Comecei a ler este livro com o pé direito, afinal, finalmente eu estava tendo acesso à obra de um dos escritores mais renomados de ficção-científica, Robert A. Heinlein. Porém, quase no final do livro, "Um Estranho numa Terra Estranha" não me cativou, e nesta resenha explico os motivos.
Heinlein ficou conhecido como o primeiro autor do gênero que fazia questão de levar a sério as premissas tecnológicas e científicas das obras, pois seriam estes aspectos que distanciariam o scifi da fantasia, deixando mais nítido os limites de uma e de outra literatura. Assim, ele criou o que hoje nomeamos como hard scifi, o que expliquei um pouco neste post: Os 13+ Tipos de Ficção Científica.
Publicado em 1961, "Um Estranho numa Terra Estranha" conta a estória de Valentine Michael Smith (Mike Smith), um marciano. Vinte e cinco antes, uma tripulação 100% humana foi à Marte, depois de uma hipotética Terceira Guerra Mundial, colonizar o planeta. A tripulação perdeu contato com a Terra e, depois, descobriu-se que os humanos se miscigenaram aos marcianos, de onde nasceu Mike. Ele é designado por Marte a retornar à Terra e acompanhar a evolução da Humanidade.
Como Mike não está acostumado às condições da Terra, ele está confinado no Hospital Bethesda. Ele nunca viu uma mulher humana e, por isso, é assistido apenas por funcionários do sexo masculino. Vendo essa restrição como um desafio, a enfermeira Gillian Boardman ilude os guardas e entra para ver Mike. Ao compartilhar um copo de água com ele, ela inadvertidamente se torna sua primeira "irmã da água", considerada uma profunda relação pelos marcianos.
Aqui foi uma sacada muito interessante de Heinlein. Como Marte não tem água, Mike fica fascinado pela quantidade de água que existe em nosso planeta. Tomar banho, para ele, por exemplo, é o mais sagrado dos rituais, e ele fica ainda mais perplexo quando vê que aqui existem coisas como lagos artificiais e piscinas.
Mike também é extremamente ingênuo e não consegue compreender uma série de abstrações humanas: mentiras, ironia/sarcasmo, dinheiro, política/leis, religião, casamento, sexo, entre outras.
Mike apresenta "superpoderes": ele pode se comunicar através da mente e também fazer coisas e pessoas desaparecerem. Porém, ele só utiliza estes superpoderes quando identifica o Mal, conceito este que tem conotações e justificativas específicas entre os marcianos.
Heilein também inventou uma palavra para este romance, o verbo grocar, que significa "simpatizar ou se comunicar com simpatia (com); também, experimentar prazer". Mike tenta grocar os costumes dos humanos, e os humanos tentam grocar os costumes marcianos, fazendo a leitura de algumas partes do livro serem muito interessantes.
Rapidamenrte, Mike se torna uma celebridade na Terra, com a ajuda de Jubal Harshaw e Ben Caxton, que tentam protegê-lo dos interesseiros, políticos e marqueteiros. Gillian se torna sua maior companheira e ela e Mike decidem viajar pelo mundo, como figuras anônimas, utilizando os superpoderes de Mike para participarem de espetáculos circenses. Esta vivência nômade faz com que Mike groque as experiências humanas, principalmente incluindo o sexo. A partir daí, do sexo, Mike funda uma Igreja e uma nova religião, que ganha a inimizade dos fosteritas, a religião predominante no mundo.
Eu estava entretida na leitura até que me deparei com dois trechos que, na minha opinião, são inaceitáveis de se ler. No primeiro, Heinlein descreve a homossexualidade como algo "nojento e condenável). No segundo, Heinlein propõe que "nove entre dez casos de estupro, a culpa é da mulher". Depois de ler essas afirmações absurdas, abandonei o livro, faltando apenas algumas páginas para o fim. (Depois li na Wikipedia o final do livro, por curiosidade).
Não é a primeira vez que me deparo com aclamados escritores de scifi escrevendo coisas preconceituosas e ridículas como estas, infelizmente. E, pior ainda, é que sempre recebo comentários (de homens) justificando estas afirmações das mais variadas formas, principalmente apelando para a época em que estes escritores viviam, quando não se falava em diversidade.
Para mim, respeitar o próximo não tem a ver com a época em que se vive, e sim, tem a ver com o ser humano que se é. E se Heinlein não respeita os homossexuais e as mulheres, ele não terá espaço na minha estante nunca mais.
E, por isso, não recomendo a leitura dele.
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