Tem alguns livros que acho que são um pouco mal compreendidos pelos leitores, e "A Solidão dos Números Primos" de Paolo Giordano é um dos exemplos. Apesar de ter visto várias resenhas negativas sobre esse livro, posso dizer que eu adorei a leitura, e neste post explico os motivos.
Paolo Giordano é físico, especializado em Física de Partículas, e seu primeiro livro, “A Solidão dos Números Primos” foi traduzido em mais de trinta idiomas. Ele deu uma entrevista muito interessante sobre o estereótipo que temos de que cientistas não podem ser escritores e de que escritores são sempre de "Humanas". A entrevista está em inglês e pode ser lida aqui.
O romance narra a infância e a idade adulta de Mattia Balossino e de Alice Della Rocca que foram expostos a situações traumáticas que os seguiram até a idade adulta. Ambos são estranhos, semelhante à forma como os números primos são estranhos em relação aos outros números. Eles se tornam amigos, formando um relacionamento especial - tornando-se muito próximos, mas nunca românticos. O relacionamento deles é interrompido mas as circunstâncias os unem novamente e, embora se amem claramente, são incapazes de expressar suas emoções. Essa relação é comparada aos números primos: sempre juntos, mas nunca se tocando.
Quando tinha sete anos de idade, Alice é forçada pelo pai a ter aulas de esqui, embora ela odeie e não tenha nenhuma aptidão particular para o esporte. Uma manhã, Alice é separada do resto do grupo e cai de um penhasco, sofrendo ferimentos graves. Alice permanecerá aleijada pelo resto da vida.
Mattia é uma criança talentosa e inteligente, ao contrário de sua irmã gêmea Michela, que sofre de uma forma grave de retardo mental. Isolado do resto de seus colegas por causa de sua irmã, Mattia vive sua infância em solidão. Quando ele e sua irmã são convidados para a festa de aniversário de um colega de classe, Mattia deixa Michela em um parque para que ele possa participar da festa sem ela. Após seu retorno ao parque, algumas horas depois, Michela desapareceu, talvez se afogou em um lago próximo, e nunca é encontrado, apesar de uma busca e investigação policial.
O relacionamento entre Alice e Mattia e a forma como Giordano fala de suas emoções me lembrou muito "A Insustentável Leveza do Ser" de Milan Kundera. Ao mesmo tempo que é delicado, também pode ser denso e profundo. Enquanto Alice quer ser aceita, Mattia apenas se esquiva e vive sua vida de acordo com as fórmulas matemáticas. A amizade deles é forte, mas silenciosa e sem toque. Ela não pode abri-lo e ele não sabe como se abrir para ninguém.
O número de Mattia: 2760889966649O número de Alice: 2760889966651
Se você não quer ler spoilers, sugiro pular o próximo parágrafo.
O leitor não pode esperar um final fechadinho, tampouco criar a expectativa de que Mattia e Alice vão ficar juntos. O próprio nome do livro já conta o final da estória: eles vivem em solidão, desconectados, sempre com um número os separando, ou seja, há sempre um pensamento, um sentimento ou algo que os impede de se aproximarem - e esta é exatamente a beleza do enredo. Assim como os números primos, Mattia e Alice seguem jornadas paralelas que nunca se interconectam.
Na minha opinião, este livro não é sobre o amor, e daí faz todo o sentido que Mattia e Alice não fiquem juntos. Sinto que é um livro sobre a condição solitária de todos os seres humanos, principalmente daqueles que não conseguem superar as tragédias que acontecem em suas vidas. Há um abismo em Alice e em Mattia que é instransponível.
Eles chegam a perceber que poderiam desenvolver algum tipo de relacionamento amoroso, mas não conseguem encontrar as palavras, os gestos e as formas de fazer isso. A mim, ver Alice aceitando sua anorexia, mesmo que isso desencadeie o divórcio com Fábio, me doeu bastante. Mas achei ainda mais difícil ler as partes de Mattias, com sua vida tão árida e monótona, como se estivesse morrendo aos poucos.
Além disso, acho que as resenhas negativas também podem ter vindo de leitores que não estão acostumados com pessoas disfuncionais na vida real. As personagens são esquisitas, difíceis, perturbadoras, mas retratam muito fielmente as experiências traumáticas de "gente de verdade" e eu mesma me identifiquei em muitos trechos da leitura.
Por isso, é uma leitura que eu recomendo para quem gosta deste tipo de reflexão e também para quem não se importa de ler um livro sem final.
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