As Caixinhas e as Flores no Cabelo



Quando abri a porta de casa, estava uma bagunça. Uma verdadeira bagunça. Havia me abandonado por tanto tempo que, quando voltei, a poeira, as rachaduras, os móveis quebrados, as janelas sem vidro, os livros pelo chão - me deparei com um cenário de destruição típico de mim. Fechei a porta. Abri de novo. Arregacei as mangas, tirei os sapatos, prendi o cabelo: vamos lá.

Comecei a me organizar através de caixinhas. Primeiro, comecei a recolher pela casa os meus defeitos. Muitas pessoas passaram por ali derrubando-os pelo chão, mas a maior responsável pela quantidade grande deles era eu mesma. Percebi que sempre perto de um defeito vinha um erro, e como demoraria muito a separar uns dos outros, resolvi colocá-los todos na mesma caixinha. Tive que trocá-los duas vezes de caixa, porque eles foram aumentando - em tamanho, em quantidade e no quanto me assustavam. E com a etiqueta "Não Abra", coloquei a caixinha num canto (escuro).

Depois, saí recolhendo tecos de pensamentos soltos que fui largando dentro da minha cabeça sem dar-lhes a devida atenção. Alguns já estavam velhos, e foram para a pilha "lixo". Alguns tinham potencial de se transformar em coisa bonita (em poesia, em texto, em palavra) e vieram parar aqui. Outros - não faço a menor idéia do que sejam. Guardei-os também, com uma etiqueta "Para Uso Futuro" em sua respectiva caixinha.

Sobraram, assim, em meio à bagunça, as lembranças. Algumas, varri para baixo de um tapete puído e pretendo deixá-las ali por muito tempo. Outras, doídas, enfrentei, as vi, e coloquei numa caixinha com a etiqueta "Passado". Haviam as bonitas e perfeitas que foram para a caixinha "Imaginação" - e reservei para elas a mais bonita que eu tinha. E as demais lembranças receberam a caixinha "Parte do que eu Sou"

Então, me vi somente com mais dois itens a organizar: minha parte boa e meus medos. Tratei, logo, de ir cuidar dos medos, porque eles eram realmente incômodos e feios. E me faziam chorar ao menor contato com eles. Coloquei minhas luvas de proteção e comecei a recolhê-los, mas antes de colocá-los na caixinha, eu tinha que enfrentá-los, olhá-los e superá-los. Sem dúvida, foi a parte mais difícil. Suei. Os braços ficaram tão cansados de tanta luta. Mas, um a um, fui nomeando-os e colocando-os na caixinha com a etiqueta "Aceite ou Lute".

Assim, sobrou minha parte boa.
Eram pequenas florzinhas cor-de-rosa espalhadas pelo chão. Eram pedacinhos de Verão.
Seria cruel encaixotá-las: elas morreriam após o primeiro dia. Elas precisam de ar, de sol e de água.
Coloquei todas aquelas florzinhas pelo meu cabelo, uma a uma. Fiz questão de fazer um pequeno carinho em cada florzinha, com muito cuidado e muito sorriso. Porque cada florzinha daquelas tinha sido feita com muito esforço.

E com o cabelo cheio de flores, saí dali, e fechei a porta atrás de mim.
A bagunça estava arrumada. Era hora de viver.

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