Desafio Livros pelo Mundo | Gana: O Caminho de Casa, de Yaa Gyasi


O Desafio Livros pelo Mundo tem como objetivo divulgar a literatura produzida fora do eixo EUA-Inglaterra, para que os leitores conheçam outras culturas e histórias. Dezenove países já passaram pelo desafio e, hoje, o vigésimo país é Gana, com o tocante "O Caminho de Casa" de Yaa Gyasi.


Yaa Gyasi nasceu em Gana mas, depois, na infância, mudou-se para os Estados Unidos com a família, onde começou a sentir os preconceitos por ser negra e imigrante. Alguns anos depois, já formada na universidade, Yaa Gyasi decide retornar à Gana, onde tem a inspiração para seu primeiro livro, "O Caminho de Casa", lançado em 2016.

"O Caminho de Casa" é um romance histórico sobre a escravidão dos negros em Gana e a evolução socioeconômica dos africanos, começando no século XVIII e terminando no século XX. A cada capítulo, surgem novas personagens e novas estórias, mas todas as personagens estão conectadas pela árvore genealógica. Assim, acompanhamos todas as gerações de uma mesma família ganense e suas ramificações.

Estas gerações tem origem em Maame no século XVIII, uma mulher Ashanti (ou Asante), um grupo étnico de Gana que fala o dialeto twi e é conhecido como "o grupo da guerra". Maame é escravizada pelos Fante, uma ramificação do grupo étnico Akan que fixou domínio no sul de Gana. Os Fante, querendo garantir um futuro próspero para sua população, fez um acordo com a Inglaterra e, neste acordo, eles começaram a comercializar escravo. Desta forma, os Fante capturavam ganenses de outros grupos étnicos e os vendiam para os ingleses, que os levavam como escravos de volta para a Inglaterra. Muitas guerras entre os Ashanti e os Fante aconteceriam por causa do tráfico de escravos mas, cem anos depois, Fante consegue sua sonhada independência e prosperidade.

Maame, ao fugir dos Fante, deixa para trás duas filhas e uma delas, Effia, é a protagonista do capítulo seguinte. Naquela época, os homens Ashanti tinham mais de uma esposa e Effia passa a ser criada por outra esposa de seu pai, chamado Cobbe. Esta outra esposa, Babba, não gosta de Effia e arma uma situação para que ela seja levada embora pelo inglês James Collins que, encantado com a beleza de Effia, decide não escravizá-la. 

Maame, posteriormente, casa-se novamente e tem mais uma filha, Esi. O capítulo de Esi foi um dos mais difíceis de ler pois, tornada escrava, acompanhamos a desumanidade dos navios negreiros, a crueldade dos ingleses, as atrocidades que acontecem com as escravas e suas dificuldades de sobrevivência. Esi arrancou lágrimas de mim, confesso.

Os capítulos seguintes são desdobramentos dos descendentes de Effia e Esi. Os filhos de Effia se estabelecem na região da colônia britânica de Costa do Ouro, que só conseguiu sua independência da Inglaterra em 1957. Já os filhos de Esi são concebidos nos Estados Unidos, onde elementos biográficos de Yaa Gyasi se misturam com a ficção, mostrando a vida dos negros no Alabama e a vida sofrida nas minas de carvão.

Na imagem abaixo, há todas as árvores genealógicas que compõem a estória de "O Caminho de Casa". Os nomes em negrito são das personagens protagonistas dos capítulos da obra.


Para mim, a grande poesia do enredo - atenção, spoiler chegando! - é que Marjorie e Marcus, os últimos descendentes das duas linhagens, acabam se encontrando nos Estados Unidos e se apaixonam, a despeito de toda a distância e de toda a história das suas famílias. Este encontro dá a entender que eles começarão uma nova árvore genealógica dos ganenses, agora já distanciados de suas raízes, mas ainda sofrendo preconceito e discriminação, mesmo depois de duzentos anos do término da escravidão. Acredito que este seja o tema principal da obra de Yaa Gyasi, a perpetuação da discriminação por muitas gerações, impedindo o crescimento profissional, social e econômico dos negros.

Do ponto-de-vista histórico, o livro é uma verdadeira aula, muito mais interessante e relevante do que as aulas que temos na escola. Yaa Gyasi se preocupou com a veracidade de cada data, evento e acontecimento do período que se propôs a narrar, tornando a estória densa, profunda e reveladora. Além disso, temos a História contada da perspectiva dos oprimidos, os ganenses, e não contada da perspectiva dos opressores, os ingleses, como normalmente acontece. Por isso, o livro nos faz pensar e refletir sobre tudo o que achamos que sabemos.

Adicione a isso uma carga emocional forte, pois Yaa Gyasi não poupa palavras quando vai falar de violência, sexo e degradação. Seu estilo de escrita é belíssimo e, em muitos trechos, me lembrou Chimamanda N. Adichie, o que é um baita elogio.

Por isso, é uma leitura que recomendo muito e foi um dos melhores livros do Desafio Livros Pelo Mundo que li até agora.

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