Desafio Livros pelo Mundo | Japão: 1Q84, de Haruki Murakami


O Desafio Livros pelo Mundo tem como objetivo divulgar a literatura fora do eixo EUA-Inglaterra e, assim, permitir que mais leitores conheçam novos escritores e novas culturas. No post de hoje, temos o vigésimo sexto país a fazer parte deste desafio, o Japão, com 1Q84 de Haruki Murakami.

Haruki Murakami é um dos escritores contemporâneos japoneses mais famosos. Seus livros tem sido traduzidos para mais de cinquenta idiomas e são reconhecidos com diversos prêmios literários. Ele começou no mundo literário traduzindo obras para o japonês, até que resolveu escrever suas próprias histórias. Murakami também foi dono de cafeteria e de uma casa de jazz, além de ser maratonista. 
Seu estilo de escrita é marcado pelas narrações em primeira pessoa, o que é algo característico dos romances japoneses chamados de i-novel. As i-novel são romances confessionais, em forma de diário ou cartas, que visam acentuar o individualismo e o isolamento dos seres humanos diante dos desafios que existem quando vivemos em sociedade. Esse gênero literário começou no Japão no final do século 19, quando o Japão ficou economica e politicamente mais aberto ao Ocidente/Europa e isso começou a afetar o comportamento e as emoções dos japoneses.

"1Q84" é uma distopia escrita por Murakami que, devido ao seu extenso tamanho (mais de 900 páginas) foi transformada em trilogia em alguns países, como aqui no Brasil. A história se passa em um ano ficcional de 1984 quando uma mulher chamada Aomame começa a notar estranhas mudanças ocorrendo no mundo. Ela é rapidamente arrebatada por uma trama envolvendo Sakigake, um culto religioso, e seu amor de infância, Tengo, e embarca em uma jornada para descobrir o que é "real". Logo, Aomame e Tengo descobrem que existem duas realidades - a de 1984 e a de 1Q84 - e ambos tentam entender qual delas é a verdadeira/original.
Assim, os capítulos se alternam, ora sendo narrados pelo ponto-de-vista de Aomame e ora sendo narrado por Tengo. Eu gostei mais das partes que eram narradas por Aomame, mas os trechos de Tengo são essenciais para entendermos essa dupla realidade que eles vivem.
Murakami se inspirou na obra "1984" de George Orwell, e também no fato de que, em japonês, o número 9 e a letra Q soam praticamente da mesma forma. 

O primeiro ponto que me chamou a atenção na leitura foi o ritmo de Murakami. Ele não tem pressa em desenvolver os elementos cruciais da trama e não se contenta em explicar as coisas uma vez só, ele vai explicar várias vezes. Esta característica de escrita talvez afaste os leitores que estão acostumados com as distopias atuais, cheias de ação e movimento. Então, é importante que o leitor entenda, desde o começo, que este livro é muito mais um romance do que uma distopia (na minha opinião). Isso me frustrou um pouco no início, mas depois me adaptei, e coloquei ele na gaveta de "livros de realismo mágico"
Também li algumas análises dizendo que o texto dele, em japonês, soa muito diferente do que em inglês - imagino que fique mais diferente ainda em português. Talvez isso seja algo que mereça ser considerado.

Isso me leva ao segundo ponto.
Este livro tem uma boa premissa mas uma execução não tão boa assim. O principal problema, para mim, que me desanimou em continuar lendo os outros volumes são os diálogos. Talvez seja apenas como os japoneses se comunicam e algo tenha se perdido na tradução, mas os personagens freqüentemente conversam uns com os outros de uma maneira que parece completamente não natural e fora do personagem. Eles trocam informações que obviamente já sabem e, em muitas ocasiões, um personagem fará uma declaração simples, e o outro dirá 'Você quer dizer que ...' e, em seguida, vai começar uma série sem fim de paráfrases ao qual o outro personagem responderá 'exatamente'. Isso foi se tornando muito chato ao longo da leitura.

Um terceiro ponto que não gostei muito foi a retratação das personagens femininas, que depois vim a saber que é uma novidade na escrita de Murakami, que costuma só retratar personagens masculinas. Bom, isso faz sentido, porque as personagens femininas são... estranhas, não no bom sentido. Embora o autor tenha tentado deixá-las longe dos clichês, ele acabou por transformá-las em ninfomaníacas que buscam no sexo amor ou redenção. Falta profundidade, delicadeza e entendimento do que faz uma personagem feminina ser digna de ser lida e, por mais que eu quisesse muito gostar de Aomame, não funcionou.
E aí adiciono o asco que senti quando Tengo começa a olhar para Eri com desejo e a forma como ele fala do relacionamento com a mulher casada. Para mim, tudo isso soou como uma misoginia velada e eu não engoli.

Por isso, infelizmente não é uma leitura que eu recomendo.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 

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