Já Li #158 - Antes do Baile Verde, de Lygia Fagundes Telles



Ganhei de aniversário as obras completas de Lygia Fagundes Telles, o que me deixou muito contente e muito ansiosa por percorrer todos os seus livros. Comecei lendo a coletânea de contos "Antes do Baile Verde" e hoje trarei minha opinião sobre ela.

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Publicado originalmente em 1970, "Antes do Baile Verde" foi a obra responsável por trazer popularidade à Lygia. Na época, o Brasil passava pela terceira geração do Movimento Modernista, que foi influenciada por relevantes eventos políticos como a Ditadura, o fim da Era Vargas na presidência do país e a Guerra Fria. Assim, não é de se espantar que "Antes do Baile Verde" seja denso, sombrio, e por vezes violento (ainda que de forma sutil). É importante ressaltar que o livro esteve circulando na época da Ditadura Militar e, claro, em algum ponto do tempo, foi banido e proibido de ser reproduzido.

O livro traz dezoito contos, escritos ao longo de vinte anos (entre 1949 e 1969), e é surpreendente como Lygia mantém o estilo, o ritmo e o tom ao longo de todo esse tempo. Os contos parecem ter sido escritos um atrás do outro, de tão coesos que são. O fio que amarra todos os contos são os segredos das famílias de classe média brasileira, que vão de adultério ao assassinato, passando pela loucura. 
Outra característica do livro é que, pelo contexto histórico de quando ele foi publicado, Lygia precisou ser indireta em muitas mensagens que gostaria de passar, daí um uso maior de metáforas e analogias. Por exemplo, existe um forte simbolismo da cor verde ao longo dos contos, ora representando a morte e ora representando a vida. Inclusive, o conto que mais me marcou foi o que dá nome ao livro, onde uma moça discute com a empregada se deve deixar o pai, que está à beira da morte, para ir no baile de Carnaval, ao que a empregada diz que sim, mesmo correndo o risco de que ele morra enquanto elas estão fora.
Outro conto que me marcou foi Venha Ver o Pôr do Sol. Nas entrelinhas entendemos que Raquel abandonou Ricardo para se casar com um homem rico, e Ricardo marca um encontro com ela em um cemitério abandonado, onde ninguém pudesse os ver, alegando querer reconquistá-la. Eles vão se embrenhando no cemitério, até que Ricardo prende Raquel em uma cripta abandonada e a larga lá, trancada. Gente. Essa cena me perseguiu por dias, fiquei bem impressionada.

Os contos também tem uma característica marcante sua, que é o protagonismo feminismo, e uma coisa que me impressiona em Lygia é que, em poucas frases, já logo nos parágrafos iniciais do conto, ela é capaz de criar uma atmosfera muito marcante e muito profunda, cheia de detalhes e riqueza. Além disso, também gosto como os contos terminam no clímax da história, deixando o leitor sem saber o que acontece depois, a imaginação aberta para completar a narrativa como quisermos, mas com uma mensagem implícita de que, com certeza, o final foi ruim.

Mas preciso dizer que não foi uma leitura que me aqueceu o coração, e acho que a intenção de Lygia era exatamente essa. Os contos são opressores, trazem à tona o pior do ser humano, meio como Dostoiévski, só que de um jeito mais intimista, sensível e delicado. E fiquei surpresa pelos atos de violência ao longo dos contos, que vinham como um soco na cara no meio de sua narrativa poética e de suas personagens aparentemente frágeis. O livro tem um tom pessimista em relação à essência do ser humano, e como essa maldade se manifesta nas mais diversas formas.

É uma leitura que recomendo, com certeza.
Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 3/5

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