Já Li #181 - Piano Mecânico, de Kurt Vonnegut

 

A leitura deste livro veio em um timing muito interessante, justo quando começamos a discutir, como sociedade, os impactos do uso da Inteligência Artificial. Neste post, falarei sobre "Piano Mecânico", de Kurt Vonnegut.

Outras resenhas do autor que temos aqui no Perplexidade e Silêncio:
Já Li #108 - Cama de Gato, de Kurt Vonnegut
Já Li #123 - As Sereias de Titã, de Kurt Vonnegut


"Piano Mecânico", primeiro livro do autor e publicado em 1952, conta a história do protagonista Paul Proteus. O cenário desta obra é uma sociedade onde todas as profissões - absolutamente todas, sem exceção - foram automatizadas por "máquinas e robôs". Vonnegut jamais usaria o termo Inteligência Artifical lá nos idos de 1950, mas muitas destas máquinas são, na verdade, IA´s. Assim, as únicas pessoas que ainda tem um emprego são os engenheiros e gerentes, ou seja, as pessoas que fazem a manutenção, programação e criação das tais máquinas e da Indústria (incluindo aqui cargos administrativos). Aqui ressalto que somente os homens trabalham nestes postos e as mulheres foram oficialmente colocadas como donas de casa, mães e esposas. 

É claro que, só existindo estes postos de trabalho, grande parte da população se vê não somente sem emprego, mas também sem propósito. O Estado fornece a todos, sem exceção, um pacote básico de sobrevivência (que consiste em uma casa, assistência de saúde, alimentação e itens básicos), mas é claro que os gerentes e os engenheiros tem diversos privilégios e regalias. Além disso, o Estado também oferece algumas ocupações (que não são consideradas empregos nem profissões), mas uma pessoa só pode exercê-la se uma máquina disser que ela cumpre os requisitos. Se a máquina não coloca a pessoa em nenhuma ocupação ou nenhuma profissão dentro da Indústria, ela vira uma pária da sociedade.

Modéstia a parte, a jornada de Paul me fez pensar no meu próprio livro, Insurgência. Se você gosta de distopias e ficções especulativas, me dá uma moral no post. ;)
Paul começa a se incomodar com todo este cenário, e já está de saco cheio de ser parte da Indústria, e profundamente entediado com a vida repetitiva que leva. Assim, um dia, ele decide atravessar a cidade e conhecer as pessoas marginalizadas da sociedade, e imediatamente se conecta com a causa deles. Paul está prestes a ser promovido, o que é o projeto de vida da sua esposa (mas não dele), e se vê pressionado a tomar uma decisão. A narrativa toma um rumo interessante quando a própria Indústria decide fazer de Paul um espião, e colocá-lo na sede dos revolucionários que estão organizando um golpe de Estado.

Paul chega na revolução exatamente como o leitor, ou seja, sem entender o histórico das conversas, sem saber os papeis e as responsabilidades de quem faz parte do grupo, e completamente alheio ao plano de golpe. Mas Paul reconhece diversos rostos da época em que trabalhava nas Indústrias, o que demonstra que a revolução também tinha seus espiões infiltrados. Além disso, Paul descobre que, mesmo antes de ser enviado para ser espião, a revolução já o tinha designado como o rosto deles, ou seja, que ele seria divulgado como o idealizador de tudo.

Sendo seu primeiro trabalho publicado, o sarcasmo e o humor ácido, agora característicos de sua obra, ainda não estavam completamente desenvolvidos, mas já é possível perceber o tipo de escritor que Vonnegut se tornaria, sobretudo quando pensamos em suas construções de personagem. O autor é muito bom em escrever personagens que são, ao mesmo tempo, caricatos e profundos já que, ao mesmo tempo que Vonnegut acentua os traços estereotipados de alguns personagens, ele deixa claro que o faz em tom de crítica social. Em "Piano Mecânico" é possível ver um pouco disso em Anita, a esposa de Paul, e em seus colegas engenheiros.  Assim, eu acho que, se alguém ainda não conhece o trabalho dele, é melhor começar por outros livros, pois este aqui ainda não está 100% vonnegutiano (?).

É uma leitura que recomendo, não pela narrativa em si (tem momentos do livro que são bem chatos), mas pela reflexão que ele gera e, sobretudo, por ser algo tão visionário.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 3/5

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