foto by Gina Vasquez |
Havia um ritual entre minha mãe e eu, quando eu era criança, que era o meu momento preferido da semana - e desconfio de que o de minha mãe também. Saíamos de carro, à noite, para ver as luzes da cidade; percorríamos quilômetros pelas ruas, sem nenhum objetivo definido, só pelo prazer que sentíamos em observar o mundo e estarmos uma ao lado da outra.
Ali, no banco de carona do carro, deixava minha mente fazer o que ela sabe bem: imaginar. Em cada quadradinho amarelo iluminado nas paredes altas dos prédios, naquela imensidão de concreto da cidade que nunca tinha um fim, eu criava pequenas peças de teatro. Pensava que, habitando aqueles quadrados luminosos, havia uma família grande, o cachorro aos pés da irmã mais velha, o barulho da televisão e das pequenas conversas sem importância, e uma sensação de pertencimento pairando sobre a cabeça de todos, imperceptível.
Os cenários das minhas peças de teatro imaginárias se alteravam dependendo do tamanho da janela, do nível de luminosidade amarela e do estilo do edifício. Na essência, todas elas tinham o mesmo roteiro (família feliz, casa barulhenta, movimento pelos cômodos).
Me sentia vazia e pequena. Os prédios e as famílias eram enormes e inúmeros, e eu era uma só. Voltaria para um lugar silencioso e sem luzes acesas, sozinha em meu quarto sem ter com quem conversar. Família enxuta, filha única, mãe que ia para outra casa no final do dia. Essas coisas da vida que não planejamos.
Até hoje, quando saio de carro à noite pela cidade, sou aquela criança de novo. As cenas das peças de teatro voltam à minha cabeça e tudo gira em minha imaginação outra vez. Porém, percebo que agora há algo diferente, algo novo.
Comecei a acreditar que, no futuro, minha janela também estará acesa e eu não estarei sozinha sob a luz amarela. Comecei a acreditar um pouquinho só, mas este pouco já é muito no meu coração de filha única.
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