Faz muito tempo desde que recomendei a leitura de "Na Estrada", de Jack Kerouac, aqui. Agora, senti vontade de falar sobre a obra e sobre o filme, lançado pelo diretor brasileiro Walter Salles em 2012.
"Na Estrada" foi escrito por Jack Kerouac em 1957, em apenas três semanas. É fácil entender seu estilo (literário e de vida) logo nas primeiras páginas: ele escreve num fôlego só, numa cadência sem pausas para respirar, impulsivo e impetuoso. O livro foi escrito à base de benzedrina - um tipo de anfetamina - e jazz.
A estória gira em torno de dois jovens, Sal Paradise e Dean Moriarty, que resolvem fazer uma road trip pelos Estados Unidos, sem nenhum tostão no bolso. Eles vão e vem pelo país, conforme encontram pessoas ou situações que despertam seus interesses, sem nenhum objetivo ou planejamento do que estão fazendo. A viagem, além das drogas, bebidas e sexo, tem um caráter quase espiritual, pois Kerouac - com sua narrativa alucinada e sem interrupções - mostra o encontro que cada personagem tem com seus sentimentos mais íntimos, a medida que a viagem vai se estendendo.
Ao longo do livro, surge Allen Ginsberg, poeta e com tendências suicidas, que exerce uma enorme influência em Sal e Dean. Posteriormente, seria lançado um filme somente para ele, chamado "Kill Your Darlings" (2013), que conta com Daniel Radcliffe no elenco.
No filme, a esposa de 16 anos de idade de Dean, Marylou (interpretada pela Kristen Stewart), os acompanha na road trip. Esta seria uma primeira diferença em relação ao livro, pois a presença de Marylou não é tão forte na obra escrita.
O roteiro do filme ficou mais concentrado na parte das drogas, bebibas e sexo. Ou seja, não é o tipo de filme para se assistir com a família. Embora, no livro, Kerouac fale sobre os relacionamentos sexuais de Sal e Dean com certas garotas que encontram, não é nem de perto o foco da estória. No filme, no entanto, fica-se a impressão de que os protagonistas não querem saber de nada além de orgias e de ficarem chapados, numa transformação bastante rasa da jornada "espiritual" que eles buscam no livro.
Um ponto positivo do filme é a atuação de Garret Hedlund, que interpreta Dean Moriarty. Dean é um anti-herói: não tem escrúpulos, é imoral, trai Marylou o tempo todo, ganha o dinheiro de forma desonesta e, mesmo assim, nos apaixonamos por ele. Garret deu vida a Dean de um jeito bastante satisfatório, deixando-o excêntrico e gentil na medida certa.
Além disso, as locações do filme são excelentes e realmente desperta a vontade de sair por aí numa road trip.
O livro ou o filme? O livro.
O filme perdeu a essência da estória de Kerouac. Ele quis mostrar toda uma geração de jovens americanos que estavam cansados do american way of life e queriam traçar seus próprios caminhos. Estes jovens queriam descobrir sozinhos o que fazer de suas vidas, alcançando uma libertação de certas normas da sociedade que, até aquela época, nunca tinha sido vista. Por trás da viagem pelos Estados Unidos, havia uma filosofia de vida nova sendo contruída, e esta filosofia era bastante poética e corajosa. Porém, toda esta camada mais profunda da estória ficou enterrada em cenas de sexo e de uso de drogas.
O livro traz discussões muito relevantes sobre o modo de vida que levamos e os assuntos que ele levanta são pertinentes até os dias de hoje. Merece ser lido com certeza, pois nos faz refletir sobre as nossas próprias escolhas. Já o filme, não passa de uma diversão boba, que deixou de lado o principal de Kerouac.
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