Uma das minhas escritores preferidas é Margaret Atwood. Dois livros dela já foram sugestão de leitura aqui no blog: Oryx e Crake e O Conto da Aia. Neste post, falarei mais sobre "O Ano do Dilúvio" e porque ele merece ser lido.
No post sobre as 8 Séries Literárias que Estou Lendo falei sobre a Trilogia MaddAddam. No Brasil, foram lançados apenas os dois primeiros volumes: Oryx e Crake e O Ano do Dilúvio. Antes de falar sobre o livro deste post, vou explicar um pouco sobre a trilogia.
A premissa da trilogia é que toda a raça humana foi exterminada por causa de uma pandemia. Esta praga foi construída em laboratório com o propósito de extinção dos seres humanos, a fim de substituí-los por uma raça superior, os Crakes. Os Crakes foram nomeados a partir de seu criador, Crake, que dá o título do 1º volume, Oryx e Crake.
Apenas alguns poucos humanos sobreviveram à catástrofe e a estória é contada a partir do ponto-de-vista deles. Assim, no 1º volume, Jimmy narra os acontecimentos e, no 2º volume, O Ano do Dilúvio, a estória é contada por Ren e Toby.
Embora os três livros estejam entrelaçados, as obras podem ser lidas separadamente, pois elas fazem sentido individualmente. Porém, ao ler os livros na ordem da trilogia, a experiência de leitura sobe um nível, pois o leitor se depara com as personagens principais dos outros livros mas, agora, em papel coadjuvante.
Em "O Ano do Dilúvio", a estória da pandemia é contada a partir das camadas populares da sociedade. O foco maior é nos "jardineiros", uma seita que prega o vegetarianismo, a espiritualidade e a simplicidade, e são considerados maníacos religiosos pelos demais grupos da sociedade. Os jardineiros, pela sua natureza pacífica, acolhem qualquer pessoa renegada da sociedade, dando-lhe moradia, alimento e segurança em troca de trabalho e fé. Os jardineiros se preparam para enfrentar O Dilúvio Seco, pois eles pressentem que algo muito ruim irá acontecer com a Humanidade.
Os jardineiros abrigam duas moças, que serão as protagonistas da estória: Ren e Toby. A narrativa de Ren é em primeira pessoa, enquanto a de Toby é em terceira pessoa. E, de acordo com a característica de escrita de Atwood, o enredo transita entre passado, presente e futuro, e o leitor precisa encaixar as peças do quebra-cabeça.
Toby perdeu sua família e, para fugir do governo, começou a trabalhar em um subemprego numa rede de lanchonetes que vende hambúrgueres feitos de pessoas mortas. Seu chefe, Blanco, é um horrível psicopata que a violenta de toda as formas possíveis. Ren tem uma mãe apática e indiferente que é largada pelo marido rico e poderoso e entra em um relacionamento abusivo com Zeb (que é o protagonista do 3º volume, MaddAddam).
Ambas encontram refúgio nos jardineiros, mas nenhuma delas consegue acreditar nos preceitos religiosos da seita. Mesmo assim, elas se esforçam para se encaixar no grupo, pois apreciam a rotina e a segurança que o trabalho com os jardineiros propicia. Sendo Atwood a escritora crua que é, e sendo a trilogia uma distopia, não é difícil de imaginar que esta tranquilidade de ambas não irá durar muito. Além disso, Ren conta sobre Jimmy a partir de sua perspectiva e Toby sobre Crake, que ainda não possui este nome e é chamado de Glenn.
Esta intersecção com o 1º volume é incrível. Atwood não faz menções diretas e claras aos protagonistas de Oryx e Crake, então, quando o leitor percebe quem é quem na narrativa, é de perder o fôlego. A estória deste livro corre em paralelo à estória do 1º volume e os pontos de encontro são inúmeros.
O leitor de estômago fraco não deve ler Atwood: ela escreve sobre violência, sexo, morte e toda a sorte de depravação e humilhação humanas. Mesmo seus protagonistas são imorais e perversos, portanto, o leitor não deve esperar definições claras de "bem versus mal", muito menos "heróis e vilões". Estas divisões e estereótipos não existem na escrita de Atwood, o que a torna uma escritora ainda mais fantástica. Sua visão do mundo e da raça humana é pessimista e darwinista e não agradará a almas românticas que acreditam no amor.
Mal posso esperar para ler a conclusão da trilogia e continuar no mundo negativo, mas ainda assim maravilhoso, de Atwood.
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