A resenha de hoje é um romance muito bem escrito de Celeste Ng, chamado "Tudo o que eu nunca contei". Este é o segundo livro que leio da autora, depois que devorei o ótimo "Pequenos Incêndios por toda a Parte".
Uma das características da escrita de Celeste Ng é sua capacidade de mudar o ponto-de-vista da narrativa no meio de um parágrafo, sem a clássica divisão de uma personagem por capítulo, como estamos acostumados a ver. Assim, se o leitor está desatento, ele pode não perceber que a narrativa passou a ser contada sob a perspectiva de outra personagem. Assim, em uma mesma cena, temos a visão de todas as personagens presentes nela, como se houvesse uma câmera girando em 360 graus e nos dando uma imagem completa da situação.
"Tudo o que eu nunca contei" foi publicado em 2014 e é seu primeiro livro publicado. Depois de seis anos trabalhando no enredo e muitos rascunhos, Celeste finalmente se sentiu confiante em publicá-lo.
Curiosamente, a protagonista do livro já inicia morta na estória. Lydia Lee desaparece misteriosamente e, depois de algumas buscas da polícia, é encontrada morta no lago da cidade. A partir disso, a narrativa gira em torno da reação da família à sua morte, com alguns flashbacks que talvez expliquem o real motivo da mesma.
Lydia é descrita como uma menina solitária, que finge ter algumas amigas para acalmar a ansiedade do pai, que teme que ela seja excluída da sociedade como ele próprio foi. Ela também enverga sob as pressões da mãe, que a força a ser uma médica ou uma cientista quando crescer, projetando na filha as suas próprias frustrações. Seu único alívio é a amizade que constrói com Jack, um vizinho visto como "pegador e drogado" pela comunidade.
Lydia é a filha do meio da família Lee. Sua mãe, Marilyn, casou-se com o americano descendente de chineses James, quando ambos estavam na universidade. Seus três filhos - Hannah, a caçula, Lydia e Nathan, o mais velho, nasceram com traços asiáticos e, por isso, eles se sentem excluídos na escola, são alvo de bullying e não conseguem se enturmar. Até mesmo James sofre com o preconceito. Neste ponto, a narrativa se desdobra e fala um pouco dos conflitos de cada membro da família.
Marilyn tem um surto de Mrs. Dalloway e decide abandonar a família, depois da morte de Lydia e das sucessivas brigas com James, que acredita que a filha se suicidou no lago. James começa um caso extraconjugal com sua assistente Louisa (uma personagem que, infelizmente, foi muito mal aproveitada por Celeste Ng e poderia ter ganhado mais espaço). Nathan acredita que o namorado de Lydia, Jack, é o responsável por sua morte, e fica obcecado por vingança.
Mas minha personagem favorita é Hannah. A caçula da família é claramente negligenciada pelos pais, mesmo antes da morte de Lydia, e está acostumada a não ganhar nenhuma atenção ou carinho de ninguém. Hannah é uma criança doce que faz de tudo para agradar à família. Ela também é muito observadora e sensível e é única pessoa que realmente entende o que aconteceu com Lydia, assim como também entende claramente os sentimentos de seus pais e seu irmão. Hannah é poética, delicada e melancólica e, por mim, o livro seria só sobre ela.
É um livro bastante denso, embora o estilo de escrita de Celeste não o faça parecer. Ela aborda questões muito profundas sobre as relações familiares e o quanto estas relações afetam o desenvolvimento emocional e psicológico de todos. É uma leitura que eu recomendo, para quem gosta de romances onde os eventos internos são mais importantes e relevantes do que os eventos externos do enredo.
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