Fico impressionada como alguns escritores foram capazes de imaginar como seria o futuro da Humanidade, e Karin Boye, lá nos anos 1940, o fez com a incrível (e pouco conhecida) distopia chamada "Kallocaína".
Este post merece que falemos mais sobre Karin Boye. Nascida em 1900 na Suécia, Karin foi uma poetisa, professora e ativista do movimento antifascista, além de ser membro de uma organização em prol da liberdade das mulheres e de ser assumidamente lésbica em plenos anos 1930. Um ano antes de morrer, Karin escreveu a distopia "Kallocaína", sua obra mais conhecida.
No Estado imaginado por Boye, a individualidade não mais existe, seja ela qual for: todas as pessoas usam as mesmas roupas, moram nas mesmas casas, tem os mesmos empregos, e são chamados de cidadãos-soldados.
As crianças são criadas pelo Estado e separadas dos pais quando atingem a puberdade, todos os aspectos da vida são racionalizados, padronizados e especializados sem qualquer livre arbítrio, todos aprendem que existem apenas para servir o Estado e, claro, há câmeras e microfones por toda parte.
As partes mais interessantes da história são os relatos das pessoas sob efeito da kallocaína, pois Boye fez um trabalho muito bom ao retratar pessoas sob a influência da droga, sobretudo porque é um grande contraste com o quão cautelosas elas geralmente são. É importante ressaltar, contudo, que o leitor não deve esperar confissões cheias de conteúdo sexual e/ou violência. O teor dessas confissões são mais introspectivos, voltados para as dúvidas que as pessoas tem sobre a santidade do Estado.
A partir do desenvolvimento da kallocaína, o Estado pode processar as pessoas pelos seus pensamentos, e espera-se que Kall ajude, uma vez que ele foi o inventor da droga. Ele também é responsável por denunciar as primeiras pessoas que serão julgadas pelo Estado, e ele resolve denunciar seu próprio chefe, que lhe parece uma pessoa "bastante excêntrica". Mas, aos poucos, Kall percebe que as pessoas estão simplesmente sendo pessoas, contando sobre suas próprias histórias e sentimentos.
Kall também passa a desconfiar de sua própria esposa e, em última instância, de si mesmo.
A leitura deste livro teve altos e baixos. Em vários momentos, ele se torna chato, maçante, e precisei fortemente me lembrar de que é um livro escrito há quase cem anos. O ritmo da narrativa já não combina com o nosso ritmo de hoje em dia, então requer uma certa paciência da nossa parte. Mas, ainda assim, por respeito a Boye e ao que ela representa, decidi levar a leitura até o fim, mesmo que a trancos e barrancos.
Uma das ideias centrais do livro coincide com os rumores sobre "drogas da verdade" que existiam naquela época, drogas estas que garantiriam a subordinação de todos os cidadãos ao Estado. Tanto "Admirável Mundo Novo" (1932) de Aldous Huxley, quanto Kallocaína são distopias de drogas, ou sociedades nas quais a farmacologia é usada para suprimir a oposição à autoridade. No entanto, ao contrário de "Admirável Mundo Novo", em que uma droga é usada para suprimir o desejo de inconformidade em geral, a kallocaína é usada para detectar atos individuais e pensamentos de rebelião.
Recomendo somente para leitores que gostem de distopias e que já tenham lido todas as obras deste Guia da História das Distopias que organizei.
Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 3/5
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