Literatura de Res-Peito | O Poder, de Naomi Alderman


O desafio Literatura de Res-Peito tem como objetivo falar de livros com um forte protagonismo feminino, escritos por mulheres à frente de seu tempo e que tratem de assuntos polêmicos, feministas e importantes para a evolução do papel da mulher na sociedade. Hoje, o livro participante do desafio é "O Poder" de Naomi Alderman.

Falei um pouco sobre a escritora Naomi Alderman em duas oportunidades aqui no blog. Para ler a respeito, navegue nos links abaixo:

"O Poder" foi publicado em 2016, mas ficou mundialmente conhecido depois que Naomi ganhou o "Baileys Women's for Fiction" no ano seguinte, que é o prêmio literário inglês mais prestigiado. 
Este livro é uma estória dentro da outra. Um autor fictício chamado Neil Adam Armon escreve um manuscrito cinco mil anos depois de um fenônemo que atingiu todas as mulheres do Planeta. Neil coleta fatos e relíquias que corroboram com suas teorias e apresenta este manuscrito a Naomi, uma personagem também fictícia com quem Neil troca idéias e pede sugestões.
Assim, a estória que lemos, na verdade, é o estudo sociológico e histórico teorizado por Neil.
A troca de correspondências com Naomi aparece de forma breve no início e no fim do livro, sem oferecer maiores explicações ao leitor.

Assim, cinco mil anos antes, algumas mulheres começam a apresentar o Poder: elas conseguem gerar descargas elétricas com o próprio corpo, através de uma trama (como se fosse uma teia de aranha) que fica entre as suas escápulas. No começo, as mulheres com o Poder são poucas e ele aparece em momentos de risco de vida como, por exemplo, quando a mulher está sendo estuprada ou abusada psicologica e emocionalmente por algum homem. Depois, o Poder vai se disseminando, e mais e mais mulheres o apresentam, agora em situações mais cotidianas e colocando em risco a segurança de outras pessoas. Dali um tempo, as mulheres mais novas transmitem o Poder às mulheres mais velhas, e todas as meninas já nascem com a trama e emitindo faíscas pelos dedos.

Dentro desse contexto, a narrativa de Neil segue a jornada de Allie, Roxie, Margot, Jocelyn e Tunde, o único protagonista homem do livro, abrangendo um período de cerca de dez anos. Ou seja, Neil relata o início de uma nova era da Humanidade, sendo que ele próprio já vive nesta era - afinal, seu manuscrito está sendo desenvolvido cinco mil anos depois que estas personagens iniciaram a revolução.

Allie (Mãe Eva) é uma orfã que mata o pai adotivo com o Poder quando ele entra em seu quarto para o estupro diário que cometia. Roxie vem de uma família numerosa, composta apenas de homens, todos criminosos violentos, e descobre seu Poder quando vê sua mãe ser morta. Margot e Jocelyn, mãe e filha, descobrem o Poder juntas e embalam em uma carreira política e militar. Tunde é jornalista e cobre os fenônemos do Poder ao redor do mundo, documentando a progressiva escalada de crueldade e violência. Os capítulos se alternam, oferecendo a perspectiva de cada personagem e mostrando como, aos poucos, eles foram as forças principais que estabeleceram o novo governo no planeta - Allie na religião, Roxie na sociedade civil e Margot na política e no militarismo.

Mas este é um livro que talvez não agrade a todos. Explico.
Mulheres abusadoras, violentas e cruéis: a premissa de Naomi Alderman com este livro é mostrar que, independente do gênero, quando alguém tem um Poder nas mãos, a pessoa irá utilizá-lo. No início, as mulheres ficam entusiasmadas e fortalecidas com a descoberta do que podem fazer e, assim, vêem uma oportunidade de reverter anos e anos de subjugação ao patriarcalismo. Porém, conforme o tempo vai passando, as mulheres ficam mais e mais sedentas pelo poder e, com isso, começam a se tornar cruéis. E, pela primeira vez, me deparei com cenas de estupro contra os homens, por exemplo. 

Homens como seres frágeis que precisam de proteção: Ao longo do livro, o jornalista Tunde documenta uma série de movimentos e protestos pedindo pela proteção aos homens que, agora, são vítimas de violência doméstica, não possuem bens aquisitivos e nem sequer podem sair de casa para comprar pão sem a autorização escrita de uma mulher. Naomi Alderman inverte completamente a polaridade da sociedade, o que tem seus méritos e seus deméritos.

Assim, por um lado, há algo de libertador e empoderador nas mulheres que soltam relâmpagos, fazem jogos sexuais com descargas elétricas e chegam aos mais altos postos do governo. Por outro lado, quando as mulheres se tornam tudo aquilo que criticamos no patriarcado, a boca fica amarga. 
Não é difícil perceber que isso gera uma baita discussão. Se você quer acompanhar uma boa polêmica, recomendo os comentários postados na página do livro no Good Reads. Você verá coisas assim:


E, se você reparar, não coloquei este livro na categoria de Distopia. Em uma das entrevistas de divulgação deste livro, quando perguntaram a Naomi Alderman como tinha sido para ela a experiência de escrever uma distopia, ela respondeu: "The only people who think this novel is dystopian are men. Because women already live with it every day."

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 

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