Já Li 175 - A Biblioteca da Meia-Noite, de Matt Haig


O tema das dimensões paralelas já foi bastante explorado na Literatura. Só aqui no Perplexidade e Silêncio, já tivemos a Série Firebird de Claudia Grey, um Top 5 especial sobre o assunto, "As Dez Mil Portas" de Alix E. Harrow e "Matéria Escura" de Blake Crouch. Como eu ainda não achei um livro que eu realmente gostasse da abordagem do tema, resolvi ler "A Biblioteca da Meia-Noite", de Matt Haig, e quem sabe encontrar uma sugestão de leitura. 

Publicado em 2020, "A Biblioteca da Meia-Noite" tem como protagonista Nora. Ela perde o emprego e o gato de estimação no mesmo dia, o que a leva a uma espiral de depressão, culminando com uma tentativa de suicídio. Enquanto está entre a vida e a morte, Nora se vê em uma biblioteca que contém os livros de todas as possíveis versões da sua vida. No prazo de um dia, ela deve percorrer seu livro de arrependimentos e várias versões de sua própria história, até que encontre onde está sua real felicidade. Caso ela não encontre, ela irá morrer na "vida raiz". E sim, já aqui podemos perceber que vamos nos deparar com todos os clichês de uma narrativa sobre dimensões paralelas, como "as possibilidades são infinitas" e "e cada decisão que você tomou, ou não, grande ou pequena, abriu um monte de dimensões paralelas possíveis da sua existência".

Logo de cara, tive dois problemas com  a obra.
O primeiro foi que achei pobre a contextualização do que levou Nora a uma tentativa de suicídio. Não me pareceu que Haig sabia do que estava falando, e achei que ele tratou de forma leviana um tema muito sério. Ele poderia ter escolhido outras maneiras de deixar Nora entre a vida e morte.
O segundo problema foi que não consegui descobrir quem é Nora. Haig nos dá uma lista de interesses e de coisas que ela gostaria de fazer/ser (cantora de rock, glaciologista, veterinária), mas em nenhum momento consegui me conectar com quem ela é. Nora é uma protagonista insossa e sem personalidade definida e, consequentemente, as interações dela com as dimensões paralelas também são sem graça. Aqui ressalto a diferença de tom para a Série Firebird, onde Margarite é uma personagem principal bem desenvolvida e bem marcada.
Outra coisa que para mim não fez sentido é Nora ter trinta e cinco anos de idade. Haig fez um trabalho tão ruim na construção dela que eu passei mais de metade do livro pensando em Nora como um adolescente recém saída do Ensino Médio. 

Quando Nora se vê na biblioteca, ela é recebida por Mrs. Elm, que era a bibliotecária de sua escola. Mrs. Elm tem o objetivo, no enredo, de explicar à Nora e ao leitor o funcionamento da biblioteca. Nora, então, começa a escolher livros, baseada em decisões que ela se arrepende na vida raiz, e assim começa a percorrer várias versões de si mesma. Nora se casa e se muda para a Inglaterra, ou se dedica à vida musical com seu irmão, ou se muda para a Austrália com a melhor amiga, ou vai estudar os glaciares na Noruega, ou se casa com o vizinho da frente, e assim por diante. E, lógico, ela não encontra a felicidade em nenhuma dimensão.

A leitura se torna maçante por vários motivos. 
Depois de dois ou três dimensões, já entendemos que ela não encontrará a felicidade em lugar nenhum, e fica cansativo ler um série de especulações que você sabe que não chegarão em lugar nenhum. O rumo do enredo é bastante previsível, e Haig parece não ter percebido isso. Lá pelo meio do livro, quando eu já não aguentava mais as versões de Nora, Haig acelerou o turbo e resolveu despejar um capítulo inteiro com mais de quinze dimensões que ela visitou, em uma tacada só. Chatíssimo e desnecessário.
Além disso, as lições de moral do livro são insuportáveis. Mrs. Elm carrega esse papel de instigar Nora a encontrar respostas para sua crise existencial, mas os diálogos e reflexões são muito entediantes. As frases motivacionais parecem ter sido tiradas de um livro ruim de autoajuda. 

Bom, o livro é tão clichê que nem considero um spoiler dizer que, claro, Nora encontra felicidade na vida que já estava vivendo antes, só porque, em uma das dimensões, ela viu que dois de seus vizinhos tinham futuros "ruins" sem as pequenas intervenções dela em seus cotidianos. E assim, por causa de dois semi-estranhos que ela sequer gostava, Nora recupera a vontade de viver. Por favor, visualizem uma careta de desgosto profundo no meu rosto.

Para não dizerem que fui amarga e não extraí nada positivo da leitura, gostei quando aparece o outro viajador de dimensões (Hugo? Não lembro o nome dele), e ele conta que, para ele, as dimensões se apresentam como fitas de vídeo na locadora que ia quando criança, e um tio muito querido seu está ali esperando por ele. Gostei de pensar que cada pessoa teria o seu próprio espaço - poderia ser uma galeria de arte, poderiam ser fotos em vez de livros, e assim por diante. Achei esse exercício de criatividade a única coisa válida da história toda.

Por isso, não é uma leitura que eu recomendo.
Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 2/5

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