Já Li #159 - O Coração é o Último a Morrer, de Margaret Atwood

 


Ler Margaret Atwood é como voltar para casa. Sempre tenho a sensação de que estou lendo o jeito "certo" de escrever uma distopia, de retratar o ser humano e de prever o futuro. Hoje, falarei de "O Coração é o Último a Morrer", obra de 2015 relançada este ano pela Rocco.


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 "O Coração é o Último a Morrer" acompanha a vida de um casal, Charmaine e Stan, que vive em um carro fugindo de estupradores, ladrões e assassinos, enquanto tentam sobreviver em uma sociedade que encontrou o declínio econômico. Charmaine tem dois empregos que mal pagam pela comida enlatada que eles armazenam no carro, e Stan tem ficado cada vez mais depressivo e agressivo por causa da situação em que vivem. É neste contexto que Charmaine encontra um folheto de propaganda sobre Consilience, e decide inscrevê-los para um processo seletivo.

Consilience é um experimento social que oferece casa, emprego e alimentação de forma vitalícia, desde que as pessoas estejam sujeitas a algumas regras. A primeira delas é que, uma vez que você seja selecionado, você não pode mais deixar Consilience, sob uma punição que fica subentendida como a morte. Outra regra é que, em meses alternados, as pessoas deixam sua casa para os Substitutos, enquanto cumprem pena na prisão de Positron, que testa um novo modelo prisional onde os detentos trabalham e são bem cuidados. E a terceira regra é que ninguém pode conhecer seus Substitutos, em hipótese nenhuma. Positron parte do princípio que, na sociedade vigente, todos são culpados de alguma coisa, todos cometeram algum crime, e por isso todos merecem passar mês-sim-mês-não na cadeia.
Diante do cenário miserável em que Stan e Charmaine vivem, eles não se importam com estas regras, mesmo depois que Conor, o irmão de Stan, avisa que eles não sabem onde estão se metendo.

Charmaine rapidamente se ajusta à vida em Consilience, que é um simulacro dos Estados Unidos dos anos 50. Somente músicas e filmes desta época são permitidos, e o canal interno de TV apenas transmite os comunicados de Ed, o CEO de todo o projeto. Stan, por outro lado, não se deixa encantar pelos lençóis floridos e cercas brancas, e logo começa a ficar inquieto, lembrando das palavras do irmão. Neste estado de espírito, ele encontra um bilhete luxurioso de Jasmine para Max, que Stan conclui que sejam os Substitutos que moram na sua casa enquanto eles estão na prisão. A fantasia ao redor de Jasmine logo o consome.

O livro tem algumas reviravoltas, que não chegam a ser exatamente plot twists, mas que adicionam um certo suspense à narrativa. Uma delas é que, na realidade, Jasmine é o apelido de Charmaine, que conheceu o Substituto Max e agora tem um caso tórrido de sexo selvagem com ele. Charmaine tenta esconder o caso extraconjugal o máximo que pode, mas a esposa de Max, Jocelyn, que trabalha na Vigilância de Consilience, sabe de tudo e mostra os vídeos dos encontros para Stan, forçando-o a reproduzir a vida sexual de ambos enquanto Charmaine é mantida presa em Positron.
Daí em diante, Stan descobre que eles estão envolvidos em algo muito mais complicado do que apenas adultério. Atwood inventa robôs sexuais do Elvis Presley e da Marylin Monroe, bem como escravização sexual e tráfico de órgãos, e por aí vai. A narrativa toda desenvolve para um tom de absurdo, que é uma espécie de sátira de como o ser humano pode se tornar muito patético e corrupto quando sente que ninguém o está observando.

Eu não me importei muito com o personagem de Stan. Achei ele linear e meio raso, sem grandes aprofundamentos, e não entendi muito bem onde Atwood quis chegar com ele. No início, achei que ele ia se tornar o antagonista de todo o enredo, sobretudo quando ele descobre a traição de Charmaine, mas nada realmente acontece, e parece que ele nem se importa muito. Depois, mais adiante, quando Jocelyn explica toda a trama que está se passando nos bastidores, pensei que ele, então, se tornaria um herói, alguém que supera a corrupção da alma humana, mas nada acontece também. 
Já a Charmaine foi me ganhando aos poucos. No início, achei ela uma personagem meio chatinha, mas quando ficamos sabendo que é ela quem aplica o Procedimento (ou seja, mata as pessoas que não servem mais para Consilience), aí sim comecei a me importar com os rumos que a sua personagem tomaria. Porém, todavia, contudo, eu não gostei do final que Atwood deu para ela. Aliás, não gostei é pouco, eu detestei. Que potencial desperdiçado! Ela deveria ser a nova Jocelyn e iniciar algum tipo de revolução em Consilience.

Mas, ainda que com estes pontos de atenção, foi uma leitura que gostei e que recomendo.
Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 3/5

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