Já era quase meia-noite, mas parecia ser mais tarde, depois das longas horas dentro do hospital. A sensação de decadência e de doença do lugar ainda rodeavam minha cabeça, e meu estado de humor era esquisito e indefinido.
Levei um livro para me entreter enquanto esperava o atendimento, mas, por uma infeliz coincidência - se é que ela existe - o capítulo que lia fora todo dedicado ao sofrimento e à morte do protagonista. (Ele, o protagonista, ressuscitou depois de algumas páginas, mas isso não vem ao caso.)
O táxi chegou depois de uma espera fria e imersa na fumaça do cigarro de um homem ao meu lado na calçada. Ele parecia miserável e inquieto e, se esse comportamento já é aflitivo de uma forma geral, na frente de um hospital torna-se ainda pior. Entrei no táxi rapidamente, escapando do frio, da fumaça e da perturbação do homem.
O motorista do táxi fazia o tipo silencioso - o que acho ótimo. Não gosto de conversar e, naquele momento, com meu estado de espírito todo revirado, queria ainda mais alguns minutos de sossego e de silêncio. Porém, se o motorista cooperou, não posso dizer o mesmo do programa de rádio.
A apresentadora disparava, sem nenhum traço de qualquer tipo de emoção, tragédia atrás de tragédia: assassinatos, violências, sequestros, roubos e assim foi. Cada notícia oprimia mais ainda meu coração e eu tentava, em vão, buscar um lugar alegre dentro de mim como refúgio.
Toda a combinação de acontecimentos daquela noite se transformou numa camada espessa e preta, que deveria ser feita da mesma matéria do fim do mundo. Lembrei de todos os filmes e de todos os livros que descreveram o pré-fim dos tempos exatamente daquele jeito - mudanças climáticas inesperadas e inexplicáveis, brutalidade e amoralidade, selvagerias e retrocessos. Me senti fazendo parte de uma cena sombria de um apocalipse mal feito, e o homem fumante-e-perturbado e o motorista-silencioso eram ótimos figurantes.
Se eu fosse, de fato, a personagem principal de uma estória de fim do mundo, como eu reagiria? No restante do trajeto até em casa, tentei responder esta pergunta. Não cheguei a nenhuma conclusão e guardei a reflexão para depois.
Ao chegar em casa, fiz questão de acender todas as luzes, ligar a TV e comer algo bom. Precisava esquecer daquela camada negra que tinha se depositado sobre mim. Mais que isso, precisava esquecer da escuridão espalhada pelo mundo e acreditar que existe uma luz, acima de tudo, capaz de fazer esta fase esquisita passar. Sempre passa, não é?
Espero que sim.
2 Comments
Que texto lindo! O final é melhor ainda; "Sempre passa, não é? Espero que sim." <3
ResponderExcluirAbraços,
Blog Decidindo-se \o/
Obrigada, Vinícius! :)
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