Sugestão de Leitura | A Guerra da Papoula, Vol. 1, de R. F. Kuang

 

Fazia um tempo que eu não me deparava com uma trilogia que realmente me desse vontade de ler até o final. Conhecer essa obra foi uma excelente surpresa e, no post de hoje, quero recomendar a vocês a leitura do primeiro volume "A Guerra da Papoula", de R. F. Kuang.

Nascida na China e naturalizada norte-americana, Rebecca F. Kuang definitivamente é um nome para ficarmos atentos. Este livro é sua primeira obra publicada, e ela já começou sua carreira de escritora acertando em cheio. Publicado em 2018, esta trilogia é categorizada como grimdark, ou seja, quando o cenário da narrativa é particularmente violento, distópico e amoral - tem até alerta de gatilho no início do livro. Graduada em História Chinesa, Kuang traz uma historia baseada em fatos reais e misturada com elementos fantásticos, característicos do folclore chinês.

"A Guerra da Papoula" tem como protagonista Rin. Órfá de guerra, ela foi adotada por pessoas que não se importavam com ela, e sim, com o benefício do governo que receberiam pela adoção. Vinda de uma aldeia rural isolada do resto da sociedade, Rin desafia todas as probabilidades ao conseguir entrar para a prestigiada Academia Militar Sinegard, onde irá estudar para tornar-se uma soldada para a Imperatriz. O choque de classes é imediato, e Rin precisa superar não apenas suas próprias limitações, mas também todo o preconceito que sofre por ser "uma camponesa estúpida que não deveria estar ali".

É altamente inspirado na Segunda Guerra Sino-Japonesa, que é um dos períodos mais sombrios e sangrentos da história chinesa. Considerando a raiz da inspiração para o livro, há bastante violência ao longo do enredo. Houve um capítulo na parte III que eu precisei pular, porque eu simplesmente não aguentei ler as passagens brutais que Kuang concebeu - e olha que li "O Psicopata Americano" de Bret Easton Ellis. Por isso é importante ressaltar que, apesar de Rin ser jovem, não é um livro YA. 

O primeiro ponto positivo deste livro é a própria Rin. Fazia muito tempo que eu não lia uma protagonista feminina realmente interessante, que fugisse dos clichês das personagens empoderadas/feministas que a grande maioria dos autores tenta emular sem sucesso. Rin é incrível, e a parte mais legal da sua construção como personagem é que ela não é a heroína, nem a mocinha, e muito menos uma antagonista camuflada de mocinha (olá, Sarah. J. Maas, essa cutucada foi para você). Ela é uma vilã, e eu amei cada segundo dela. Outro ponto muito bom deste livro é que não há romances! Não há gente emocionada se pegando pelos cantos, não há aqueles casais babaquinhas perdendo o foco da batalha, e isso é um alívio enorme! Obrigada por isso, Kuang!

É um livro sobre impérios, drogas alucinógenas como ferramentas de encontrar os Deuses e xamanismo. Esta parte da narrativa é o que nos traz os elementos fantásticos da obra como, por exemplo, Rin ascendendo ao Panteão dos Deuses através do ópio, ou seu comandante Altan sendo devorado pela deusa Fênix, que dominou sua alma. Os impérios estão em guerra por territórios e recursos há anos, e a única esperança dos nakari de vencerem a cruel Federação é usar o poder dos deuses, já que os recursos humanos não conseguem detê-los. Quando Rin descobre que consegue canalizar o poder da Fênix (fogo/destruição), ela vai parar no Cike, um batalhão composto por "aberrações" (As Crianças Bizarras) e comandado por Altan, o aluno prodígio de Sinegard.

No Cike, todos os soldados conseguem se conectar a algum deus. São 64 no Panteão. O problema é que, depois de um tempo, o deus domina completamente a alma e a mente deles, e eles enlouquecem ou morrem. A maioria dos Cike foi emparedada viva para evitar que destruam o mundo com sua loucura.

Outro respiro foi o fato de Rin ficar pouco em Sinegard. Eu não aguento mais ler histórias de alunos aprendendo a lidar com seus poderes (como "Os Seis de Atlas", de Olivia Blake), que é uma fórmula já desgastada pelo uso. 
Outro mérito de Kuang é a técnica. Embora a narrativa seja em terceira pessoa, Kuang faz um trabalho fantástico ao garantir que estejamos realmente dentro da cabeça de Rin o tempo todo. A certa altura, esqueci que estava lendo o livro do ponto de vista da terceira pessoa, pois o personagem e a personalidade de Rin foram tão bem explorados que senti que a história dela estava sendo contada em primeira pessoa.
E a melhor parte é a deterioração moral de Rin ao longo dos acontecimentos. Ela presencia Altan sendo destruído pelo ódio e pelo desejo de vingança e, quando ela descobre o que fizeram ao povo deles (speerliês), ela acha que ele é fraco, e que não está odiando com a força que deveria. E, ao encontrar formas de destruir a Federação, ela se torna ainda mais feroz e mais cruel do que o seu inimigo. É fenomenal de ler.

Por fim, o respeito de Kuang às culturas de onde extraiu seu worldbuilding é louvável. Os nomes das Províncias são alusões ao zodíaco chinês, os principais Deuses são representações de símbolos chineses, mapas baseados na geografia do Japão e da China no início do século 20, e assim por diante.

Mal posso esperar para ler o segundo volume e acompanhar a trajetória de Rin destruindo ao mundo e a si mesma.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 4/5

0 Comments