Já Li #68 - Fábulas do Tempo e da Eternidade, de Cristina Lasaitis


A resenha de hoje traz uma coletânea de contos cujo tema principal é o Tempo. Como este é meu tema preferido, não poderia deixar de me interessar por "Fábulas do Tempo e da Eternidade", escrito pela brasileira Cristina Lasaitis.

Cristina é uma pessoa muito interessante, e isto é transmitido para sua obra - embora ela mesma diga que a obra é produto de uma Cristina de dez (ou mais) anos atrás. Biomédica, já estudou a biologia molecular do câncer e hoje estuda os preconceitos sociais. 

A coletânea apresenta doze contos, todos eles de ficção-científica. Alguns tratam de viagem no tempo, outros da evolução tecnológica da Humanidade e, ainda, alguns com uma atmosfera cyberpunk. O ponto comum entre todos eles são as reflexões sobre o Tempo e, consequentemente, sobre o Universo. Separei os meus contos preferidos para compartilhar com vocês.

Além do Invisível

O conto de abertura da coletânea tem jeitão de episódio da série Black Mirror (Netflix). Dois indivíduos digitais relacionam-se pela rede de dados e estão apaixonados, até que decidem conhecer a pessoa real atrás do computador. Um deles, hacker, está acostumado a invadir protocolos e servidores. A primeira surpresa é que, na vida real, um homem passava-se por mulher. A segunda surpresa é que, quando se depara com uma realidade completamente diferente do mundo virtual, o hacker decide acabar o relacionamento - o que significa deletar todos os rastros e possibilidades de comunicação entre eles. 
Logo de cara, Cristina traz um ambiente cyberpunk para sua estória, mas com São Paulo como pano de fundo - o que é raro e me causou uma certa estranheza. Uma boa estranheza, que fique claro. O conto começa parecendo ser uma estória de amor mas, no fundo, traz uma mensagem sobre as necessidades de conexão do ser humano e do quão longe estamos dispostos a ir por ela.

Nascidos das Profundezas

Em um deserto abandonado no meio da América do Sul, uma nave tecnológica e futurista aterriza no meio do nada, precisando fazer reparos em sua turbina super aquecida. A tripulação não tem autorização para interagir com os nativos, mas este protocolo é quebrado quando o povo do deserto os trata como Deuses, espantados com a nave e com a tecnologia da equipe. Aos poucos, a tripulação descobre que ainda há Humanidade no planeta, ao contrário do que lhes foi contado antes de a missão começar. Assim, eles se sentem responsáveis pela sobrevivência daquele povo e decidem compartilhar seus conhecimentos e sua tecnologia, em troca da suspensão das guerras tribais que estavam sendo travadas no deserto. 
Com ares de Crônicas de Duna, de Frank Herbert, não teve como não gostar deste conto.

Viagem Além do Absoluto

Para quem gosta de enredos mais realistas e concretos, talvez seja melhor passar longe deste conto. Como eu adoro uma boa reflexão metafísica para dar um nó no cérebro, este conto entrou na minha listinha de favoritos.
A premissa do conto é que o Tempo se estende até a Eternidade mas, mesmo esta, um dia, acaba, nos confins do Universo. Lá onde o Tempo acaba, já não existe a realidade material que nós conhecemos. Tudo o que existe são dois pontos de luz (fótons), nomeados de Alfa e Ômega, que viajam pelo Universo em uma nave com o objetivo de descobrir onde, quando e como tudo acaba. Alfa tem uma identidade mais otimista e determinada, enquanto Ômega é mais destrutivo e pessimista. Eles dialogam enquanto a nave se encaminha para a beira do Universo, ponderando sobre o fim.

Os Parênteses da Eternidade

Deixei o meu conto preferido desta coletânea para o final. Este conto é continuação de outro e sua premissa é que uma brasileira, chamada Claudia Mansilha, conseguiu criar uma forma de nos comunicarmos através do Tempo, ou seja, com as pessoas do passado e com as pessoas do futuro. E ela consegue este feito pois recebe de si mesma uma carta dizendo que seria possível, vinda de seu eu do futuro. Só até aí eu já estava adorando.
Lucas e Phyllis se correspondem através deste mecanismo criado por Mansilha. Ele, do passado, e ela, do futuro. O tom de suas cartas é amoroso e meigo, e Phyllis se prepara para declarar seu amor a Lucas. No entanto, no tempo dela, ele já morreu, e no tempo dele, ela ainda nem existe, o que inviabiliza que eles se conheçam pessoalmente, mesmo com toda a tecnologia que há ao seu redor. Quando Phyllis finalmente resolve declarar seu amor através de uma linda poesia, ela recebe uma notificação de que Lucas já morreu. É uma estória de amor tão triste e tão linda! 

Cristina foi ousada nas suas estórias. Ela inseriu física, ficção-científica, fantasia, reflexões filosóficas e relacionamentos interpessoais em seus contos, de forma corajosa e muito original. É uma leitura que recomendo bastante!

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 

0 Comments