O livro ou o filme? | Filhos da Esperança, de P. D. James



Na disputa entre o livro e o filme de hoje, a obra escolhida foi "Filhos da Esperança", uma distopia de P. D. James que foi adaptada aos cinemas em 2006. 

Começando pelo livro, "Filhos da Esperança" foi lançado em 1992 e sua estória se passa no futuro de 2021, narrado ora pelo protagonista Doutor Theodore Faron (através de seu diário), ora em terceira pessoa. Os eventos do enredo começam em 1995, ou ano Ômega, que marca o último ano de fertilidade no planeta e o último ano no qual um bebê nasceu. No início dos anos 90, mulheres e homens do mundo todo perderam, gradativamente, a capacidade de reprodução, o que trouxe a realidade de uma iminente extinção da raça humana. Esta última geração de pessoas nascidas em 1995 são chamados de ômegas e são muito semelhantes à atual geração millennial

Com o passar dos anos, a Humanidade foi perdendo o interesse em diversos assuntos que tornaram-se obsoletos diante da iminência de extinção, dentre eles, o sexo, a política, o entretenimento, etc. Sem a perspectiva de futuro, as pessoas não se importam mais com planos a longo prazo e vivem, predominantemente, para os prazeres imediatos e confortáveis. A parte mais inquietante destes novos hábitos são as cerimônias Quietus, onde idosos cometem suicídios coletivos, assistidos e autorizados pela família e amigos.

Dez anos depois do Ômega, Xan Lippiatt se auto proclama como governante da Inglaterra, pois ninguém quis se dar ao trabalho de convocar novas eleições, já que a Humanidade irá se extinguir em aproximadamente 50 anos. Xan é primo de Faron, que chegou a ser seu Conselheiro por alguns anos, largando esta profissão para ser Historiador. E em 2021, ano presente da estória, Xan continua no poder.

Faron vive uma rotina metódica e insossa desde que se divorciou. Ele atropelou e matou (sem querer) a filha de seis meses que teve com sua ex-esposa e, depois desta tragédia, o casamento se desfez. Como Historiador, ele reúne todas as pistas e escolhas erradas que a Humanidade fez ao longo do tempo que culminaram com sua infertilidade e potencial extinção, porém, Faron fica deprimido ao perceber que não haverá ninguém para ler seu trabalho no futuro, pois não há futuro. Até que, um dia, ele é abordado por uma organização secreta chamada Os Cinco Peixes, que visam tirar Xan do poder e trazer mais dignidade para a população que restou.

No filme dirigido por Alfonso Cuarón, os eventos acontecem em 2027 (não em 2021) e Clive Owen interpreta o doutor Faron. O roteiro do filme concentrou-se na questão dos refugiados que, no livro, ficou em segundo plano. Assim, o filme mostra uma Inglaterra paupérrima e caótica e o governo tentando impôr leis de imigração para acabar com a entrada dos refugiados no país. A mudança mais significativa em relação ao livro é que, no filme, Faron resgata uma refugiada, Kee, o que não ocorre na obra de P. D. James.

A segunda alteração significativa foi no foco da missão dos Cinco Peixes. No livro, eles tem uma cartilha com cinco objetivos/pedidos a Xan. No filme, eles conseguiram um navio com o sugestivo nome de Tomorrow que levará os refugiados a um acampamento que provê comida e condições básicas de saúde e higiene. Assim, novas personagens entram na trama, tornando-a ainda mais diferente da obra original. Faron é acionado pelos Cinco Peixes não por ser primo de Xan como no livro, mas por ser um ex-revolucionário.

O ponto comum entre as duas obras é o fato de, em um dado momento da estória, uma mulher ficar grávida, depois deste grande período de infertilidade. No livro, é uma das integrantes do Cinco Peixes, enquanto no filme é a refugiada Kee. Faron, tanto no livro quanto no filme, se vê com a responsabilidade de proteger a mulher e o bebê, para garantir um futuro à Humanidade. 

O livro ou o filme? O livro.

As premissas do livro são muito interessantes, e acho que elas não foram exploradas adequadamente no filme. Desde o início do seu diário, Faron reflete que o ser humano foi o único animal capaz de prever sua própria extinção. Diversas espécies foram extintas do planeta mas, até onde se sabe, nenhuma delas tinha inteligência ou consciência deste fenômeno. Por isso, Faron analisava as consequências na sociedade, nos costumes e na mentalidade das pessoas, deixando o livro profundo e me fazendo refletir ao longo da leitura. 

Já o filme reduziu diversos destes aspectos ao concentrar-se na questão dos refugiados que, na minha opinião, era a menos relevante da distopia de P. D. James. Outros pontos poderiam ter sido explorados como foco do roteiro, como, por exemplo, as cerimônias do Quietus ou o desinteresse coletivo por sexo. O filme em si é bom, gosto muito dele, inclusive, apenas acho-o mais fraco que a obra original.


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