Recentemente, li um guia chamado O Livro do Feminismo (série "As Grandes Idéias de Todos os Tempos" #14 da Editora Globo Livros) e ele foi tremendamente inspirador. O guia traz obras e mulheres inspiradores desde o séc XV até os dias atuais e aprendi muitíssimo com ele. Por isso, separei seis obras que contribuíram para a história e a evolução do Feminismo ao longo dos anos que eu faço questão que você conheça. Hoje, falarei de "Memórias da Transgressão" de Gloria Steinem.
Quem é Gloria Steinem?
Gloria é uma ativista do Feminismo que vem trabalhando na causa desde os anos 60. Ela começou sua carreira como jornalista freelancer mas rapidamente percebeu que, por ser mulher, não ficaria com as melhores histórias e, mesmo que ficasse, seria criticada por "não escrever tão bem quanto um homem". Por isso, alguns anos depois, ela e mais diversas mulheres que sofriam o mesmo preconceito na época se juntaram e fundaram a NWPC (National Women's Political Caucus), cujo principal objetivo era provocar uma revolução, sobretudo na sociedade americana, falando sobre sexo, raça, política e economia sob o ponto-de-vista das minorias. A partir daí, Gloria foi ganhando respeito e credibilidade como uma das maiores feministas da Segunda Onda.
"Memórias da Transgressão" (1983)
Escolhi "Memórias da Transgressão" porque ele é, em parte, uma ótima autobiografia de Gloria e, também, porque ele nos permite conhecer melhor a história do próprio Feminismo, através das experiências não apenas de Gloria como também das mulheres que ela retrata ao longo da narrativa.
Este livro é um compilado de muitos artigos, ensaios e discursos que Gloria fez ao longo de sua jornada como ativista, começando nos anos 60. Assim, à altura em que ela reuniu os textos para este livro, ela já estava há mais de vinte anos lutando pelos direitos das mulheres, o que traz um repertório bastante interessante e vasto para seus relatos.
O livro consiste em alguns capítulos organizados livremente em torno das viagens de Gloria - principalmente nos EUA - e muitas, muitas pessoas com quem ela conheceu e com quem conversou e suas histórias. Ela descreve conversas com taxistas, comissários de bordo, estudantes de faculdades de elite e estudantes de escolas estaduais de baixa renda, motoristas de caminhão, garçonetes e muitos outros. Além disso, Gloria é uma excelente escritora e seus textos tem um bom ritmo, o que me deixou muito entretida como leitora.
Separei, abaixo, os capítulos que mais gostei.
Pornografia: Gloria critica a pornografia, que distingue da erótica, escrevendo: "A erótica é tão diferente da pornografia quanto o amor é do estupro, a dignidade é da humilhação, a parceria é da escravidão, o prazer é da dor". Gostei muito do seu ponto-de-vista, onde ela defende que a pornografia é mais uma forma de violência contra a mulher, permitindo e "oficializando" perante os olhos do público o direito de subjugar e dominar as mulheres, reforçando o patriarcalismo em suas formas mais cruéis. Estou contigo e não abro, Glorinha.
Transgêneros: Ela também escreveu que, embora apoiasse o direito dos indivíduos de se identificarem como quisessem, ela alegou que, em muitos casos, os transexuais "mutilam cirurgicamente seus próprios corpos" para se conformarem a um papel de gênero inexoravelmente ligado a partes do corpo físico. O artigo concluiu com o que se tornou uma das citações mais famosas de Gloria: "Se o sapato não couber, devemos mudar o pé?" . Atualmente, estas suas noções acabaram sendo deturpadas e, muitas vezes, Gloria é tida como uma ativista contra os transgêneros mas, quando lemos e refletimos sobre sua perspectiva, vemos que não é bem por aí.
Marylin Monroe: Gloria escreve um texto muito bonito fazendo um paralelo entre os sofrimentos de Marylin, mostrando que muitos deles foram produtos da sociedade patriarcalista e do machismo da época e concluindo que, hoje, possivelmente, Marylin teria conseguido atingir seu potencial tanto artístico como enquanto mulher. Eu sou muito fã de Marylin e, por isso, fiquei levemente emocionada neste capítulo.
E, por fim, o meu preferido. Gloria imagina como seria o mundo "Se os homens menstruassem". O livro vale a leitura só por este capítulo. Ela coloca uma boa dose de sarcasmo no artigo e já o começa dizendo que, se os homens menstruassem, eles competiriam entre si para ver quem teria o maior fluxo ou quem aguentaria a cólica mais dolorida. Ela vai além, postulando que absorventes seriam oferecidos gratuitamente pelo Governo e que as mulheres seriam vistas como seres ainda mais inferiores, porque não seriam fortes o suficiente para sangrar todos os meses. Eu adorei cada parágrafo desse artigo.
Há ainda bastante conteúdo sobre a política dos Estados Unidos e, também, o famoso artigo onde ela trabalha como Coelhinha da Playboy por um tempo.
De forma geral, eu adorei a leitura deste livro. Gloria me fez entender, de um jeito didático e, ao mesmo tempo, intrigante, a história do Feminismo e como este movimento nos acompanha há décadas, enfrentando os obstáculos e ganhando força geração a geração.
Terminei a leitura bastante inspirada e recomendo fortemente sua leitura.
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