Sugestão de Leitura | Klara e o Sol, de Kazuo Ishiguro


Neste post, falarei de um dos melhores livros que já li, e olha que estamos falando de uma comparação com mais de quatrocentas obras. A resenha da vez é sobre o incrível "Klara e o Sol", de Kazuo Ishiguro.

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Publicado em 2021, "Klara e o Sol" é narrado em primeira pessoa por Klara, uma AF.  A principal qualidade deste livro, para mim, é o fato de Ishiguro não se preocupar em explicar os detalhes do mundo distópico onde o enredo acontece, pois ele confia que o leitor saberá encontrar todas as respostas. Aqui já ressalto um grande ponto positivo desta obra que, finalmente, sai da tendência editorial de mastigar cada mínimo detalhe do enredo, o que é chatíssimo. Assim, depois de um tempo, o leitor entende que as AF´s são Artificial Friends, ou seja, inteligências artificiais construídas para serem as melhores amigas das crianças deste futuro inventado. 
O livro começa com Klara na loja de AF´s, esperando que alguma família a compre. Ela gosta de ficar na vitrine da loja, observando o mundo lá fora e absorvendo cada detalhe da experiência humana. Desde o início fica nítido que Klara tem uma percepção mais afiada que as outras AF´s, e logo ela é escolhida pela família de Josie. Josie é uma menina que sofre de alguma doença terrível e terminal, e Klara tem a missão de alegrá-la e de lhe fazer companhia.

Outro grande mérito deste livro é como Ishiguro foi incrível ao dar voz à Klara. Escrever em primeira pessoa é um desafio grande pois, não apenas o escritor precisa fazer a história acontecer, como precisa garantir que tudo o que é narrado faça sentido com a personalidade do narrador. E Klara, sendo uma inteligência artificial, sem dúvida não é uma tarefa fácil do ponto-de-vista técnico. A forma como Klara sente, entende (ou não) o mundo ao seu redor, demonstra (ou não) emoções, reage (ou não) aos eventos é perfeita. O leitor consegue perceber que, conforme o tempo passa, Klara aprende mais e mais sobre os seres humanos e sobre Josie, o que permite que seja uma AF cada vez mais aperfeiçoada.

Josie tem um melhor amigo, Rick. Klara percebe que as pessoas tratam Rick de um jeito muito diferente, ora com preconceito, ora com piedade. A questão ao redor da identidade de Rick é um dos pontos centrais da narrativa e, mais uma vez, Ishiguro faz suspense e confia que o leitor irá entender o subtexto. Quase no final do livro, sabemos, então, que neste mundo as crianças são geneticamente editadas para que sejam "perfeitas" e saudáveis. Tanto Rick quanto Josie não foram editadas e, por isso, são como párias desta sociedade.

Também há menções do que acontece fora da casa de Josie, que Klara tem quase nenhum acesso a informações. Ficamos sabendo do que se passa através do pai de Josie, que a princípio é contra a compra de uma AF. Por ele, sabemos que há uma guerra civil acontecendo nos grandes centros urbanos, e que as AF´s estão sendo descontinuadas por estarem ficando "inteligentes demais".
Há também discussões muito interessantes sobre como se dirigir a Klara - ela não é um robô que pode ser guardada no armário quando não está sendo usada, mas também não é uma pessoa, e ninguém sabe muito bem como se portar perto dela.

Se todos estes pontos já não bastassem para me conquistarem de vez, Ishiguro vai além e adiciona um elemento de espiritualidade em Klara. Carregada por energia solar, Klara acredita que o Sol pode curar Josie, assim como a "cura" todos os dias, e Klara passa a fazer promessas e oferendas ao Sol em troca da bênção da saúde de Josie. É uma sacada sensacional de Ishiguro.

E, além de tudo isso, há também o final da história, que me fez chorar muito. É um final inesperado, pois toda a narrativa dá a entender que a conclusão será de outra forma, e acredito que o autor tenha escolhido o fim mais triste de todos. Já faz algumas semanas que finalizei a leitura e ainda sigo pensando não somente em Klara, mas em todo este mundo imaginado por Ishiguro. Definitivamente é uma leitura que recomendo, e que ganhará a raríssima avaliação máxima do Perplexidade e Silêncio.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 5/5

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