Já Li #110 - Paris é Uma Festa, de Ernest Hemingway


"Paris é Uma Festa", de Ernest Hemingway, é um livro para os apaixonados pela literatura do início do século XX. Numa mistura de autobiografia e romance, Hemingway entrega um dos melhores relatos sobre a Paris dos anos 20 em seu último trabalho.

Caso você queira saber mais sobre Hemingway, fiz um post dedicado a ele que pode ser lido aqui.
No mesmo post, também menciono três livros dele: "O Sol Também se Levanta", "Por Quem os Sinos Dobram" e "O Velho e o Mar"
Aqui falei sobre "O Jardim do Éden": Três livros sobre (homo/bi/hetero) sexualidade

Publicado em 1964, Hemingway revive a época em que viveu em Paris, nos anos 20, quando ainda era casado com sua primeira esposa, Hadley. A idéia deste livro surgiu quando ele recuperou um baú cheio de anotações. Hemingway trabalhou nestas memórias até 1961, quando faleceu. Sua então esposa, Mary, legalmente encarregada de suas obras, finalizou a compilação de suas anotações finais e, então, aprovou a publicação do livro.

O livro é composto de vinte capítulos, organizados em ordem cronológica, onde Hemingway relata seus encontros e impressões de escritores famosos: Sylvia Beach (então proprietária da icônica livraria parisiense Shakespeare & Co., que existe até hoje), Fitzgerald (autor de "O Grande Gatsby"), James Joyce, Ezra Pound e Gertrude Stein.

A primeira coisa que chamou minha atenção neste livro foi a desmistificação - ou a desglamourização - da vida artística da época. Em diversos trechos da narrativa, Hemingway fala sobre sua miséria e a enorme dificuldade de viver como escritor, além de demonstrar arrependimento por ter abandonado o jornalismo e os Estados Unidos. Assim como ele, outros escritores, hoje tão famosos e reconhecidos pelo público, relatam que chegam a passar fome. Hemingway vende contos esporádicos, especialmente para o Canadá, mas dificilmente consegue construir uma vida estável a partir disso. É claro que o pano de fundo - Paris, anos 20, embebedar-se de vinho às dez horas da manhã - são bastante atraentes, mas Hemingway parece lembrar o leitor, a todo momento, de que esta "magia" é, ao mesmo tempo, real e ilusória.

Hemingway também desmitifica o próprio talento. Ele mostra, em diversas passagens, que trabalhava muito, encarquilhado em cafés baratos e preocupado com o filho que deixara em casa, forçando as palavras a saírem para o papel porque, afinal de contas, eram aquelas palavras que lhe geravam renda. Como é narrado em primeira pessoa, sabemos que não podemos confiar 100% no narrador, mas ele aparentava ser muito disciplinado, o oposto do imaginário popular de que escritores são arrebatados por ondas de inspiração.

Além disso, gostei de ler sobre Fitzgerald e sua esposa, Zelda, de uma forma tão nua e crua. Hoje venerado por muitos por causa de "O Grande Gatsby", Hemingway não pareceu se encantar pelo escritor. Ele relata o relacionamento tóxico entre Fitzgerald e sua esposa e os descasca como a uma cebola, lembrando o Hemingway amargo e pessimista de seus outros livros.

Vou tentar explicar porque gosto tanto de ler Hemingway. Quando estou escrevendo meus livros, sempre tenho a sensação de que eu poderia ter escolhido palavras melhores ou construído frases mais interessantes. Parece que nunca consigo alcançar a essência do que pretendo dizer. Hemingway alcança, em cada frase, em cada diálogo, em todos os parágrafos. Sinto como se ele escrevesse a verdade por trás das pessoas e dos eventos, o que, na minha opinião, é a obrigação de todo escritor. E aqui neste livro, parece que ele atinge o ápice dessa habilidade.
(Para ser justa, acho que Virgínia Woolf também sabe fazer isso extraordinariamente).

Por isso, é uma leitura que eu recomendo.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 

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