Literatura de Res-Peito | Eu sei porque o pássaro canta na gaiola, de Maya Angelou


O desafio Literatura de Res-Peito tem como objetivo falar de livros com um forte protagonismo feminino, escritos por mulheres à frente de seu tempo e que tratem de assuntos polêmicos, feministas e importantes para a evolução do papel da mulher na sociedade. Hoje, o livro participante do desafio é "Eu sei porque o pássaro canta na gaiola" de Maya Angelou.

Maya Angelou, ariana, ao longo do seus 86 anos de idade, publicou sete autobiografias, além de poesias, roteiros, ensaios e shows para a televisão. Já foi cozinheira, prostituta, dançarina de boate, jornalista, atriz, produtora, professora e ativista. Não à toa, Angelou construiu um baita nome na literatura, como consequência do seu espírito versátil e questionador. 
Até hoje, ela é respeitada como porta-voz de negros e mulheres, e seus trabalhos foram considerados uma defesa da cultura negra.
O uso de técnicas de escrita de ficção por Angelou (como, por exemplo, diálogo, caracterização e desenvolvimento de tema, cenário, enredo e linguagem) muitas vezes resultou na inserção de seus livros no gênero de ficção autobiográfica. Ou seja, embora seja uma autobiografia, parece que estamos lendo um romance. Neste sentido, me lembrou muito o "Minha História", de Michelle Obama.

"Eu sei porque o pássaro canta na gaiola" foi sua primeira autobiografia, que compreende sua infância e o início da adolescência, publicada em 1969. O relato começa quando, aos três anos de idade, ela e seu irmão Bailey foram enviados para morar com a avó em Stamps, Arkansas. 
O livro aborda tópicos comuns às autobiografias escritas por mulheres negras americanas nos anos seguintes ao Movimento dos Direitos Civis: uma celebração da maternidade negra, uma crítica ao racismo, a importância da família e a busca por independência, dignidade pessoal e autodefinição.
O Movimento dos Direitos Civis durou décadas nos Estados Unidos e teve como objetivo garantir que os negros tivessem os mesmos direitos dos brancos (incluindo o direito ao voto), acabando com a discriminação e a segregação. Neste contexto, um dos Estados mais resistentes ao Movimento foi o Arkansas, onde a maioria branca se recusava a reconhecer os negros como seres humanos. Por isso o relato de Angelou é tão relevante, já que ela mostra como era viver numa cidade onde os direitos civis ainda não tinham chegado.

Para mim, o ponto mais marcante da narrativa foi o estupro que ela sofreu aos oito anos de idade, embora a própria Angelou não dê tanto espaço no texto para este evento. Depois de morar com a avó por cerca de cinco anos, repentinamente sua mãe ressurge e leva Angelou e o irmão para St. Louis, no Estado do Missouri. Na época, a mãe tem um namorado, o Sr. Freeman, que pede para que Angelou durma com ele em sua cama. Ela relata que, na ocasião, gostava muito do Sr. Freeman e inclusive procurava por suas demonstrações de "carinho", que lhe faziam bem, até que um dia ele a estupra. Sua mãe acaba descobrindo e, no final, o Sr. Freeman é encontrado assassinado, provavelmente por ordem da própria mãe.
Angelou, logo em seguida, retorna para a casa da avó em Stamps e se torna muito fechada e solitária, ainda sem compreender a enormidade do que lhe aconteceu. 

O segundo ponto mais marcante foi a rápida menção à Ku Kux Klan. A Ku Klux Klan é uma corrente extremista que preza a supremacia dos brancos, historicamente responsáveis por diversos atos terroristas contra aqueles que eles consideram inferiores (negros e imigrantes em sua maioria). 
Em uma passagem, os "brancos da Klan" aparecem na região onde a família de Angelou mora e seu tio, um negro deficiente físico, corre para se esconder embaixo dos sacos de batata pois, sem dúvida, ele seria assassinado se encontrado - por ser negro e por ser deficiente.

Acho que o mérito de Angelou nesta autobiografia é que ela escreve acontecimentos terríveis sob o ponto-de-vista que tinha quando era criança. Assim, ela ainda não percebe a crueldade do mundo onde vive e nem as "complicações" por ser uma negra nos Estados Unidos mas, pouco a pouco, ela vai entendendo e absorvendo o tamanho do preconceito ao seu redor. Além disso, a jovem Angelou se mostra muito pragmática, seja quando procura emprego, reencontra o pai ou quando vai atrás de seu vizinho para ter uma relação sexual. 
E como ela escreve sobre a própria vida como se fosse ficção, a vontade que fica, no fim do livro, é de engatar no próximo, como se fosse uma série e precisássemos saber como a estória continua.
Por isso, é uma leitura que eu definitivamente recomendo.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 

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