Recentemente, assisti ao filme "Não me Abandone Jamais", de 2010. Quando ele acabou, o saldo era: um nó na garganta, uma vontade de chorar e um enorme interesse em ler o livro que inspirou o filme, escrito por Kazuo Ishiguro.
"Não me Abandone Jamais", por incrível que pareça, se passa em um universo distópico. Mas, ao contrário de todas as distopias que li até hoje, o autor não focou nos mecanismos da sociedade ou nas explicações de como e por quê. O foco de Kazuo foi nas consequências emocionais e psicológicas deste ambiente distópico em três personagens: Ruth, Kathy e Tommy.
Portanto, só quando o livro está quase no fim que entendemos algumas coisas importantes sobre o mundo onde eles estão inseridos. Resumidamente, e sem spoilers, eles são clones concebidos para doarem órgãos aos humanos "normais" e para servirem de experimentos para a cura de doenças graves como o câncer.
Mal fala-se sobre os desdobramentos destas questões ao longo da estória. O leitor precisa entender o que se passa através de pequenas informações e, aos poucos, completar o cenário total em sua própria cabeça.
A estória é narrada por Kathy e se concentra, basicamente, no relacionamento dela com Ruth e com Tommy na escola onde foram criados, chamada Hailsham. O enredo tem uma infinidade de digressões de Kathy ao passado, quando ela relembra momentos que ela julga importantes e cruciais para os três. Estas digressões, às vezes, são um pouco cansativas, mas elas são fundamentais para o tom intimista e nostálgico que Kazuo quis imprimir à sua obra.
No filme, as digressões foram substituídas por flashbacks e o clima intimista tranformou-se numa fotografia melancólica e acinzentada. Além disso, o filme se desenrola vagarosamente, acompanhando o ritmo do livro. Neste ponto, foi uma excelente adaptação do livro, pois ambos - livro e filme - são extremamente parecidos.
O livro ou o filme? O filme.
Kazuo, no livro, precisava fazer com que o leitor se conectasse à Hailsham, para então poder se conectar com as emoções e a importância que esta escola teve na vida das três personagens. Com isso, em muitos momentos, o livro ficava arrastado e cansativo de ler. No filme, o peso de Hailsham foi mais bem construído, de forma rápida e eficaz, indo mais "direto ao ponto".
Além disso, como as cenas de flashback substituem as digressões, a estória ficou mais dinâmica e as personagens ficaram mais interessantes. Os pontos-de-vista de Ruth e Tommy ficaram mais à mostra e tudo isso sem prejudicar o climão melancólico e angustiado da estória.
O livro é bom, mas o filme prende mais a atenção.
Bom, e em ambos, já aviso: você vai chorar. Chorar muito. Se prepare com lencinhos e chocolate, porque será necessário.
3 Comments
Bacana a sua análise - ainda que eu ache que há sim um spoilerzinho, rs
ResponderExcluirAssisti ao filme antes de ler o livro e também fiquei extasiado com maneira que a história foi contada. Essa melancolia que acompanha os personagens, dolorosamente real, cria uma espécie de vício para o espectador. No livro isso também está presente, mas no filme, o apelo visual, tratado com perícia, se mostra mais eficiente. E claro, há ainda atuação da Carey Mulligan, que dá um rosto ao mesmo tempo conformado e enternecido - e por isso mesmo perfeito - a Kathy H. Gostei do John Garfield tbm, mas não curti muito a atuação da Keira Knightley. Por outro lado, acho que o livro retrata melhor a relação de confiança entre Ruth e Kathy durante os anos de Hailsham. De todo modo, concordo contigo: o filme ganha.
Mesmo me alongando, deixo aqui uma sugestão para um novo confronto livro x filme, que é "Desejo e Reparação", obra do Ian McEwan adaptado para o cinema por Joe Wright. Gostei de ambos, excelentes, mas não vou dizer minha preferência para não contaminar ninguém, rs
Parabéns pelo seu texto.
Gustavo Araujo.
Oi Gustavo!
ExcluirPrimeiro, obrigada pelo comentário super articulado e participativo, adoro quando alguém passa por aqui e deixa um desses! (: E puxa vida, tentei muito fugir do pequeno spoiler, mas não consegui.
Concordo com você sobre a Carey Mulligan, ela ficou perfeita como Kathy. Como vi o filme antes de ler o livro, não consegui não pensar nela ao longo da leitura, pois ela se encaixava inteiramente. Aliás, gosto muito dela, triste e doce ao mesmo tempo, com aquele rostinho melancólico.
Achei o Andrew Garfield uma escolha honesta. Na realidade, não me vinculei muito ao Tommy, nem no filme nem no livro, mas não que ele fosse ruim.
E sobre a Keira, parece que a Ruth dela não é a mesma Ruth do livro. A do livro é mais obstinada e enérgica, e a Keira tentava ser "sexual" demais, na minha opinião.
De qualquer forma, fico feliz que tenha gostado do conteúdo! (:
Sobre sua sugestão de confronto Livro x Filme, está devidamente anotada na minha listinha! Seja sempre benvindo aqui no meu canto, pode visitar sempre que quiser!
Eu fiquei tão feliz quando você me disse que já leu o livro <3 você com certeza é a única pessoa que eu conheço que já leu, e mesmo eu entendendo, até imaginando que o filme deve mesmo ser muito mais emocionante, eu tô morrendo de curiosidade pra ler o livro também. Tô de olho nas promoções aqui pra ver se rola comprar em breve e conhecer o autor, hahaha.
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