No debate livro versus filme de hoje, teremos a obra "O Pacto", de Joe Hill - filho de Stephen King - e sua respectiva adaptação cinematográfica "Amaldiçoados", estrelando Daniel Radcliffe.
Deve ser uma pressão danada ser filho de Stephen King e tornar-se escritor. Joe Hill deixou de lado o sobrenome do pai de forma deliberada, para que esta "sombra" não pairasse sobre sua obra, e foi somente em 2007 que ele confirmou sua real identidade. "O Pacto" é seu segundo livro, lançado em 2010 e adaptado para os cinemas em 2014. Joe Hill estava quase com 40 anos ao lançar esta obra, mas confesso que pensei que ele fosse um adolescente - tanto pelo estilo de escrita quanto pela narrativa.
Narrado em terceira pessoa e sem linearidade de tempo, "O Pacto" conta a estória de Ignatius Perrish (Ig). Merrin William, sua namorada, é misteriosamente assassinada e estuprada e a cidade toda acredita que Ig é o culpado. Um dia, um ano após a morte de Merrin, depois de uma ressaca, Ig acorda com chifres crescendo em sua cabeça. Diante da presença de Ig Com Chifres, as pessoas começam a confessar os mais sórdidos e imorais pensamentos e atos, mas parecem esquecer-se dele e de suas confissões tão logo Ig vira as costas. Até mesmo sua família lhe conta coisas absurdas, como o desejo que ele se mate para se livrarem das acusações de terem um assassino solto na família. Na presença de Ig e seus chifres, as pessoas também tornam-se suscetíveis às suas sugestões, e Ig começa a dizer-lhes para fazer o que querem, por mais cruel ou ilegal que seja.
Nos flashbacks do passado, sabemos que Ig conheceu Merrin na igreja, através de uma mensagem em código Morse que ela lhe enviou por um crucifixo. Lee Torneau disputa a atenção de Merrin com Ig mas, apesar disso, os dois garotos tornam-se melhores amigos e Ig, eventualmente, começa a namorar Merrin. Além de Lee, Ig também confia muito em seu irmão mais velho, Terry, que acaba tornando-se um famoso apresentador de tevê e músico, contrastando com a vida fracassada e miserável de Ig.
No filme, Ig é interpretado por Daniel Radcliffe. Os flashbacks são substituídos por lembranças de Ig enquanto ele está anestesiado para uma cirurgia de remoção dos chifres - cena que, na realidade, não consta no livro. Através destas lembranças, o início de sua história com Merrin é apresentada, assim como Lee. Outra modificação é que, no livro, Lee perde a visão por causa de uma bomba-cereja que Ig lhe dá em troca do crucifixo de Merrin, mas no filme Lee perde dedos da mão. Terry aparece como um irmão drogado, o que no livro não acontece, e Eric, um policial no filme, na verdade é o braço direito de Lee para executar suas crueldades. De resto, a trama do livro e do filme são iguais e estas alterações não prejudicam o enredo.
Ambos - livro e filme - contém uma estrutura que vai crescendo ao longo da leitura, e a personagem de Lee Torneau ganha força e protagonismo. Ironicamente, ele trabalha para um político cristão e, por usar o crucifixo de Merrin no pescoço, fica imune aos chifres de Ig. E, conforme Ig presencia e estimula a maldade nas pessoas, mais e mais ele vai se tornando o Diabo em pessoa - transformação esta que, no livro, foi interessante mas, no filme, foi meio cafona.
O livro ou o filme? Minha real resposta seria "nem um, nem outro". Quando assisti ao filme, fiquei com a sensação de que ele tinha sido baseado em um livro muito bom, mas que alguma coisa de sua essência talvez tivesse sido perdida na direção. Foi um equívoco, pois também não achei o livro bom. A sensação que tive foi a de que Joe Hill quis atrair a atenção do público escrevendo cenas de violência adolescente, sexo imoral e apologia ao Diabo - o que, sem dúvidas, dá audiência. No entanto, sinto que faltou sofisticação na estória como um todo e, no fundo, se tirarmos Ig e seus chifres demoníacos, é um enredo bastante misógino sobre a rixa de dois adolescentes (sendo que um deles é um psicopata - Lee). A leitura não me prendeu, pois achei um estilo forçado e pouco fluido.
Mas, já que neste debate livro versus filme preciso escolher um lado, escolho o livro, que é "menos pior" que o filme. Este último reduziu ainda mais as questões religiosas e éticas da obra escrita (que, como disse, já não são bem exploradas) e, para mim, tornou a estória ainda mais adolescente e superficial. Nem a interpretação de Radcliffe salva o filme de sua direção pobre e sem personalidade.
Assim, de forma geral, fiquei com a sensação de desperdício. As premissas da estórias eram boas e, se fossem escritas em grande estilo - como a visão pessimista de Dostoiévski sobre a humanidade, por exemplo - poderia ter se tornado uma obra prima. Os dilemas de moralidade, religião, Bem versus Mal, anjos e demônios - todos elementos bem interessantes - foram gastos à toa. No fundo, não recomendo nem o filme e nem o livro.
2 Comments
Assisti o filme e também fiquei com a sensação que o filme seria inspirado em um ótimo livro, pensei até em comprá-lo, mas ODIEI a nova capa (capa do filme), eu queria a capa original, por essa razão não comprei. Fico feliz em ter lido essa resenha antes de insistir em minha procura. Fiquei um pouco decepcionada pelo que você escrever sobre o livro, mas feliz por não ter perdido o meu tempo.
ResponderExcluirObrigada pela resenha sincera =D
Beijinhos <3
Ainda bem que você não achou o livro! hahaha
ExcluirObrigada pela visita!