Virgínia, é você?



Estou acostumada a pensar na minha angústia como um vazio, e a senti-la como um buraco no meio do peito. Ecoando um silêncio dolorido e cinzento. Ela, uma velha companhia, amiga desde a infância, que, mesmo quando esteve ausente, sentia me observando por trás da porta. Mas, em meio à tantas desconstruções (ou reconstruções), até minha angústia ganhou uma nova forma: ela não é mais um vazio, e sim, um excesso.

É um afeto que não me engana - embora eu tente fechar os olhos a ele. Transborda dentro de mim e derrama tanto no meu mundo, um tanto que não consigo sempre discernir: estou perdida porque estou muito viva. Faz sentido perceber-se melancólica porque a vida está entrando nos eixos? Alguma coisa, alguma  vez, fez algum sentido por aqui: acho que não.

Não sei o que fazer com esse excesso. Se guardo em potinhos para quando o vazio chegar. Se distribuo em baldes para lavar o quintal. Se recolho com as mãos e bebo, como água. Porque eu tenho me percebido mais completa a cada dia, e os espaços vazios que vão sumindo me deixam com uma pergunta pendurada no cantinho da minha mente: ainda sou a mesma?

Claro que não. E isso é um grande alívio.

Havia tanto o que ser consertado na minha casa quebrada, e finalmente consigo ter um pouco de energia para a reforma. Eu estive tão confortável no meu vazio e na minha solidão, por tantos longos e árduos anos, que estranho o calor gostoso que faz agora. Não encontro na minha vida o frio e o silêncio que sempre estiveram por aqui, e sinto medo.

Fiquei muito tempo no escuro: abri a janela e o Sol entrou, aceso e claro. Dói os olhos, mas ah!, a imagem é tão linda, e o dourado é tão perfeito.

Sinto felicidade, uma felicidade tão profunda que me assusta. Sempre gostei de contradições e aqui vai mais uma: a felicidade me deixa melancólica. É o excesso, e o não saber o que fazer com ele. Mas eu gosto: este tipo de confusão eu aceito de bom grado. E tento cuidar dessa felicidade com o maior cuidado, porque quando olho a minha história, percebo que é o que tive de mais precioso até aqui.

A angústia de ser uma criança e ganhar aquele presente que você desejou por muito tempo: colocam ele nas tuas mãos e você não sabe nem por onde começar a abrir o pacote. Porque é algo tão mágico que a criança  teme que não seja real. Os sonhos existem, então? Ah, ando cheio de perguntas, como sempre - mas as perguntas que me faço agora são completamente diferentes. 

Será que finalmente posso considerar que estou sendo salva? Assim espero.
Quero recuperar os pedaços que deixei pelo caminho.


2 Comments

  1. Ela sobra, pq preenchia o vazio.
    Deixa-a sobrar, transbordar e escoar.

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  2. O costume pelo cinza faz com que o dourado lhe pareça assustador. Mas deixe-o ser! O susto é uma forma de conhecer coisas novas, sentimentos novos. Todo dia quando acordamos, seguimos por um rumo desconhecido. Todo dia é dia de espanto. E às vezes dá muito certo (:

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