O livro ou o filme? | Cadê Você, Bernadette?, de Maria Semple


No post de hoje, falarei sobre a adaptação cinematográfica de 2019 do livro "Cadê Você, Bernadette?", de Maria Semple, com a musa Cate Blanchett no papel da protagonista. Será que o filme foi fiel ao livro? Saberemos agora.

Caso você queira ler a resenha do livro, clique aqui:

Enquanto assistia ao filme, separei algumas observações sobre as diferenças entre ele e a obra original.

A perspectiva de Bee
No livro: Maria Semple constrói a história como obra de sua narradora de 15 anos, Bee, que reuniu vários e-mails, faxes, artigos e até um relatório do FBI para contar a história de sua mãe desaparecida, Bernadette. Bee acrescenta sua própria perspectiva à correspondência organizada cronologicamente, refletindo sobre as experiências de sua mãe da perspectiva de uma filha, compartilhando suas próprias memórias e sentimentos ao longo do caminho.
No filme: A narração de Bee tem alguns comentários esporádicos ao longo da história, mas a perspectiva do filme pertence em grande parte a Bernadette, cujas tendências misantrópicas a isolaram do mundo. Mesmo quando ela finalmente desaparece e Bee se pergunta freneticamente para onde sua mãe foi, o espectador está ciente do paradeiro de Bernadette, tornando a percepção da filha menos útil.
Além disso, a ida de Bee para o colégio interno (Choate), no filme, acontece apenas como uma hipótese e toda a parte da narrativa relativa a este assunto foi excluída, o que também prejudicou a construção de Bee.

O impacto da verdade sobre Manjula 
No livro: A assistente virtual de Bernadette da Índia aparece em trocas de e-mail e parece solícita ao responder às demandas complexas de Bernadette. No geral, o livro dá a impressão de que Manjula é uma presença muito real na vida de Bernadette; ela pode não ter amigos em Seattle, mas tem alguém em Delhi com quem pode conversar. 
No filme: Manjula é mais uma vez uma assistente virtual da Índia, mas no filme, ela nunca responde totalmente às mensagens de Bernadette, ditadas em notas de voz em fluxo de consciência em seu telefone. Isso diminuiu o impacto da notícia da real identidade de Manjula e, para quem não leu o livro, a história de espionagem russa pareceu absurda, exatamente por causa dessa má construção de Manjula.

O sumiço do caso extraconjugal 
No livro: Soo-Lin começa como um tipo de toupeira; ela trabalha na Microsoft com Elgin e fofoca sobre o que aprende sobre Bernadette por e-mail com Audrey. Mas Soo-Lin se aproxima progressivamente de Elgin, especialmente depois que Bernadette desaparece e Bee segue para Choate. Ela escreve para Audrey frequentemente sobre seus sentimentos crescentes por Elgin e o tipo de conto de fadas em que ela pensa que entrou. Depois de uma ligação bêbada com Elgin, ela descobre que está grávida. Mas Soo-Lin desempenha um papel importante no grupo de busca internacional inicial para Bernadette, entendendo que Elgin ainda ama sua esposa. 
No filme: o significado de Soo-Lin é progressivamente minimizado ao longo do script. Não há ameaça de um relacionamento romântico entre Soo-Lin e Elgin, principalmente porque a terceira caçada a Bernadette é enquadrada como uma experiência de vínculo pai-filha mais saudável.
Um desdobramento direto disso é a falta de aprofundamento de Elgin. Quando ele começa seu caso com Soo-Lin, isso traz uma série de reflexões sobre seu casamento com Bernadette, cujo ápice são as atrocidades que ele diz a ela em sua intervenção, cena também minimizada no filme.

A injustiça com Audrey Griffin
No livro: Audrey Griffin é uma mulher cristã que experimenta uma crise pessoal paralela à de Bernadette, exacerbada por um deslizamento de terra que destrói sua casa durante um evento da Galer Street para futuros pais, forçando-a a se mudar para um hotel, onde o problema das drogas de seu filho Kyle torna-se mais aparente. Quando se trata de Bernadette, Audrey muda completamente de opinião depois de saber de um dossiê classificado do FBI em poder de Soo-Lin, que lista o incidente com o pé não quebrado de Audrey como evidência de que Bernadette prejudicou outros, optando por salvá-la. 
No filme: As duas mães acabam se unindo às realidades da vida doméstica, antes de Audrey levar Bernadette ao aeroporto. Audrey também é quem avisa Bee que Bernadette está indo para a Antártica. O filme careceu do elemento central do relacionamento entre Audrey e Bernadette, que foi o elemento surpresa de descobrirmos que Audrey decide ajudar e salvar Bernadette, o que foi um momento muito emocionante no livro e que me fez adorar cada cena envolvida. Porém, no filme, pareceu tudo tão banal que eu quase desistir de assisti-lo.

O final
Com todas as alterações mencionadas acima - destaquei somente as mais relevantes - não é de surpreender que o final também tenha sido muito modificado. Não há o suspense sobre o paradeiro de Bernadette, não há a emoção da busca e o foco é na terceira criação dela, o posto avançado no Pólo Sul. Não senti a mesma emoção e nem a mesma complexidade da obra de Semple e fiquei decepcionada com o rumo que o filme tomou. 

Assim, definitivamente, recomendo o livro, e não o filme.

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