Sugestão de Leitura | A Vegetariana, de Han Kang

 


A resenha de hoje é uma leitura bastante interessante da obra "A Vegetariana", da escritora sul-coreana Han Kang.

Aproveito para te lembrar que aqui no Perplexidade e Silêncio existe uma sessão chamada "Desafio Livros Pelo Mundo", onde li diversos autores fora do eixo Estados Unidos - Reino Unido. Super recomendo que você dê uma olhadinha aqui.

Conheci Han Kang quando ela ganhou o prêmio Nobel de Literatura e, a partir daí, me interessei por ler alguma obra sua. Comecei com "A Vegetariana", publicado originalmente em 2007, que conta a história de Yeong-hye através do ponto-de-vista de três personagens: seu marido, seu cunhado e sua irmã. Cada ponto-de-vista é uma parte do livro, que nunca apresenta a narrativa da perspectiva da protagonista (o que achei muito legal, aliás).

Antes do início dos pesadelos, Yeong-hye e seu marido viviam uma vida normal e controlada, e Yeong-hye como uma mulher completamente sem personalidade e sem identidade. Porém, quando os pesadelos começam, com imagens violentas de sangue e brutalidade, Yeong-hye decide renunciar à carne, acreditando que isso fará com que os pesadelos parem. Porém, sua decisão repentina e radical desencadeia uma série de acontecimentos ruins com seu marido e, eventualmente, com o restante da sua família, resultando que Yeong-hye tenta tirar sua própria vida e é internada em um hospital psiquiátrico.

Logo suas tentativas de parar com os pesadelos se tornam desesperadas, submetendo primeiro sua mente, e depois seu corpo, a violações cada vez mais intrusivas e perversas, enviando Yeong-hye para um distanciamento perigoso e bizarro, não apenas daqueles mais próximos a ela, mas também de si mesma.

Antes de mais nada, é bom deixar claro que o livro não tem nada a ver com vegetarianismo, e isso sequer é discutido no enredo. É um livro sobre crises existenciais, angústia, anseios, desejos e proibições. 

O que eu mais gostei deste livro é quão estranho ele é, e é uma estranheza proposital. Kang quer nos transportar para o mundo de Yeong-hye e isso não poderia acontecer se a narrativa do livro fosse tradicional. Eu fiquei completamente entretida na história, querendo saber não apenas o fim da protagonista mas, sobretudo, como sua loucura atingiria a vida das pessoas ao seu redor. 
De todos os pontos-de-vista, o que mais gostei foi o segundo, do cunhado. Marido de sua irmã, ele se apaixona por Yeong-hye e, a princípio, parece ser a primeira pessoa que realmente vê a protagonista como ela é, mas logo se torna claro que Yeong-hye também é um objeto para ele, o que reforça ainda mais a anulação de sua identidade e personalidade, que começou na primeira parte com seu marido.
Mas é também o cunhado que oferece à protagonista e ao leitor o único momento de alegria de Yeong-hye, o que é recebido com alívio em meio a tanta insanidade.

Existem muitas camadas que podem ser discutidas com este livro, e isso por si só já me faz gostar da leitura. Existem cenas de assédio, misoginia e machismo, e a inatividade de Yeong-hye me parece ser uma maneira extrema de Kang jogar estes temas na nossa cara. Há também o passado de abuso da protagonista pelo pai, que abre uma outra cadeia de discussões. E há sua loucura, que me soa como um esforço imaginativo de Kang ao estilo "o que de pior pode acontecer com uma mulher como ela?". E, claro, não podemos esquecer o recorte cultural onde se passa a história, a Coreia do Sul, e todas as expectativas sociais existentes para a mulher neste país.

É uma leitura que eu recomendo muito.
Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 4/5

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