Já Li #134 - O Olho Mais Azul, de Toni Morrison

Toni Morrison é uma das escritoras mais premiadas, famosa no mundo inteiro por seu estilo profundo ao falar de questões raciais. Sempre tive curiosidade de ler uma obra sua, queria ver se ela realmente fazia juz à sua fama, e depois de ler "O Olho Mais Azul" digo: faz, sem dúvida. Na resenha de hoje, falarei sobre essa obra e um pouco sobre Toni também.

Toni Morrison, falecida em 2019, nasceu e foi criada em uma cidade conservadora de Ohio, que inclusive é o cenário de fundo de seu primeiro romance, "O Olho Mais Azul" de 1970. Apesar de sua cidade "permitir que negros convivessem com brancos", episódios de linchamento de negros eram frequentes e, na vida adulta, Toni decidiu transformá-los em livros, não só para que todos entendessem o que era ser negro nos Estados Unidos como também para processar essas experiências.

Ela é uma das grandes responsáveis por disseminar aliteratura negra ao grande público, sobretudo pela forma emocional e tocante com que aborda assuntos como segregação e violência.

"O Olho Mais Azul" conta a história de Pecola Breedlove, uma menina negra de treze anos de idade que não tem família. Seu pai colocou fogo na casa onde moravam depois de abusá-la e engravidá-la, e ela é abrigada pela família de Claudia e Frieda, de nove e dez anos de idade respectivamente.
Frieda e Claudia fazem de tudo para ajudar Pecola e sentem compaixão por ela. Chegam a gastar seu precioso dinheiro com a menina, na esperança de que o bebê sobreviva, mas Pecola perde o nenê - uma informação que é dada de forma breve e sutil no meio da história, como se não fosse nada digno de nota, que é como as crianças perceberam a situação.

A partir de flashbacks, o leitor fica sabendo a história da família de Pecola, sobretudo de seu pai. Além disso, há diversos trechos dedicados à origem do título do livro, quando Pecola pede a Deus que tenha olhos azuis, uma vez que ela vê nas bonecas e na escola que as meninas bonitas são aquelas que tem olhos azuis, o que a lembra constantemente que, sendo negra e pobre, ela é feia.

O que mais gostei nessa leitura foi a forma como Toni escreve sobre sentimentos. Por exemplo, ninguém pergunta a Pecola o que ela quer de Natal, já que perdeu a casa, a família e o nenê. Os pais de Claudia e Frieda tentam, genuinamente, extrair algum tipo de alegria da menina, enquanto ela aguarda para ser adotada, mas neinguém realmente se digna a saber o que ela realmente quer. Pecola pensa nisso por conta própria e chega à conclusão que o que ela quer de Natal não é uma coisa, e sim, uma experiência, mas ela não sabe descrever esse sentimento bom porque nunca o sentiu, e daí a necessidade de ganhá-lo como um presente de Natal. O jeito como Toni escreveu essa passagem encheu meus olhos de lágrimas e lembro que precisei de um momento antes de retomar a leitura, fiquei bastante mexida.
Este foi só o exemplo que consigo narrar com mais clareza, mas o livro é repleto de frases lindas, tão bem construídas que tive vontade de voltar a escrever textos instrospectivos de novo. Toni usa as palavras de uma forma belíssima, como poucas pessoas sabem fazer, e me fez pensar em Virgínia Woolf e Elena Ferrante.

A crítica social ao racismo permeia todo o enredo e não é sutil nem indireto. Toni narra eventos como segregação, preconceito e violência doméstica com naturalidade, e essa naturalidade quer mostrar ao leitor que, por mais chocante que sejam, aqueles eventos fazem parte da realidade dos negros e, muitas vezes, são recebidos sem reação, sem choque, sem revolta, porque é como eles conhecem o mundo. 
A cena do estupro de Pecola pelo próprio pai é bizarra exatamente porque é narrada sem comoção. A minha perplexidade veio exatamente por essa ausência de julgamento, ao contrário, parece até que Toni quer fazer o leitor se compadecer pelo pai da garota, porque é a forma como a própria Pecola viu a situação. É assustador de um jeito que eu nunca tinha lido antes.

O curioso dessa obra é que nem a própria Toni deu voz à Pecola, e eu acho que isso foi intencional. A história da menina é contada através de Cláudia, Frieda e dos flashbacks, mas o leitor nunca entra em contato com os reais sentimentos e pensamentos de Pecola. Na minha opinião, Toni optou por essa abordagem porque a própria Pecola não sabe lidar com o que lhe aconteceu, soterrada como está em abandono e confusão, e a única coisa que parece realmente incomodá-la é o fato de não ter olhos azuis. Isso tudo causa uma estranheza no decorrer da leitura. No entanto, no final da edição mais recente desse livro, Toni adicionou uma observação de que essa sua escolha não foi a mais acertada e que ela gostaria de ter reescrito a história com outra estrutura.

De forma geral, foi uma leitura rápida e que gostei bastante. Definitivamente me deu vontade de conhecer mais sobre a obra de Toni Morrison e é um enredo que gera bastante discussão. Por isso, é uma leitura que recomendo.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 

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