Sugestão de Leitura | MadAddam, de Margaret Atwood


Às vezes, uma estória é tão boa, mas tão boa que, quando chega ao fim, deixa uma tristeza e um vazio literário. É isso o que aconteceu agora que finalizei a leitura da trilogia MadAddam, de Margaret Atwood. No último volume, de mesmo nome, Atwood traz um excelente fechamento para uma das melhores ficções especulativas que  já li.

Caso você prefira saber sobre os volumes anteriores da trilogia, clique abaixo:

Embora os três livros estejam entrelaçados, as obras podem ser lidas separadamente, pois elas fazem sentido individualmente. Porém, ao ler os livros na ordem da trilogia, a experiência de leitura sobe um nível, pois o leitor se depara com as personagens principais dos outros livros mas, agora, em papel coadjuvante.

A premissa da trilogia é que toda a raça humana foi exterminada, propositalmente, devido a uma pandemia que derreteu os seres humanos. A pandemia foi possível através da inserção de componentes químicos específicos nas vitaminas e nos remédios contra impotência sexual, os dois medicamentos mais vendidos no mundo. Esta praga foi construída em laboratório com o objetivo de substituir os seres humanos por uma raça superior, chamada Crakes. Os Crakes foram nomeados a partir de seu criador, Crake, que dá o título do 1º volume, Oryx e Crake. Os Crakes são seres geneticamente construídos para não possuírem os defeitos físicos, morais e psicológicos dos seres humanos: eles não sentem medo, não são violentos, são amorais, ingênuos, possuem uma pele que repele insetos para evitar doenças de contágio, entre outras características.

No primeiro volume, a estória do extermínio da raça humana foi contada a partir do ponto-de-vista de Jimmy, amigo de Crake. No segundo volume, a perspectiva é de Ren e Toby, duas garotas que foram salvas pelos Jardineiros, um grupo/seita que acredita na salvação do homem, dos animais e das plantas. Elas, eventualmente, encontram Jimmy, ferido e à beira da morte, e o levam para os Jardineiros, onde ele poderá ser medicado e curado.

O terceiro volume começa imediatamente depois do término do segundo, retomando a estória do mesmo ponto. Ren e Toby resgatam sua amiga, Amanda, de uma armadilha feita por alguns bandidos que rondam a Terra após o extermínio. Elas também encontram Jimmy, que está quase morrendo por causa de uma infecção decorrente de um acidente (relatado no primeiro volume) e os Crakes, que cuidam de Jimmy e acham que ele é um enviado de Deus. Os Crakes acreditam que o Deus é Crake, o criador deles, e como Jimmy era amigo de Crake, eles o consideram uma espécie de profeta e o veneram.

Com a decadência mental e física de Jimmy, Toby o substitui como líder dos Crakes e, por isso, todas as noites, ela precisa contar as estórias que Jimmy contava a eles: sobre a criação do mundo, sobre o fim do caos e sobre as coisas que existem ao redor deles. Os Crakes não sabem nada - literalmente - e os trechos onde Toby precisa explicar o funcionamento de tudo são os melhores do livro. Estes trechos misturam poesia, humor e uma melancolia doce, por causa da imensa ingenuidade dos Crakes. Os momentos de humor ficam por conta do Foda-Se - Toby, um dia, solta este palavrão na presença dos Crakes e não consegue explicar o que significa; os Crakes acabam achando que Foda-se é um Deus, amigo de Crake. Assim, nos momentos de perigo, os Crakes chamam pelos poderes do Foda-Se.

Aqui, a voz narrativa se reveza entre Toby e Zeb, o líder dos Jardineiros. Nos momentos em que Zeb é o narrador, a estória volta ao passado e ele narra os eventos de sua vida desde a adolescência, ao lado de seu irmão adotivo Adão. Adão é o responsável por criar uma rede secreta de hackers que organiza diversos assassinatos de homens poderosos e maus, incluindo o pai de ambos, um reverendo. Zeb também conta como conheceu Glenn, que posteriormente se tornará o Crake que dizimará a raça humana. Entre eles, há uma série de personagens coadjuvantes também muito relevantes que tem o objetivo de proteger o abrigo secreto deles dos bandidos.

Dentre os Crakes, há um ritual de reprodução onde a fêmea, quando está ovulando, fica com o abdômen azul, o que sinaliza aos machos que ela está apta para uma relação sexual. Quatro machos fazem sexo com uma fêmea, que engravida e perpetua a raça dos Crakes. Amanda, uma das Jardineiras, está ovulando e os Crakes sentem o cheiro, encurralando-a e forçando-a ao ato sexual com quatro machos. Para os Crakes, eles fizeram uma gentileza; para Amanda, foi estupro. Amanda acaba engravidando dos Crakes o que propicia, ao final do livro (e da trilogia) a sensação de continuidade da estória: como serão os híbridos de humanos e Crakes? Será que Glenn/Crake previu que isso aconteceria? Será que os híbridos serão violentos como os humanos ou pacíficos como os Crakes? A idéia que Atwood dá é que o mundo será repopulado a partir dos Jardineiros, pois duas moças também estão grávidas de seus respectivos cônjuges.

Mas, para mim, a parte mais bonita da estória é o relacionamento entre Toby e o Crake Barba Negra. Barba Negra é um Crake criança, o que lhe confere uma personalidade ainda mais doce e inocente. Ele logo se vincula à Toby, pois ela é amável e carinhosa com ele. Barba Negra fica curioso com o diário de Toby, pois ele não entende o que é escrita, comunicação, palavras, caneta e papel. Aos poucos, Toby ensina Barba Negra a ler e a escrever e, ao final do livro, o leitor sabe o que está acontecendo através dos registros dele, que são meigos, equivocados e engraçados. Ele acabou se tornando minha personagem preferida de toda a trilogia, e fiquei feliz por Atwood ter dado mais destaque aos Crakes neste volume. Afinal, são eles e os Jardineiros que irão reconstruir a Terra.

A trilogia é incrível. Atwood não poupa violência em seus relatos, construindo uma narrativa densa, profunda e perturbadora em todos os volumes. Suas personagens são muito bem desenvolvidas e os elementos de ficção especulativa fazem muito sentido. É uma leitura que recomendo muitíssimo.

Navegue pelos outros conteúdos de Margaret Atwood:

0 Comments