A obra da paulista Andréa del Fuego me encantou tanto que terminei "A Pediatra" em dois dias, e com certeza é uma sugestão de leitura.
Filósofa formada pela USP, Andréa adotou o pseudônimo "del Fuego" em homenagem à Dora Vivacqua (Luz del Fuego), atriz, escritora e feminista brasileira dos anos 1940-1950.
Publicado em 2021, "A Pediatra", narrado em primeira pessoa, conta a história de Cecília, uma pediatra que odeia crianças - e suas mães. Diariamente, em seu consultório, ela atende seus pacientes com eficiência e frieza, logo encaminhando-os para outros profissionais para se livrar de doenças complexas e crônicas. Cecília também dá apoio a obstetras em partos com sua usual precisão médica, e com um sentimento permanente de deboche pelas mães e pela maternidade. A falta de conexão emocional também se estende ao pai, também médico pediatra, que atende em uma outra clínica no mesmo prédio, e à mãe, que ela mal menciona ou pensa sobre.
Publicado em 2021, "A Pediatra", narrado em primeira pessoa, conta a história de Cecília, uma pediatra que odeia crianças - e suas mães. Diariamente, em seu consultório, ela atende seus pacientes com eficiência e frieza, logo encaminhando-os para outros profissionais para se livrar de doenças complexas e crônicas. Cecília também dá apoio a obstetras em partos com sua usual precisão médica, e com um sentimento permanente de deboche pelas mães e pela maternidade. A falta de conexão emocional também se estende ao pai, também médico pediatra, que atende em uma outra clínica no mesmo prédio, e à mãe, que ela mal menciona ou pensa sobre.
Após um divórcio há muito tempo esperado por ela, Cecília se envolve com um homem casado e, pouco depois, se vê como parte da equipe que irá cuidar do parto de sua esposa. Seus sentimentos por ele não são intensos tampouco apaixonados, mas a situação muda quando Cecília conhece o filho deles (agora já crescido com dois anos de idade, o mesmo que ela ajudou a parir), Bruninho. Cecília adquire uma obsessão pelo menino, perseguindo-o pelo bairro e fazendo amizade com a babá, para poder passar mais tempo com ele. Cecília não entende porque logo ele lhe despertou estes sentimentos, já que nunca havia se interessado por criança nenhuma.
Em paralelo, ela passa por uma crise profissional, pois sua colega obstetra a substitui por uma doula. A forma como Cecília debocha das doulas, das mães "good vibes" que fazem Pilates e Yoga, e de todo este universo da medicina não-tradicional e do parto humanizado é muito bem escrito.
E esse é o grande mérito da obra, o estilo narrativo adotado por Andréa. Nós lemos os fluxos de pensamento de Cecília tais quais eles são, ou seja, sem edição para soarem menos ferinos, sem filtros e sem medo do politicamente incorreto, que é justamente o que faz de Cecília uma personagem tão possível e tão real. Os eventos se desenrolam de maneira dinâmica e eu não conseguia parar de ler.
A representação de todo o desprezo que sente pelas mães e pelas crianças cai na personagem da sua empregada doméstica, Deise. Deise engravida de seu cunhado, usando o quartinho dos fundos do apartamento de Cecília como ponto de encontro. Apesar de pediatra, Cecília não se importa em nada com a gravidez de Deise, nem quando esta começa a beber. Cecília só se vincula à Deise na medida em que tem vontade de "experimentar o cunhado segurança de pizzaria", e nada mais.
Quando a obsessão por Bruninho começa, suas ações, ainda que delirantes, são absurdamente pragmáticas e visam tão somente satisfazer seus interesses mais imediatos, muitos deles frívolos e antiéticos. Cecília não se preocupa com o impacto de suas ações nos outros e, no final da história, ela acaba por se tornar tudo aquilo que ela mais desprezava nas mães que atendia. A ironia do desfecho é maravilhosa, e eu não definir se fiquei feliz ou triste por ela.
Ela se vale de sua aparência - médica, branca, discreta, educada, eficiente - para conseguir levar a cabo as suas ações, o que aqui sugere uma crítica social de Andréa.
Ela se vale de sua aparência - médica, branca, discreta, educada, eficiente - para conseguir levar a cabo as suas ações, o que aqui sugere uma crítica social de Andréa.
Ácida, racional e distante, Cecília é uma personagem maravilhosamente bem construída e uma narradora sensacional para a história. Cecília é uma vilã que amamos odiar. Sarcástica, vil, indiferente à dor humana mas muito autêntica.
Amei a leitura e quero conhecer outras obras da autora. Com certeza recomendo a leitura.
Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 4/5