Tag Livros - Março 2022 | O Parque das Irmãs Magníficas, de Camila Sosa Villada

 

Tag Livros é um clube de assinatura de livros que eu entrei este ano. A proposta é que você receba na sua casa, todo mês, um livro escolhido por eles e diversos brindes relacionados ao livro. A resenha de hoje será do livro do selo Curadoria de Março de 2022, "O Parque das Irmãs Magníficas" de Camila Sosa Villada, de longe meu preferido até o momento.

Caso você queira ver os outros livros do clube, navegue pelos links abaixo:
Janeiro 2022 | Pesado, de Kiese Laymon
Fevereiro 2022 | Samarcanda, de Amin Maalouf

Camila Sosa Villada, nascida em 1982 na Argentina, estudou Comunicação Social e Teatro, foi atriz em diversas minisséries e peças de teatro, escreveu romances e poesias. Em 2013, ela oficializou sua transição de gênero, adotando o nome Camila e focando suas obras em histórias travesti, para trazer visibilidade e representatividade sobre o tema. A Argentina, dentro do contexto da América Latina, é um dos países mais avançados em Constituição e direitos à comunidade LGTBQIA+, com leis abrangentes e inovadoras para pessoas transgênero.

Publicado em 2019, "O Parque das Irmãs Magníficas" conta a história de um grupo de travestis que se prostituem no Parque Sarmiento, em Córdoba, e é narrado em primeira pessoa. Aqui, quero fazer uma observação. O termo "travesti" é uma identificação de gênero mais específica da América Latina e de algumas poucas regiões da Espanha, usada para denominar pessoas que não se identificam com o gênero masculino do seu nascimento. Durante muito tempo, a palavra travesti foi - e ainda é - usada como um xingamento, uma ofensa, quase um palavrão, e muitas mulheres trans preferem ser chamadas de travesti numa luta de resistência e numa tentativa de ressignificar o termo, além de tirar o poder de ofensa que esta palavra carrega. Portanto, se você conhecer uma mulher trans que quer ser chamada de travesti, não questione, apenas respeite. ;-)

Camila narra a infância e o desenvolvimento do menino em travesti sem melodrama, vitimismo nem apelação. Ela mostra os fatos como são, colocando-os um na frente do outro, mostrando quão lógico e quão vital era a transição de homem a mulher travesti em sua história. Enquanto faz isso, a autora introduz personagens muito interessantes, que fazem com que a leitura ganhe ainda mais privacidade. E ainda há um toque de realismo mágico, quando María A Surda começa a ganhar penas pelo corpo e precisa ser colocada em uma gaiola. 

A narrativa percorre várias situações do presente e entremeia com pedaços da infância e do passado de Camila. Nas situações do presente, ela narra os encontros com seus clientes e com a polícia, bem como as dificuldades de sobreviver à fome, à miséria e à violência. Em alguns momentos, as histórias das outras personagens ganham destaque e entram no foco da narrativa, e essa combinação de coisas me deixou super entretida na leitura.

"Só que eu também sentia vergonha de nossa miséria, de nossa distância da beleza, das bebedeiras de meu pai desfilando pela cidade como uma bandeira, de trabalhar desde os oito anos de idade vendendo coisas pela rua, pela necessidade do meu pai de que seu filho servisse para alguma coisa." (Camila Sosa Villada)

Conforme eu lia este livro, o que eu pensei foi: é por histórias assim que a literatura existe e resiste. Cada parágrafo, cada capítulo, cada diálogo servem a um propósito, que é o de expôr o preconceito, os crimes, a falta de dignidade e de respeito que as travesti precisam superar todos os dias, puramente porque ousam estar vivas numa sociedade que não as aceita. Trecho após trecho, Camila mostra que, além da rotina de prostituição - o que, geralmente, acaba sendo o foco de todas as mídias e conversas quando se fala das travestis - existe uma comunidade unida e forte que se apóia e se motiva a seguir em frente, mesmo quando há pouca (ou nenhuma) esperança no horizonte.

Há também a figura da mãe, uma mulher que acolhe e educa as travestis com todo o amor que consegue reunir, depois de uma vida longa e sofrida, que acaba de um jeito trágico, e o Brilho nos Olhos, um menino que foi abandonado no parque e é adotado por aquelas irmãs tão cheias de amor. Aliás, foi isso que eu senti lendo esse livro, um amor puro e genuíno, um amor pelas coisas difíceis e diferentes, um amor que faz mais sentido do que todo o resto.
E não espere um final feliz, ele não vem.

Raramente avalio um livro com a nota máxima aqui no Perplexidade e Silêncio, mas esse merece sem dúvida nenhuma.
Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 5/5

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