Foi um de seus impulsos de criança que a fez subir na árvore. Um de seus sentimentos de infância perdida que aparecem de repente, principalmente em dias difíceis, e a lembram que existe esta lacuna na sua história. E vem a vontade de fazer besteira, de brincar de pular corda, de colorir desenhos mal feitos, de dormir o dia todo abraçada no bicho de pelúcia - e, assim, tentar preencher aquele vazio com algo doce e cheio de conforto.
Tão logo ela subiu na árvore, ajeitou as pernas entre os galhos mais altos e encostou-se no tronco, ela se lembrou de sua porção de menina-mulher melancólica. Era inevitável. A melancolia era já uma parte tão essencial dela que era impossível inibi-la. No máximo, ela conseguiria adiar seu aparecimento, e mesmo assim, não era isso que ela queria: ela era assim, oras - criança tentando se achar no mundo e ficando perdida a maior parte do tempo.
Balançando os pés no alto da árvore, ela olhava para o chão. Que mania essa, a de olharmos para baixo! Indignada consigo mesma, olhou para cima, procurando alguma estrela, um pedaço de Lua, uma nuvem em formato de ovelha. O que encontrou foram lindas e coloridas luzes, enroscadas por entre os galhos da árvore.
As lâmpadas eram grandes e as luzes se dividiam entre vermelho, verde, amarelo e azul. Não piscavam, ficavam imóveis e permitiam que fossem observadas por longos segundos. E assim ela fez. Porque nada de mais agradável havia para ser feito naquele momento do que perder-se em meio às cores. A vida lá fora estava cheia de caos e barulho - e ela sempre (sempre!) buscava o silêncio.
Ah, e que alívio perceber que a noite estava silenciosamente confortável ao seu redor.
Uma das luzes - uma vermelha - estava bem ao alcance de uma das suas mãos. Ela estendeu e tocou a lâmpada com a ponta dos dedos, esperando que o vidro estivesse quente. Mas não estava - estava frio e duro. O vermelho lá de dentro a chamava, e nele viu o reflexo dos seus olhos: assustados, olhos de criança. Piscavam pouco, pois estavam concentrados em encontrar alguma coisa.
Mas o quê?
Quem sabe.
Ela mordeu a lâmpada como quem morde uma maçã. E, dentro do vidro, a luz vermelha se transformou em suco: escorrendo pelo canto da boca, pelo queixo, pelos dedos - suculento e doce. Ela mordeu cada pedaço, às vezes com raiva, às vezes com desejo, e tudo aquilo a inundou. Ela havia encontrado um pouco de vida, e aquilo a nutria toda por dentro. Preenchia. Alimentava.
E ela quase conseguia escutar os risos saindo de dentro dela, escapando da melancolia, a cada mordida que dava na luz.
Porque crianças adoram luz de sobremesa, sabia?
2 Comments
Nada como uma pitadinha de surrealismo pela manhã! rs*
ResponderExcluirBelo texto
Acho que estou precisando comer umas luzes...
ResponderExcluir