentos da importalidade na sociedade. Aqui foi outro ponto que Neal foi um mestre. Ele postula que, uma vez que a Humanidade se torne utópica, nós nos tornaríamos seres absurdamente entediados e estagnados, uma vez que não haveriam necessidades despertando nossos desejos e sonhos. Assim, embora no começo da leitura o mundo do livro pareça ser incrível, logo percebemos que existem diversas consequências negativas decorrentes deste "eterno estado de satisfação". Eu adorei a forma como ele conduziu uma questão puramente filosófica em algo que fazia total sentido dentro da narrativa.
3) As reações aos Ceifadores e suas versões. Seguindo seu trabalho sólido de worldbuilding, Neal mostra ao leitor como seria esta sociedade onde os Ceifadores existem. Ele pensou cautelosamente em cada detalhe: as regras dos Ceifadores, as reações que as pessoas teriam a eles, os treinamentos, a organização política do Conclave, os conflitos de interesse e ideologia entre os próprios Ceifadores, a abordagem da morte, o trato com as famílias, as pessoas que tentam explorar a Ceifa, o dinheiro que gira em torno dos Ceifadores, e assim por diante. Mais uma vez, incrível!
4) A dinâmica dos protagonistas com os Ceifadores. Neal escolheu muito bem quando colocou Rowan com Goddard e Citra com Curie. A liga entre eles foi perfeita e gostei muito dos arcos de todos eles, sobretudo de Rowan.
A única ressalva que eu tive foi em relação ao vínculo criado entre Citra e Rowan. A tensão do enredo é toda baseada que um precisará matar o outro, o que é ótimo, mas não consegui comprar a idéia de que eles se importavam tanto assim. Eles mal se conhecem no início do enredo e acho que Neal não desenvolveu tanto assim a paixonite deles para justificar o restante da premissa. Mas, ainda assim, é uma leitura que eu recomendo muito, e mal posso esperar para ler o segundo volume da série.
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