12GLCGM | Do que é feita uma garota, de Caitlin Moran


O Desafio 12 Grandes Livros com Grandes Mulheres (12GLCGM) é uma homenagem às protagonistas femininas que deixaram sua marca no mundo literário, transformando a imagem da mulher, trazendo uma mensagem de empoderamento e força e promovendo reflexões. O Desafio surgiu desta lista com algumas adaptações. O primeiro livro do desafio é "Do que é feita uma garota" de Caitilin Moran.

Caitilin Moran nasceu numa família inglesa humilde e tem mais sete irmãos. Suas experiências na comunidade pobre de Wolverhampton inspiraram o enredo de "Do que é feita uma garota", assim como seu pai, músico frustrado e alcoólatra. Ela começou a escrever aos 13 anos e sempre sonhou em ser escritora.

A protagonista do livro é a adolescente de quatorze anos Johanna Morgan, e começa com cenas de masturbação da garota. Este é o tom que permeará o restante do livro: Johanna não tem vergonha de sua sexualidade recém-aflorada e, por isso, fala sobre o tema com naturalidade e, surpreendentemente, uma certa inocência. Ela questiona diversos paradigmas da sociedade, como o fato dos meninos poderem falar livremente sobre sexo (fazendo piadas, contando suas relações, assediando garotas) e as meninas serem recriminadas por fazer o mesmo. Johanna é sarcástica e engraçada e, quando começa a ter relações sexuais, descobre que a própria mão ainda é seu melhor amante.

Ela e seus quatro irmãos vivem em Wolverhampton, nos anos 90, com o pai bêbado e rockstar frustrado e uma mãe com depressão pós-parto. Eles dependem inteiramente da ajuda do Governo para pagar as contas e o principal benefício advém do pai deles fingir que é aleijado. Um dia, uma das vizinhas descobre, através de Johanna, que o pai mente para o Governo e, tomada pela culpa, ela resolve procurar um emprego para ajudar a família, pois teme que a vizinha os denuncie.

“Mal posso esperar para morarmos em Londres”, digo a Bianca, que está se equilibrando sobre a sarjeta, fazendo suas necessidades. Eu me viro, para dar um pouco de privacidade a ela. Ela é uma cadela bem discreta, acho. “Quando for para Londres é que vou começar a ser eu mesma.” O que isso quer dizer, eu não faço ideia. Ainda não há uma palavra para descrever o que quero ser. Não há nada que eu possa almejar. O que eu quero ser ainda não foi inventado." (Do que é feita uma garota, de Caitilin Moran)

Johanna aproveita esta decisão para se reinventar. Ela muda seu nome para Dolly Wilde e, depois de ouvir todos os LP's possíveis de serem encomendados na Biblioteca Pública, começa a escrever críticas musicais e enviá-las a diversos veículos de divulgação. Um dia, um deles a contrata e ela, pode enfim, deixar a realidade de Wolverhampton para trás e ser 100% Dolly Wilde. 

"Um monstro chegou à cidade — eu — e só um herói pode matá-lo: eu. Eu não vou me matar de verdade, é claro. Para iniciantes, acho que deve ser um pouco difícil, e a luta é suja — talvez envolva mordidas —, e, em segundo lugar, na verdade não quero morrer. Não quero que haja um corpo na cama, e que seja o fim de tudo. Não quero não viver. Eu só… quero não ser mais eu. Tudo o que sou agora não está funcionando." (Do que é feita uma garota, de Caitilin Moran)

Dolly é a perfeita encarnação do sexo, drogas e rock'n'roll e, com seu trabalho, ela traz à tona mais dois paradigmas. O primeiro são os estereótipos das "garotas gordas" como ela (preguiçosas, com baixa autoestima, tímidas e ruins de cama - segundo a trama) e Johanna não se encaixa em nenhum deles. O segundo paradigma é como os mundos do trabalho, do dinheiro e da música são dominados pelos homens e ela não encontra nenhuma mulher para usar de referência. Além disso, Dolly vivencia suas experiências sexuais com crescente frustração, notando que os homens não se importam, de verdade, com o prazer e o orgasmo da mulher. 

Dolly é intensa em suas paixões, vicia-se rápido em bebidas e cigarro, tenta "pertencer" a um grupo e, de vez em quando, é patética e frágil. Sua jornada de autoconhecimento é hilária, provocativa e profunda, numa rara combinação. A atmosfera deste livro, embora seja datado dos anos 90, tem um quê de Jack Kerouac: libertário e transgressor.

"Mas não quero ser nobre e dedicada como a maior parte das mulheres da história — o que parece invariavelmente envolver ser queimada na fogueira, morrer de tristeza ou ser emparedada em uma torre por um conde. Não quero me sacrificar por alguma coisa. Não quero morrer por algo. Não quero nem mesmo subir numa colina na chuva usando uma saia que esteja grudando nas minhas coxas por alguma coisa. Quero viver para algo, isso sim — como fazem os homens. Quero me divertir. O máximo de diversão possível. Quero começar a fazer festa como se fosse 1999 — só que nove anos antes. Quero uma jornada arrebatadora. Quero me sacrificar à alegria. Quero tornar o mundo melhor de algum jeito." (Do que é feita uma garota, de Caitilin Moran)


Johanna é, sem dúvidas, uma das melhores anti-heroínas que já li. Ela faz todas as coisas "erradas" - mentiras, vicios, comportamento promíscuo - pelos nobres objetivos de encontrar sua identidade e, ao mesmo tempo, ajudar sua família a sair da pobreza. E, como uma personagem real, Johanna não torna-se uma pessoa melhor do dia para noite, e sim, depois de cometer muitos erros e magoar muitas pessoas, principalmente ela mesma. Além disso, Moran traz uma série de reflexões sobre o que é ser uma garota, sem discursos clichês ou apelações, mas de uma maneira transparente e fluida.

Foi uma leitura que devorei em dois dias e que recomendo.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 

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