O desafio Literatura de Res-Peito tem como objetivo falar de livros com um forte protagonismo feminino, escritos por mulheres à frente de seu tempo e que tratem de assuntos polêmicos, feministas e importantes para a evolução do papel da mulher na sociedade. Hoje, o livro participante do desafio é "Mulheres e Deusas" de Renato Noguera.
Carioca, Renato Noguera é filósofo e especialista em cultura afro-brasileira, africana e indígena. Além disso, Renato também escreve literatura infantil, a coleção Nana & Nilo, sobre crianças que viajam no tempo e no espaço em busca de respostas para suas perguntas curiosas.
"Mulheres e Deusas", publicado em 2018, é um livro que compila os principais mitos femininos gregos, iorubás, judaico-cristãos e guaranis. O grande mérito de Renato Noguera é que ele explica a filosofia por trás dos mitos de maneira simples e acessível, fazendo conexões com o movimento feminista e com os tempos modernos. Seu objetivo é demonstrar que, ao longo dos séculos, os mitos reforçaram ou questionaram o papel da mulher na sociedade.
O patriarcalismo dos mitos gregos e judaico-cristãos
Noguera separou os principais mitos femininos gregos e os analisou de diversos ângulos, mostrando como eles são, de fato, um produto de sua época, colocando a mulher à margem dos homens, descritos como divinos e imortais. De todos os mitos, o que ficou mais gravado na minha memória foi o de Liríope. Liríope era uma ninfa, ou seja, um espírito da natureza de extrema beleza, que vivia em total liberdade. Céfiso, o deus dos lagos, tanto insiste e abusa de Liríope que ela acaba por engravidar de Narciso, para ser abandonada pelo deus logo em seguida, tendo que criar seu filho sozinha e perdendo o posto de ninfa. Liríope fala da anulação da mulher frente à maternidade e de sua submissão aos caprichos masculinos. Renato Noguera traz uma profunda reflexão sobre "ser mãe x ser mulher" que me deixou dias e dias pensando.
Já na parte judaico-cristã, Noguera traz, sem constrangimentos, vários trechos da Bíblia que mostram apologia ao estupro de mulheres, bem como outros trechos que retratam o surgimento da noção de que a mulher é a dona dos pecados, enquanto o homem não. O filósofo tem consciência de que, num país católico e religioso como o nosso, tocar neste tipo de assunto é polêmico, e o faz mesmo assim. Gostei de suas ponderações sobretudo a respeito de Lilith.
O feminismo dos mitos iorubás e guaranis
Não conheço muito da cultura iorubá mas, definitivamente, Noguera me fez querer me aprofundar no assunto. Ele traz diversos mitos de orixás e, de maneira geral, demonstra que, nestes mitos, a mulher tem um papel de maior destaque, sendo mais protagonista e empoderada no que nos mitos acima mencionados. Gostei, sobretudo, de Oxum. Ela, a orixá dos rios, percebe que os orixás masculinos andam recebendo mais atenção no sistema "hierárquico" dos deuses e fica muito incomodada. Para reverter este cenário de poder, ela une forças com outras orixás femininas para desbancar o patriarcalismo e, assim, consegue fazer com que as orixás femininas sejam ouvidas.
Também fiquei fascinada por Oxumaré, um orixá que muda de gênero constantemente, ora sendo masculino, ora sendo feminino. Quando macho, é representado por um arco-íris; quando fêmea, uma serpente.
Já na parte dos mitos guaranis, Noguera não apresentou nenhum mito em específico que tenha chamado a minha atenção, mas a noção geral de predominância feminina se manteve.
Em relação ao livro em si, gostaria que ele tivesse sido mais longo, pois eu estava adorando as análises de Noguera. Ele deu mais foco aos mitos gregos e iorubás, e acredito que poderia ter se aprofundado mais nos mitos judaico-cristãos e guaranis. Mas, mesmo assim, foi uma leitura muito fluida e interessante, onde senti que aprendi (e refleti) muito.
No final do livro, Noguera faz um fechamento trazendo o tema da sororidade, também muito relevante.
Por isso, é uma leitura que recomendo.
Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 
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