Perplexidade e Silêncio
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No post de hoje, falarei sobre uma obra que estava na minha lista de leitura há bastante tempo, e somente agora tive a oportunidade de ler: A Parábola do Semeador, de Octavia E. Butler.

Aqui no Perplexidade e Silêncio, também temos a resenha de Kindred, que pode ser lida aqui.

"A Parábola do Semeador", publicado em 1993, é classificado por Butler como uma ficção especulativa, uma vez que a história se passa entre 2024 e 2027 e é como a autora acreditava, na época, que seria o futuro da Humanidade, e particularmente dos Estados Unidos. Ler este livro em 2025 faz a gente pensar que talvez Butler esteja certa.

A protagonista, Lauren Olamina, e sua família vivem em um dos únicos bairros seguros que restam nos arredores de Los Angeles. O pai de Lauren, um pregador, e um punhado de outros cidadãos tentam salvar o que resta de uma cultura que foi destruída por drogas, doenças, guerras e escassez crônica de água. Enquanto seu pai tenta guiar as pessoas no "caminho certo", Lauren luta contra a hiperempatia, uma condição que a torna extraordinariamente sensível à dor alheia. Quando um incêndio destrói o bairro, a família de Lauren morre e ela é forçada a sair para um mundo repleto de perigos. Com um punhado de outros refugiados, Lauren precisa seguir seu caminho para o norte em busca de segurança, ao longo do caminho concebendo uma ideia revolucionária - uma religião - que ela acredita que pode salvar toda a humanidade.

O primeiro ponto sobre este livro é que ele é bastante violento. Se você é uma pessoa mais sensível, talvez não goste da leitura, pois temos o combo completo: assassinatos, estupros, canibalismo, abuso infantil, e por aí vai. Não existem momentos de respiro na narrativa, pois é desta maneira que Butler consegue entregar ao leitor exatamente como é a realidade de Olamina, sem pausas para descanso e até mesmo sem esperanças sobre a Humanidade. Então, esteja avisado quando começar sua leitura de que há vários trechos que embrulham o estômago.

Grande parte da ruína da sociedade parece ter sido causada pela devastação ambiental, que por sua vez causou devastação econômica e política. Água poluída, produtos químicos tóxicos, experimentos farmacêuticos (e científicos) fracassados, resultando em drogas perigosas e viciantes. O livro de Butler é um alerta assustador contra a pressão extrema sobre as demandas de consumo.
As corporações dominam certos setores da sociedade e fornecem proteção e infraestrutura para aqueles que podem pagar. Políticas punitivas de dívida e políticas de emprego estão em vigor, prejudicando indivíduos, mas beneficiando empresas. Soa familiar.

Olamina é uma agente de mudança. Com 18 anos recém completados, ela não está disposta a virar as costas para a realidade. Em vez disso, ela aprende por meio de livros tudo o que pode aprender e se prepara para o que sabe e teme que esteja por vir. A garota é uma espécie de profetisa de uma nova religião e filosofia. Sua crença é "Deus é Mudança", e ela sai para pregá-la. A criação da religião é um veículo para que a história de Lauren seja contada e para que a esperança seja semeada entre seus seguidores.

Neste contexto de fim do mundo, Butler especula que a maioria das pessoas ignoraria a seriedade da situação e tentaria cuidar de suas vidas cotidianas, sem se preparar e sem aprender. Agora, num mundo pós-pandemia, podemos afirmar que Butler estava certa. Através de Olamina, acredito que Butler traga a reflexão de que, por mais assustador que seja imaginar que o mundo como o conhecemos está acabando, a mudança é necessária para a sobrevivência. É disso que trata este livro – mudança, adaptação e trabalho em conjunto em comunidade para sobreviver. Uma leitura que eu super recomendo para nós que estamos à margem de um apocalipse.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 3/5

 

Em 2019 (no momento que escrevo este post, há seis anos), eu li o primeiro volume de Stormlight Archives, "O Caminho dos Reis" de Brandon Sanderson, e não gostei. Na época, a obra ainda não havia sido publicada em português, e a li em inglês e no Kindle - uma tarefa que não foi prazerosa, sobretudo quando falamos de um livro de mais de 1200 páginas. Desde então, eu tinha decidido que não continuaria a ler a saga, até que a Editora Trama trouxe a obra para o Brasil e meu coração fanático por Sanderson me pediu para lhe dar uma segunda chance. 

Para quem não sabe, eu auto-proclamei o Perplexidade e Silêncio como o blog oficial de resenhas dele, pois sou muito fã de seu trabalho, e você pode navegar pelos quase 30 posts sobre ele.

Antes de comparar minha opinião atual com a primeira resenha deste livro, um breve contexto sobre a história de "O Caminho dos Reis". A história por trás do romance gira em torno de desastres recorrentes conhecidos como Desolações, onde monstruosos Esvaziadores devastam o mundo e a sobrevivência humana está em jogo. Para combater a ameaça, os Cavaleiros Radiantes (assim chamados por sua aura e olhos brilhantes) lutam contra os Esvazadores usando armaduras e espadas mágicas conhecidas como Fractais. A Desolação mais recente, que ocorreu milhares de anos antes dos eventos principais do romance, era considerada a última e se tornou tema de mitos e lendas. As armaduras e espadas descartadas pelos Cavaleiros Radiantes permanecem como algumas das relíquias de família mais inestimáveis, e todo o mundo de Roshan vive ao redor de guerras pela conquista das Fractais.
Recomendo que você leia o post anterior (a primeira resenha), pois ali explico mais sobre os personagens e sobre o enredo, e não pretendo repetir todas as informações aqui.

Da primeira vez que li, minha personagem favorita foi Shallan, e torci bastante por ela ao longo da leitura. Porém, agora na segunda leitura, embora eu continue gostando dela, já não a considero minha personagem favorita. As interações com Jasnah, sua mentora, são interessantes, mas me peguei pensando que acho que elas não criaram uma relação tão profunda assim para que Shallan sentisse peso na consciência por trair a mentora. Acredito que a ligação entre elas poderia ter sido mais trabalhada, até mesmo para justificar a reação de Jasnah quando descobre que Shallan a roubou. Contudo, os capítulos dedicados às duas são um respiro na trama, e também permitem que os leitores entendam mais sobre a história de Roshan, através das descobertas de Shallan em seus estudos.

Desta vez, meu personagem preferido é Dalinar - quem diria! Na primeira leitura, eu mal registrei ele como um personagem interessante, e achei super maçante os momentos em que ele aparecia com seus "delírios" - cheguei até a cogitar pular os capítulos dele. Porém, agora, eu adorei o arco de Dalinar, um dos poucos homens honrados que restaram em um mundo devastado pela guerra, tido por todos como maluco e senil mas, que no fundo, tinha todas as respostas para os mistérios dos Radiantes, assim como uma alma de pacifista. Quando seu filho, Adolin, o confronta, senti raiva e vontade de proteger Dalinar, tamanha minha conexão com o personagem.

Também me conectei mais a Kaladin. Da mesma forma que na primeira leitura, lá pela página 900/1000, fiquei um pouco cansada de ler sobre as incursões de ponte, mas nem de perto senti o tédio da primeira leitura. A construção não apenas de Kaladin, mas de toda a equipe da Ponte Quatro, é incrível, e Sanderson mais uma vez se prova como um excelente escritor de personagens e grupos. Passei a me importar mais sobre a Ponte Quatro nesta leitura, e também prestei mais atenção em Syl, que a mim passou quase desapercebida da outra vez. 

Os interlúdios funcionaram muito mais para mim, desta vez. Na primeira leitura, eles só serviram para me deixar ainda mais confusa, pois eu não tinha conseguido entender a cronologia dos eventos ali apresentados. Nesta segunda leitura, achei os interlúdios um artificio muito inteligente de Sanderson, pois eles permitem ao leitor um espaço para digerir e refletir sobre todos os eventos anteriores, assim como expande o universo mágico que ele criou. Gostei, sobretudo, dos capítulos dedicados a Szeth, e espero que ele apareça mais nos próximos livros.

Alguns pontos seguem misteriosos e confusos para mim, mesmo após uma segunda leitura: ainda não entendo muito bem como funcionam os abismos e as pontes (tive e tenho dificuldade de imaginar essa parte do enredo, mesmo com o auxílio das excelentes ilustrações que foram adicionadas ao longo do livro), também não captei ainda a diferença entre os parshemanos e os parshemandianos, a configuração geográfica de Roshan e seus outros povos. Mas imagino que tudo isso ficará claro ao redor dos próximos volumes - porque sim! agora pretendo dar andamento na leitura dos próximos volumes, e estou animadíssima que muitos livros com mais de 1000 páginas me esperam, já que sigo orfã do nono volume de "A Roda do Tempo". 

Brandon Sanderson, o problema nunca foi você. 

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 4/5

 

A obra da paulista Andréa del Fuego me encantou tanto que terminei "A Pediatra" em dois dias, e com certeza é uma sugestão de leitura.

Filósofa formada pela USP, Andréa adotou o pseudônimo "del Fuego" em homenagem à Dora Vivacqua (Luz del Fuego), atriz, escritora e feminista brasileira dos anos 1940-1950. 
Publicado em 2021, "A Pediatra", narrado em primeira pessoa, conta a história de Cecília, uma pediatra que odeia crianças - e suas mães. Diariamente, em seu consultório, ela atende seus pacientes com eficiência e frieza, logo encaminhando-os para outros profissionais para se livrar de doenças complexas e crônicas. Cecília também dá apoio a obstetras em partos com sua usual precisão médica, e com um sentimento permanente de deboche pelas mães e pela maternidade. A falta de conexão emocional também se estende ao pai, também médico pediatra, que atende em uma outra clínica no mesmo prédio, e à mãe, que ela mal menciona ou pensa sobre. 

Após um divórcio há muito tempo esperado por ela, Cecília se envolve com um homem casado e, pouco depois, se vê como parte da equipe que irá cuidar do parto de sua esposa. Seus sentimentos por ele não são intensos tampouco apaixonados, mas a situação muda quando Cecília conhece o filho deles (agora já crescido com dois anos de idade, o mesmo que ela ajudou a parir), Bruninho. Cecília adquire uma obsessão pelo menino, perseguindo-o pelo bairro e fazendo amizade com a babá, para poder passar mais tempo com ele. Cecília não entende porque logo ele lhe despertou estes sentimentos, já que nunca havia se interessado por criança nenhuma.

Em paralelo, ela passa por uma crise profissional, pois sua colega obstetra a substitui por uma doula. A forma como Cecília debocha das doulas, das mães "good vibes" que fazem Pilates e Yoga, e de todo este universo da medicina não-tradicional e do parto humanizado é muito bem escrito. 
E esse é o grande mérito da obra, o estilo narrativo adotado por Andréa. Nós lemos os fluxos de pensamento de Cecília tais quais eles são, ou seja, sem edição para soarem menos ferinos, sem filtros e sem medo do politicamente incorreto, que é justamente o que faz de Cecília uma personagem tão possível e tão real. Os eventos se desenrolam de maneira dinâmica e eu não conseguia parar de ler.

A representação de todo o desprezo que sente pelas mães e pelas crianças cai na personagem da sua empregada doméstica, Deise. Deise engravida de seu cunhado, usando o quartinho dos fundos do apartamento de Cecília como ponto de encontro. Apesar de pediatra, Cecília não se importa em nada com a gravidez de Deise, nem quando esta começa a beber. Cecília só se vincula à Deise na medida em que tem vontade de "experimentar o cunhado segurança de pizzaria", e nada mais. 

Quando a obsessão por Bruninho começa, suas ações, ainda que delirantes, são absurdamente pragmáticas e visam tão somente satisfazer seus interesses mais imediatos, muitos deles frívolos e antiéticos. Cecília não se preocupa com o impacto de suas ações nos outros e, no final da história, ela acaba por se tornar tudo aquilo que ela mais desprezava nas mães que atendia. A ironia do desfecho é maravilhosa, e eu não definir se fiquei feliz ou triste por ela. 
Ela se vale de sua aparência - médica, branca, discreta, educada, eficiente - para conseguir levar a cabo as suas ações, o que aqui sugere uma crítica social de Andréa.

Ácida, racional e distante, Cecília é uma personagem maravilhosamente bem construída e uma narradora sensacional para a história. Cecília é uma vilã que amamos odiar. Sarcástica, vil, indiferente à dor humana mas muito autêntica.
Amei a leitura e quero conhecer outras obras da autora. Com certeza recomendo a leitura.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 4/5

 


Como uma boa leitora de histórias sobre viagem no tempo, me deparei com a autora gaúcha Taiasmin Ohnmacht e sua obra "Uma Chance de Continuarmos Assim".

Publicado em 2023, "Uma Chance de Continuarmos Assim" é uma leitura rápida e dinâmica, algo entre um conto grande e uma noveleta, inspirada em "Kindred - Laços de Sangue" de Octavia E. Butler. A título de curiosidade, em Kindred, Dana viaja no tempo para o século 19, uma época bastante perigosa para uma mulher negra como ela. 

Na obra de Ohnmacht, Paula e sua amiga Marcela desenvolvem em segredo a Sankofa, uma máquina do tempo, com ajuda dos recursos de uma universidade pública do Rio Grande do Sul. Paula, negra, sabe que viajar ao passado pode não ser uma boa ideia, então ambas decidem que é melhor programar a Sankofa para que viaje ao futuro. Desta forma, temos um livro sobre afroturismo, além de uma ficção-especulativa brasileira sobre os rumos que a Humanidade vai tomar. Paula viaja ao futuro mas, quando retorna ao passado, não encontra Marcela, o que lhe causa muito sofrimento e angústica.

A narrativa não é escrita de forma linear, o que me deixou bastante confusa no início. Aliás, essa confusão parece ser uma experiência comum entre os leitores, pois vi menções a isso em diversas resenhas. Paula fica indo-e-vindo entre futuro, presente e passado, e não há nenhuma marcação editorial que oriente o leitor - por exemplo, não há um registro dos anos, ou um mudança de capítulo, nem mesmo uma separação entre os trechos. Fiquei pensando que talvez tenha sido escrito assim de propósito, para mostrar a confusão da própria Paula.

Um ponto que lamentei é que Ohnmacht poderia ter explorado mais o porquê da máquina do tempo chamar "Sankofa". Eu pesquisei no Google de pura curiosidade, pois pensei que talvez tivesse conexão com a obra de Butler, mas aprendi que trata-se de um conceito africano sobre "olhar para o passado para construir o futuro". E este é um dos aspectos que não me fizeram amar a obra como eu gostaria, pois senti que Ohnmacht não aproveitou diversos momentos para aprofundar a trama.
Por exemplo, além do conceito acima, senti falta de uma maior construção de Marcela, que viria a se tornar uma personagem central do enredo, ou até mesmo dos motivos que levaram ela e Paula à construção da Sankofa. Um maior aprofundamento no início da história teria me enganchado mais, e talvez me deixasse menos confusa no que viria depois.
Também achei raso o processo de construção da máquina do tempo. Entendo que a obra não se propôs a ser uma ficção-científica, e por isso não deve explicações científicas/tecnológicas a ninguém, mas, por outro lado, essa parte da história ficou muito leviana, como se fazer uma máquina do tempo fosse fácil. Isso me incomodou.

Narrado em primeira pessoa por Paula, de repente, temos uma mudança de narrador, ao final do livro. Novamente sem nenhuma marcação editorial, essa guinada da narração foi outro momento de confusão que, a meu ver, poderia ter sido evitado ao leitor. O novo narrador é interessante, apesar disso, e achei esta mudança uma boa ideia. 

Infelizmente, o livro não fixou minha atenção. As idas e vindas entre os tempos não foi bem estruturada, na minha opinião, e o ritmo não funcionou para mim. Em vários momentos me vi dispersa pois, a combinação destas idas e vindas com a falta de aprofundamento que mencionei, não cativaram minha atenção. Os eventos finais (e importantes) me soaram apressados, e também não consegui formar na minha cabeça uma imagem clara de Rafa/moço do futuro que esqueci o nome, Ricardo e Laira. Estes personagens secundários poderiam ter trazido mais camadas ao enredo e deveriam ser mais exploradas - por exemplo: como o Rafa/moço do futuro se adaptou ao passado? não poderíamos ter capítulos com seu ponto-de-vista, depois que Paula descobre quem ele é? E se tivéssemos capítulos narrados por Marcela, sobretudo os relacionados ao passado com Paula, para que a conhecêssemos melhor? E por que Laira se importa tanto com Paula, em que momento elas se apaixonaram? 

De forma geral, eu gosto que temas brasileiros estão representados, e gosto deste encontro com a nossa própria cultura. Também vejo o potencial de Ohnmacht na sua escrita e, mesmo com os pontos que destaquei, é uma leitura que recomendo.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 3/5

 


Não sei definir o gênero literário de "Rouge", escrito por Mona Awad, e também não sei identificar meus sentimentos em relação à obra. Seria um realismo fantástico, uma fantasia ou uma obra sobre insanidade? Vamos discutir um pouco sobre isso neste post.

Publicado em 2023, Rouge acompanha a história de Belle, uma balconista de loja de roupas obcecada por skin care. Após a morte inesperada de sua mãe, de quem estava distante, ela retorna ao sul da Califórnia para o funeral, onde encontra uma misteriosa mulher de vermelho que lhe oferece uma pista sobre a morte repentina de sua mãe. Belle é atraída para o mesmo spa/seita que encantou sua mãe. Lá, ela descobre segredos de família e mergulha ainda mais no lado obscuro da beleza.
Enquanto ela está no apartamento da mãe (Noelle) e começa a investigar sua vida, ela descobre que Noelle acumulou dívidas consideráveis ​​e estava vivendo um estilo de vida que levanta muitas questões sobre sua morte. Ao vestir os sapatos vermelhos que sua mãe amava, Belle é magicamente levada para uma mansão à beira de um penhasco, onde existe um spa/seita de beleza. Belle, então, começa a passar pelos mesmos tratamentos que Noelle fez e, aos poucos, vai perdendo sua sanidade e sua identidade.

Temos espelhos mágicos, águas-vivas vermelhas que parecem ter consciência, figuras vestidas de preto com o rosto coberto por véus, e até um detetive misterioso. 

A escrita de Awad parece um conto de fadas sombrio e psicodélico sobre uma mulher que perde a mãe e então se lança por um caminho perigoso em busca de juventude e beleza. O livro é quase como um sonho ou um delírio, a história é repleta de imagens deslumbrantes em vermelho, branco e preto, e há nuances de Branca de Neve e até mesmo de Tom Cruise (mas não exatamente) em suas páginas. Como leitor, ficamos sem saber o que é real e o que é fantasioso na história de Belle.
Awad nos entrega um conto de fadas gótico surreal, onírico e aterrorizante com Rouge — um livro que inicialmente me fez questionar se era realmente para mim. Eu esperava por uma narrativa direta e personagens críveis e confiáveis, mas não é isso que este romance oferece.

O ritmo do romance pode ser irregular às vezes, com certas seções arrastadas, enquanto outras parecem apressadas. Essa inconsistência no ritmo prejudica o fluxo geral da narrativa e pode fazer com que os leitores se sintam desconectados da história. Este ponto do ritmo somado ao surrealismo que mencionei antes podem fazer muitos leitores desistirem da obra, mas eu segui até o fim curiosa para saber como toda aquela insanidade iria terminar. No fim, Awad traz o livro de volta "à realidade" e oferece respostas concretas sobre o futuro de Belle - o que foi um grande alívio para mim.
Além disso, embora Awad escreva muito bem, às vezes o texto soa pretensioso. Há momentos em que a linguagem parece excessivamente ornamentada, obscurecendo a clareza da narrativa e dificultando a imersão total do leitor no mundo do romance.

Quando cheguei ao final, não consegui decifrar o que tinha lido e nem o que senti a respeito da obra. Na segunda metade da leitura, eu desisti de entender de verdade o que estava acontecendo  decidi apenas me envolver na escrita lírica e nos jogos de palavras - e nas aparições absurdas de Tom Cruise, que não era o Tom Cruise de verdade.

Acho que quem gosta de ficção estranha em geral, principalmente com uma escrita bonita, pode gostar deste livro, mas não é uma leitura que recomendo a todos.
Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 3/5

 

Meu primeiro contato com N. K. Jemesin não foi o melhor, e aí resolvi dar uma segunda chance à autora. No post de hoje, falaremos de "Lua de Sangue".

Aqui no Perplexidade e Silêncio também temos este post de N. K. Jemesin: A estranheza de ler um livro em segunda pessoa

Publicado em 2012, "Lua de Sangue" acontece na cidade de Gujaareh, onde a paz é mantida através do controle da vida e morte dos corruptos pelos Coletores, que tomam a alma das pessoas enquanto elas dormem. A energia retirada dos sonhos pelos Coletores pode ser convertida em cura de problemas de saúde pela ação dos Compartilhadores. Todos eles servem à Deusa Hananja e são administrados pelo governo Hetawa, mas seus costumes não são bem aceitos em outras partes do continente.

Ehiru, um dos Coletores mais experientes, comete um erro durante coleta de alma, o que lhe causa grande sofrimento. Nijiri, seu pupilo, ainda muito inexperiente na arte da coleta, precisa ajudá-lo, mesmo sem saber como. Paralelamente a isso, temos a história do Príncipe do país e de Sunandi, uma embaixadora de um país vizinho, que busca quem foi o assassino de seu mentor. Nesta busca, Sunandi descobre uma grande corrupção em Hetawa, e Ehiru é enviado para coletá-la (matá-la) antes que ela exponha tudo o que sabe. 

Tive muita dificuldade em me concentrar na leitura, e quase desisti do livro várias vezes. Meu principal problema foi a tonelada de palavras, nomes e lugares que Jemesin inventou para esta história, todas elas impenetráveis, na minha opinião. O universo mágico dela, para mim, foi um grande muro que, por mais que eu tentasse escalar, não conseguia e, quando eu estava quase decifrando o que Jemesin criou, ela subia ainda mais o muro. Muito desanimador, e ouso dizer arrogante da parte da autora. As palavras e os nomes da história me soavam prepotentes, quase como se Jemesin não quisesse que o leitor realmente entrasse na sua obra. Senti preguiça várias e várias vezes.

Como consequência do que menciono acima, não me vinculei a nenhum personagem. Até que eu entendesse o que eram os Coletores, quem era Hetawa (uma pessoa? um lugar? uma entidade abstrata?), Gujaareh (uma vila? o país? uma nova palavra para "mundo?), Ehiru e Nijiri eram apenas mais dois nomes que eu não entendia em parágrafos intermináveis. Quando finalmente me situei no universo mágico da autora - lá pelos 64% de leitura, segundo o Kindle - o arco de Ehiru já tinha avançado e eu não me importava mais com nada, tamanho o ranço com a obra.

E aí faço uma reflexão, comparando com o excelente livro de Ishiguro "Klara e o Sol". Existe uma linha tênue entre não subestimar o leitor e permiti-lo desvendar a obra, o que Ishiguro faz com perfeição, e não fornecer absolutamente nenhuma explicação ao leitor, abandonando-o, que é o que Jemesin fez.

Além disso, a narrativa carece de profundidade. Teoricamente, temos um enredo interessante, de um Príncipe que, para combater a corrupção de seu país, adota práticas religiosas que o tornam a pessoa mais corrupta que já existiu. Ehiru, que deveria ser o guardião das almas, se perdendo cada vez mais em si mesmo, ao passo que, Sunandi atua como agente dupla. Teríamos um livro incrível, não fosse a preocupação de Jemesin em criar palavras que não existem, ao invés de realmente dedicar tempo e espaço para as personagens brilharem.
Sunandi é um desperdício de personagem, com potencial para ser a protagonista. Uma pena.
A consequência direta e imediata desta falta de desenvolvimento dos personagens é o tédio. Como leitora, não me conectei a nada e a ninguém, e terminei a leitura mais por um desafio pessoal de "até onde eu aguento" do que por qualquer mérito da obra.

E, por fim, mesmo o conceito mágico de coletar a alma das pessoas pelos sonhos parece requentada. Sei que Jemesin se inspirou na cultura egípcia mas fiquei com a sensação de que faltou alguma coisa para transformar esta inspiração em algo mais original. Eu só conseguia pensar que um livro bom mesmo sobre coleta de almas é o Ceifador, de Neal Shusterman. Esse sim vale a leitura.

Um dos livros de fantasia mais desinteressantes que já li, e não recomendo a leitura.
Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 1/5

 


Fernando Sabino organizou, pela Editora Rocco, uma coleção intitulada "Novelas Imortais", reúne histórias mais curtas e menos conhecidas de escritores clássicos e, neste post, falaremos de "Os Sete Enforcados" de Leonid Andreiev.

Nascido em 1871 na Rússia, Andreiev escrevia contos e peças de teatro da chamada Era de Prata, ou Belle Époque, que é a era que marcou o início da participação das mulheres na literatura e também uma maior abertura de temas.

Em "Os Sete Enforcados", encontramos sete personagens diferentes, todos eles condenados à forca por seus crimes. Temos um grupo de cinco amigos, que planejou um atentado ao governo vigente, e dois assassinos. Andreiev não entra em detalhes e nem no mérito se suas condenações foram justas ou não, tampouco nos fornece muitos detalhes sobre a história de vida de cada um. O grande tema do livro é, afinal de contas, a morte em si, e Andreiev explora como cada pessoa lida com a iminência de sua própria morte.

Temos uma personagem que recebe a notícia da morte com alegria, pois sua visão religiosa do mundo acredita que a morte é um conceito humano, e não uma realidade universal e, por isso, passa as horas que antecedem seu enforcamento pensando no que virá a seguir.
Em outro personagem, este uma mulher, sua maior preocupação é como seus amigos estão lidando com a condenação. Ela gostaria de estar liberta para poder passar de cela em cela, lhes oferecendo o acolhimento que necessitam, e mal pensa em si mesma, mal registra seus próprios sentimentos em relação ao enforcamento iminente.
Há quem não queira encontrar sua família para uma despedida, pois o encontro só acentua o distanciamento entre eles, tornando a experiência ainda pior. 
Há quem se exercite e tente imprimir uma rotina ao encarceramento, como que tentando manter a sanidade frente ao que vem a seguir. E há quem se abandone de vez, completamente, permitindo que a loucura enfim chegue e fique, como um mecanismo de defesa da realidade.

A narrativa é escrita ao maior estilo da literatura russa, ou seja, violento, cru, sóbrio, pesado e escuro. Não há alívio de nenhum tipo ao longo do enredo, tampouco há acontecimentos muito grandiosos. O que acontece, acontece dentro dos personagens, e somente no final do livro eles se encontram e interagem com o mundo externo, cada um a seu modo. Esse estilo de escrita pode afastar alguns leitores.

Eu fiquei perturbada e angustiada com a leitura, porque fiquei imaginando como eu mesma reagiria à mesma situação - ou seja, Andreiev conseguiu de mim seu objetivo, que é justamente provocar essa reflexão. Quando nos deparamos com tantas reações diferentes ao mesmo evento, é inevitável que pensemos como nós reagiríamos a tudo isso. E o mais curioso, para mim, é pensar que a morte é a única certeza que temos, mas pensar sobre isso nos levaria à loucura. Por isso, preferimos deixar esse pensamento de lado mas, com enforcamento iminente ou não, a morte espera a todos de igual maneira. É um livro denso, pouco agradável, e que tem seu valor artístico.

Recomendo, mas não para todos.
Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 2/5

 

Não consegui terminar de assistir a série, pois não gostei das personagens principais, mas, mesmo assim, decidi dar uma chance à história e li "Pessoas Normais", de Sally Rooney. Será que mudei de ideia?

Publicado em 2018, "Pessoas Normais" tem dois protagonistas, Connell e Marianne. Rooney reveza o ponto-de-vista de ambos ao longo da narrativa, de forma misturada, e também não cronológica, com idas e vindas nos acontecimentos que marcam a vida de ambos. 

Connell e Marianne começam a se relacionar na época de escola, quando Marianne era uma figura rejeitada e ridicularizada, ao passo que Connell era popular. O relacionamento deles é mantido em segredo, o que incomoda a Marianne. A mãe de Connell trabalha faxinando a casa de Marianne, o que incomoda a ele. 
A história deles é basicamente feita de desencontros. Na escola, Connell não convida Marianne para o baile de formatura e, sem nenhum diálogo, eles se afastam, ambos doloridos. Depois, na faculdade, eles se reencontram, mas agora em posições opostas - Connell solitário e sem amigos, Marianne popular e requisitada - e, uma vez mais, se desentendem quando Connell precisa encontrar um lugar para morar. Neste segundo desencontro, ambos começam a se relacionar com outras pessoas, mas decidem continuar amigos, mesmo sabendo que, no fundo, ainda gostariam de estar juntos. 
Os desencontros entre eles seguem até o fim, e ficamos com a sensação de que, apesar do amor que sentem um pelo outro, jamais serão capazes de estarem na mesma página sobre a vida.

Sinto que o livro tem várias camadas.
A primeira, mais aparente, são estes desencontros de um amor que parece verdadeiro.
A segunda camada, para mim, são as diferenças sociais entre Connell e Marianne. Por exemplo, Connell, que luta por uma bolsa de estudos, vê Marianne se aplicando para a mesma bolsa como um ato de rebeldia. A diferença social o perturba mais que a ela, e o impede de sentir-se digno de amor. A falta de auto-estima de Connell o impacta em nível profundo, levando-o à depressão.
A terceira camada, que me foi mais interessante, é a forma como o ambiente familiar violento moldou a identidade de Marianne de maneira irreversível, e o quanto seu background de agressão e negligência é uma barreira intransponível entre ela e ela mesma, e entre ela e Connell. 

Porém, tem alguns aspectos da história que não gostei.
O primeiro deles é a romantização do tóxico e das dificuldades. "Alienado", no livro, é um sinônimo de "legal" e que buscar relacionamentos sadomasoquistas é compreensível/inevitável se você vem de uma família abusiva. Eu entendo que, na vida real, as vítimas de famílias abusivas passam por um processo longo e sofrido para quebrar o ciclo de repetição, mas eu não tenho certeza que Rooney fez uma representação adequada desta experiência. Eu deveria sentir o quê por Marianne, pena? Compaixão? Empatia? Identificação? Terminei a leitura sem entender qual o caminho que Rooney quis dar a personagem. Me pareceu ter um pouco de redenção no final, mas muito sutil e insosso.

Meu outro problema foi com a construção de Connell. Ele tem mais arco de desenvolvimento que Marianne, que não tem quase nada de arco. Mas, por algum motivo, ele me foi completamente indiferente na leitura. Apesar de ser o outro protagonista, ele me soou como um coadjuvante de Marianne, e isso, na minha opinião, foi uma falha de Rooney, e não do personagem em si. Connell tem tudo para ser interessante - o garoto popular que não sabe lidar com a vida adulta, e tenta se reencontrar - mas, por algum motivo, a forma como ela o escreve não fez juz ao seu potencial. 
No final, quando ele consegue um ótimo emprego, fiquei muito feliz por ele, mas foi mérito dele mesmo, e não da escrita de Rooney, que deveria tê-lo levado a patamares muito maiores. 

De forma geral, eu gostei da leitura do livro, apesar dessas problematizações que mencionei anteriormente. Desde o início, já sabemos que não será o tipo de história com final feliz e, mesmo assim, fiquei entretida para saber o que aconteceria a seguir. É uma leitura que recomendo, apesar de não concordar com o hype todo da obra.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 3/5

 

Fazia tempo que eu queria voltar a ler Joël Dicker, e finalmente tive a oportunidade de ter acesso à sua obra "O Caso Alaska Sanders". Neste post, falarei um pouquinho sobre a leitura.

Também temos resenha de "A Verdade sobre o Caso Harry Quebert", que você pode ler aqui.

Publicado em 2024, "O Caso Alaska Sanders" é, de certa forma, uma continuação do livro "A Verdade sobre o Caso Harry Quebert". Isso porque o protagonista, uma vez mais, é o escritor Marcus Goldman que, depois de ficar famoso com o livro sobre Harry Quebert, após doze anos, reencontra o detetive Peter Gahalowood para desvendar outro assassinato, agora da garota Alaska Sanders. Por isso, caso você não tenha lido "Harry Quebert" ainda, recomendo começar por ele.

Alaska, uma modelo aspirante a atriz, aparece morta na cidadezinha de Mont Pleasant. Na ocasião da investigação do homicídio, seu namorado, Walter, confessou o crime junto com seu melhor amigo, Eric, e o caso foi fechado. Porém, onze anos depois deste episódio, desesperadamente em busca de uma nova história para um livro, Marcus Goldman encontra este caso e resolve ir investigá-lo. Para isso, ele decide envolver seu amigo, Gahalowood que, agora viúvo, precisa encontrar um propósito para sua vida. Gahalowood recebe uma carta anônima dando a entender que ele prendeu a pessoa errada, e que o real assassino de Alaska continua solto. 
Gostei bastante do aprofundamento do relacionamento entre os dois, e achei que Gahalowood ganhou um arco muito interessante neste livro. A impressão que eu tive foi que, neste, me apeguei mais a ele do que em "Harry Quebert". 

No que se refere ao caso de Alaska em si, a narrativa é interessante e há uma boa dose de suspense. A dupla descobre que a confissão de Walter foi forjada por outro policial, e que Eric foi acusado como cúmplice de maneira injusta, pois o real assassino plantou as pistas que levaram a investigação a ele e Walter. A primeira parte da investigação me deixou entretida na leitura, pois fiquei curiosa para entender se Eric era ou não inocente.
Na segunda parte do livro, quando os eventos começam a desencadear para o fim, gostei um pouco menos - mas ainda gostei. Dicker realmente trouxe uma personagem inesperada como o real assassino, mas achei a história toda muito enrolada. A sensação que tive foi que, primeiro, Dicker pensou quem seria o assassino, e depois se virou para amarrar as pontas soltas. Não gostei muito de como o real assassino contou sua versão, achei meio sem criatividade - ele (ou ela) confessou tudo em um monólogo um pouco entediante.

Por outro lado, o livro também é sobre Marcus Goldman, e sua vida - e acho que demorei um pouquinho para perceber isso. Não acho ele um personagem interessante, então vai ver que é por isso que não me importei muito com ele. Aqui vemos sua dificuldade de estabelecer um relacionamento amoroso duradouro, e também sabemos o que acontece entre ele e Harry Quebert após os eventos do livro anterior. 

Apesar de estar no título, Alaska é a personagem menos relevante do livro. Só sabemos sobre ela de maneira indireta, ou seja, através dos depoimentos das pessoas relacionadas ao seu caso. Eu gostaria de ter sentido mais curiosidade sobre ela, ou de ter sentido falta de não escutar o seu ponto-de-vista, mas isso não aconteceu. Ela é descrita como uma moça perfeita, por dentro e por fora, e senti falta de maior profundidade de sua personalidade.
Quando Eleonora entra na narrativa, fiquei pensando que eu preferia ter lido a história sobre a morte dela e da perspectiva de sua vida, pois acho que, como personagem, ela tinha mais a oferecer.

Mas tenho que dizer que fiquei confusa várias vezes, porque existe um livro dentro do livro, ambos com o mesmo nome, e a narrativa vai e volta no passado de Goldman o tempo todo, abrindo várias histórias em paralelo, sem, necessariamente, concluí-las. Por exemplo, ficamos sabendo da ex-namorada de Goldman, Alexandra, e de seus primos de Baltimore, mas Dicker não aprofunda essas histórias, pois elas fazem parte de outro livro chamado "O Livro dos Baltimore".

De forma geral, é uma leitura que recomendo, sobretudo para quem gosta de tramas policiais. A leitura entretém, e sigo achando Dicker um bom escritor, e que pretendo ler mais obras suas.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 3/5

 

O tema desta resenha é a coletânea inédita de Sylvia Plath, com contos escritos ao longo de um período de quatorze anos, intitulado "Johnny Panic e a Bíblia dos Sonhos".

Aqui no Perplexidade e Silêncio temos outros posts sobre a escritora, caso seja do seu interesse:
O que ler de Sylvia Plath?
O que aprendi sobre ser escritora com Sylvia Plath

Esta coletânea de contos reúne obras de Plath de diversas épocas e nos mostra sua evolução como escritora. Inclusive, por muitas vezes, me perguntei se ela gostaria que estes contos tivessem sido publicados, pois em alguns deles vemos uma certa falta de refinamento que, no final das contas, é legal de ler. Separei para este post os contos que mais gostei.

Johnny Panic e a Bíblia dos Sonhos: conto que dá origem ao livro é, realmente, um dos melhores, talvez por ser o último escrito (em ordem cronológica). Nele, a protagonista é obcecada em registrar seus sonhos em um diário ao mesmo tempo em que sente muito medo do mundo ao seu redor. Aos poucos, sua sanidade mental vai ficando comprometida, pois ela começa a misturar os sonhos com a realidade, ao mesmo tempo que o medo generalizado vai tomando conta de sua personalidade. O processo de desintegração de sua racionalidade foi muito bem escrito por Plath.

O dia em que o Sr. Prescott morreu: conto que fala sobre morte e luto, através da perspectiva da protagonista, que vai contra a vontade ao funeral do Sr. Prescott. Suas reflexões sobre a vida e sobre a maneira como lidamos com a morte me tocou bastante.

A caixinha de desejos (1957): conto que aborda a frustração da protagonista em não ter pensamentos criativos, lúdicos ou fantasiosos, e sua cobrança interna por ver o mundo de um jeito cru demais. Em paralelo, seu marido é imaginativo e espontâneo, o que causa uma crise conjugal. Ela evita dormir pois não sonha, e a falta de sonhos a incomoda demais. No fim, ela decide tomar remédios para induzir um sono com sonhos, e acaba falecendo de overdose. Muito bem escrito, um dos meus preferidos.

O domingo dos Minton: aqui Plath brinca um pouquinho com o surrealismo, e achei que talvez ela pudesse ter explorado mais esse aspecto na sua escrita. O conto fala sobre o relacionamento de dois irmãos que, já idosos, se detestam mas moram juntos, e tentam resgatar as memórias do passado.

Dia de sucesso: em uma época que as mulheres eram donas-de-casa e apenas os homens trabalhavam, uma esposa fica extremamente enciumada quando o marido, escritor, consegue um grande contrato com uma editora, e precisa passar muito tempo com sua agente, uma "ruiva muito bonita". Este conto tem uma energia Virginia Woolf muito interessante.

De forma geral, o livro me soou experimental. Houve contos que pareciam brincadeiras de Plath, quase como se fossem ensaios para suas obras principais, o que, para algumas pessoas, pode soar ruim. No meu caso, eu gostei pois sempre fico curiosa para saber a jornada dos escritores que eu gosto, como eles começaram e no que evoluíram. 
Alguns contos eu não gostei e não terminei de ler, mas isso é esperado de qualquer coleção. O ponto positivo desta antologia é a forma como ela reflete o domínio de Plath das palavras e das emoções, e a sua capacidade de traduzi-las em imagens claras e vívidas. Também gosto da forma como ela vê a natureza do ser humano, sendo capaz de desenvolver suas camadas mais profundas em poucas páginas.

É uma leitura que recomendo para quem gosta deste estilo de contos, sabendo que pode ser um livro que não agrade a todos.
Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 3/5

 


Acho que, depois de várias leituras, enfim encontrei uma obra de V. E. Schwab que não gostei. Nesta resenha, falarei sobre "Mansão Gallant".

Para ver as resenhas de outras obras de V. E. Schwab, dê uma olhadinha aqui.

Publicado em 2022, a protagonista de "Mansão Gallant" é Olivia Prior, uma menina orfã que cresceu na Escola de Merilance. Ela não fala e vê espectros à noite, e, por causa disso, as outras meninas da Escola não gostam dela. Um dia, Olivia recebe uma carta de um tio que não sabia que tinha, Arthur, que a convida à voltar para sua família. Feliz com a notícia de que irá ganhar um lar, Olivia vai para a Mansão Gallant, onde não é bem recebida por Matthew, filho de Arthur, e ela também descobre que Arthur já morreu.
A primeira coisa que me chamou a atenção foi que a escrita de Schwab não está na mesma altura de seus outros livros. Há partes da narrativa que mereciam uma revisão adicional, e outros trechos que não estavam refinados o suficiente. Fiquei com a impressão de que apressaram a publicação do livro e deixaram alguns detalhes de lado. 

Meu principal problema com o enredo foi o universo mágico mal construído. Em linhas gerais, nos terrenos da Mansão Gallant, existe um portão que dá acesso a uma outra dimensão, que comporta a Morte e seus soldados. Os detalhes ficaram confusos para mim, mas, se entendi bem, os Prior são amaldiçoados com pesadelos devido à proximidade ao portão, e tem a obrigação de selar o portão com seu sangue, para impedir que a Morte invada o nosso mundo. Os detalhes são mal explicados ao longo da narrativa e chegam quase todos somente no final, de uma vez, como se Schwab tivesse percebido que esqueceu de explicar seu universo aos leitores.

Outro ponto cansativo são os diários. A mãe de Olivia, antes de morrer, deixou dois diários para trás e, em um deles, ela enlouquece progressivamente, registrando pensamentos cada vez mais desconexos. Schwab exagera na repetição das entradas deste diário, que não são tão interessantes assim. 
Através dos diários, Olivia descobre quem é seu pai, que foi outro ponto da narrativa que não me agradou. A mãe de Olivia se apaixonou por um dos soldados da Morte e eles tiveram um relacionamento, até que a Morte descobriu e os separou. Foi uma descoberta mal explicada, na minha opinião.

Achei o final horroroso. Basicamente, o que acontece é que o sangue de Matthew não estava sendo absorvido pelo portão porque este estava enferrujado, e isso permite que a Morte atravesse o portal. Que explicação preguiçosa! Fiquei inconformada enquanto lia o desdobramento dos eventos. Jura mesmo, Schwab, que a resolução que você encontrou foi a falta de manutenção de um portão de ferro? Muito bobinho.

A ideia de uma família inteira presa entre as duas dimensões, a dos vivos e da dos mortos, é boa, mas a execução deixa muito a desejar. Olivia não é interessante de ler. Matthew é mal aproveitado e não um arco de desenvolvimento digno. Edgar e Hannah, que moram na Mansão, são dispensáveis e sem personalidade. Os soldados da Morte sequer ganharam nomes. 
Uma obra infantojuvenil não precisa ser rasa. É quase como se Schwab e os editores subestimassem o público deste livro, acreditando que eles não poderiam entender nem gostar de uma história mais aprofundada.

Não é uma leitura que recomendo.
Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 2/5

 

Um romance histórico que passa por diversas épocas, começando no início da Segunda Guerra Mundial e terminando no período pós-pandemia. "O Vento Sabe Meu Nome", de Isabel Allende, poderia ser classificado como um clássico contemporâneo.

Publicado em 2023, "O Vento Sabe Meu Nome" reveza alguns protagonistas.  Em 1938, Samuel Adler é separado de seus pais aos seis anos de idade, no evento histórico conhecido como A Noite dos Cristais, que ocorreu no dia 9 de novembro, e que deu origem "oficial" ao movimento antissemita e ao nazismo.
Nos anos 1980, Letícia foge de El Salvador com o pai, logo após o massacre de El Mozote. 
Em 2019, Anita Díaz é uma menina mexicana de sete anos de idade, com deficiência visual, que foi separada de sua mãe Marisol na fronteira do México, depois de terem passado pela Geladeira, prática comum no governo Trump da época.
E, por fim, Selena Durán, descendente de Letícia, cuja família  foi assassinada no massacre de El Mozote, que aconteceu nos anos 80 em El Salvador. Selena é advogada e tenta encontrar a mãe de Anita.

É ficção histórica com a história ainda em construção, e Allende traça uma linha direta desde as atrocidades do Holocausto, passando pelos massacres e ditaduras conduzidos pela CIA na América Latina no final do século XX, até à administração Trump, através da devastação e desespero que criaram aos direitos humanos.
O paralelo entre as histórias é claro, e Allende não hesita em mostrar que o governo americano caminha para os mesmos passos percorridos por Hitler. De um jeito lírico e poético, Allende deixa claro que a História se repete, e ressalta que os eventos que acontecem com os salvadorenhos e com os mexicanos não recebem a visibilidade, tampouco a importância, que deveriam. Através dos personagens, o leitor se conecta com essas narrativas em um nível mais pessoal e íntimo, que acredito possuir muita força.

E eu preciso ressaltar que, quando este livro foi publicado em 2023, cerca de mil crianças mexicanas ainda estavam separadas de suas famílias na fronteira do México com os Estados Unidos. Você escuta falar sobre isso na internet ou no noticiário? Pois é. 
Aqui Allende nos lembra que a arte tem poder - deve ter poder - e tem uma responsabilidade em lembrar a sociedade o que realmente importa.

Além da excelente crítica social da obra, o leitor vai encontrar um enredo com energia de clássico. Aos poucos, vamos percebendo que as histórias dos personagens se cruzam, o que pode ser um pouco confuso no início do livro. Começamos em 1938, depois vamos para os anos 50 e os anos 80, e só depois chegamos em Anita e Selena. Demora alguns capítulos até que os enredos comecem a se conectar de fato, o que me deixou um pouquinho perdida, mas não menos interessada. No final, quando tudo se amarra, terminamos na pós-pandemia, o que é uma conclusão fantástica para uma ficção histórica contemporânea. Apenas aplausos para Allende.

No geral, o livro também é sobre família, e traz momentos de ternura agridoce em meio a uma paisagem de crueldade e desespero. Allende claramente se preocupa muito com seus personagens, e esse amor transparece em suas representações deles, tornando-os ainda mais queridos para nós e, embora muitas vezes difícil, este é um livro difícil de largar. É um retrato impressionante de vidas deslocadas e sofridas que podem encontrar consolo umas nas outras.

O final é muito bonito. Todas as pontas soltas se conectam e Allende consegue entregar um fechamento acolhedor e alegre para os enredos, deixando no coração do leitor um pouco de esperança de que as coisas serão melhores - não apenas para os protagonistas da obra, mas também para nós. Recomendo muito a leitura.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 3/5

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A Escritora

Escritora há 25 anos e psicóloga de formação. Procura os detalhes da vida que passam desapercebidos e as bonitezas que ninguém vê. Faz perguntas incômodas porque gosta de uma boa reflexão. Não caminha pelos lugares-comuns e, quando o faz, faz com convicção. Imagina, sonha e pensa demais. Fala pouco, mas quando fala, por favor preste atenção.

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