O conto do pássaro torto

Wandering Heart
Naquele dia bonito de Verão, todos os pássaros preparavam-se para, enfim, esticar as asas e mergulhar pelas nuvens do céu azul, secar a umidade da chuva dos últimos tempos e poder encher os pequenos pulmões com ar quente. Era possível sentir pairando no ar, junto com algumas penas, a empolgação em todos por sentirem-se livres e vivos novamente.

Mas não para ele. Ele observava todo aquele movimento de longe, mantendo distância da agitação e da vivacidade dos outros. Todo aquele fulgor deixava-o cansado e sem energias para voar. Ele sempre havia preferido manter-se à distância, sem participar efetivamente do bando. 

Mesmo para ele, o Verão chamava alto em seu coração. Ele sentia seu coraçãozinho pulsando rápido - mais do que se costume - e quase via-se as suas penas balançando no ritmo das batidas. Levantava a cabeça de vez em quando, olhando para o topo das árvores e para uma imensidão de mundo que se abria para ele. Ele queria descobri-la sozinho, em seus próprios termos.

Ele nunca havia gostado dos comportamentos de grupo e, desde pequeno, se perguntava: por que deveria voar para aquele lugar e por aquele caminho e não para outro?, por que deveria voar naquele dia, não antes nem depois?. E sentia-se um pássaro muito só, pois aparentemente só ele fazia questionamentos - os outros pássaros estavam ocupados bebericando água fresca e pulando de um lado para o outro.

Então, ele resolveu que não iria com os demais. Não naquele dia. E que ele poderia conhecer o mundo e aproveitar o Verão do seu jeito, meio torto e bastante silencioso. Discretamente, escondeu-se dentro de uma árvore e esperou: um a um, os outros pássaros seguiram seu caminho e ele, contente, ficou para trás. 

Quando o dia escurecia e o grande círculo amarelo se preparava para dormir atrás da linha do horizonte, ele sentiu que havia chegado o seu momento de ser livre. Àquela hora, os outros pássaros provavelmente estariam chegando ao seu destino, prontos para construir ninhos e dormir. E quando ele imaginava como seria sua história se tivesse seguido os outros, ele ficava tremendamente, enormemente!, aliviado por ser um pássaro esquisito.

De noite, ele viu estrelas que ninguém havia visto. Voando em meio à escuridão, chegou tão perto da Lua que pensou estar com as penas manchadas de prateado. Bicou pontinhos de luz, perseguiu vaga-lumes, viu o reflexo da Lua nas águas do rio. Encontrou animais diferentes, viu as folhas dos topos das árvores em tons escuros de verde, achou que seria engolido pelo negro do céu. Sentiu-se livre como nunca - não porque era Verão, mas porque era dono de si mesmo.

Dias depois, avistou seu antigo grupo, voando juntos em direção ao pôr-do-sol, aflitos com a noite que se aproximava. Ele, do alto de sua árvore, não se aproximou nem cumprimentou ninguém. Depois de conquistada aquela liberdade, tudo o mais parecia pequeno e sem graça.

- Vocês repararam que perdemos um dos nossos? Temos um pássaro a menos em nosso bando.
- Coitado. Deve ter morrido a essa altura, quando a noite cai. A noite é cheia de perigos.

Ele conseguiu ouvir o pedaço de um diálogo entre dois antigos companheiros. Não sentiu vontade de interceder, muito menos de desmentir. Era bom que achassem que a noite era um perigo, assim o encanto da vida ficava todo para ele, como um presente por ele ser diferente.

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