Já Li #177 - Além do Oceano, de Maja Lunde

 

Eu que gosto de uma ficção especulativa, logo me interessei por essa obra, já que ela promete uma abordagem diferente a respeito das consequências do aquecimento global. Nesta resenha, comentarei se esta promessa foi cumprida ou não em "Além do Oceano", de Maja Lunde.

Aqui no Perplexidade e Silêncio também temos a resenha de "Tudo que Deixamos para Trás", de Maja Lunde.

"Além do Oceano", publicado 2017, conta a história de dois personagens. Um deles, Signe, de setenta e sete anos de idade, retorna à sua cidade natal depois de cinquenta anos, quando retorna de sua missão de velejar pelo mundo todo. Enquanto velejava, ela observou e experienciou os impactos do aquecimento global. O outro personagem é David, que vive no futuro, e está fugindo de incêndios e vivendo em acampamentos com a filha Lou, enquanto busca a esposa e o bebê recém-nascido que se perderam deles nas fugas. Os capítulos se revezam, contando cada hora a história de um deles, e fica a sensação de que, em algum momento, de alguma maneira, as duas histórias vão se conectar.

Eu só fui saber as datas em que vivem estes personagens depois de ler a sinopse do livro no Goodreads (Signe vive em 2019 e David em 2041). Se você apenar ler o livro sem saber a sinopse, como eu, Lunde não dá nenhum indicativo dos períodos das narrativas. É possível entender que Signe vive numa época próxima à nossa e que David está no futuro, mas eu não consegui visualizar que era um futuro assim tão distante.

Por muitas vezes ao longo da leitura, eu me confundi sobre o que era o passado de Signe e o que era o passado de David. Essa confusão veio, sobretudo, pelo fato de que Lunde não foi capaz de construir vozes únicas para seus personagens - a voz de David e de Signe é a mesma. Não há variação no estilo, ou até mesmo no vocabulário, que os diferencie significativamente. Além disso, como a sensação iminente de que os dois vão se conectar, os deixa ainda mais próximos/parecidos, e por muitas vezes eu pensei que David era filho de Signe. Num dado momento da narrativa, minha cabeça tinha decidido que era, mesmo não sendo, tamanha a proximidade de vozes. Achei esse um importante ponto fraco da escrita de Lunde, que já tinha me frustrado também no outro livro dela que resenhei (link acima).

Dito isso, os capítulos de David são mais interessantes que os de Signe. A jornada de David e Lou me lembrou "A Estrada", de Cormac McCarthy. Gosto que a narrativa deles começa do meio, ou seja, quando esposa e bebê recém-nascido já não estão mais com eles, e eles chegam exaustos e famintos a um dos últimos acampamentos para sobreviventes da França. Também gosto do desgaste de David ao longo do enredo, e da crueza com que Lunde fala sobre traição, raiva, desonestidade e abandono. Porém, ainda assim, fiquei com a sensação de desperdício, de que Lunde não conseguiu alcançar o potencial dessa história como deveria, talvez por seu próprio despreparo enquanto escritora para temas mais pesados. 

As partes de Signe não me prenderam nem um pouco. Dezenas de descrições chatíssimas sobre como operar um barco. Eu quero ler uma história de ficção, não um manual de velejamento. Morri de tédio. E, em tese, a parte de Signe era fundamental para a história, pois é na sua infância que decisões importantíssimas são tomadas por sua mãe, decisões estas que, não apenas trazem o divórcio de seus pais, como impactam diretamente no ecossistema da Noruega - e fica implícito que ali começaram as decisões que aumentaram o aquecimento global pelo mundo. De novo, faltou técnica de Lunde para trazer a profundidade, a intensidade e o drama que o passado de Signe deveria ter.
No fim, virou uma história bobinha sobre uma senhora que retorna à cidade natal para encontrar o amor perdido da adolescência.

A ficção especulativa tinha tudo para ser incrível, mas não foi. Lunde traz uma perspectiva clichê sobre o aquecimento global que, apesar de relevante, já está batida e não prende a atenção. Há pouco conflito dos personagens com o seu entorno e mesmo a ambientação apocalíptica deixa a desejar. E, quando enfim as histórias se conectam, depois de uma longa e tediosa espera, o livro termina, sem mais nem menos. Fica uma sensação de anticlímax tremenda e, por isso, não é uma leitura que eu recomendo.

Spoiler: Signe deixa água em caixas na casa do seu amor de adolescência enquanto o assiste morrer, e David encontra estas caixas quase 30 anos depois, o que garante a sobrevivência (temporária) sua e de Lou. É isso.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 2/5

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