A literatura francesa sempre reserva uma dose extra de filosofia, existencialismo e poesia da vida cotidiana. Por isso, de tempos em tempos, surge um livro que chama minha atenção por causa desses elementos, e hoje é dia de fala do "A Libélula dos Seus Oito Anos" de Martin Page.
Existem dois autores chamados Martin Page. Um é britânico e o outro, autor deste livro, é francês. O estilo da escrita de Page me lembrou muito sua conterrânea escritora Muriel Barbery, autora de "A Elegância do Ouriço".
A protagonista de "A Libélula dos Seus Oito Anos" é Fio Régale. Ela é uma jovem na casa dos 20 anos que mora sozinha em um apartamento praticamente sem mobília e passa a maior parte do tempo curtindo sua solidão. Os trechos iniciais do livro mostram Fio lidando com o vazio de um domingo tedioso, quando a única coisa que ela tem para fazer é ir ao mercado no fim da rua.
Fio é, então, surpreendida pela presença de um completo desconhecido que entra no seu apartamento. Ele é Charles, assistente pessoal de Ambrose Abercombrie, um mundialmente famoso mecenas das Artes. O leitor fica tão confuso quanto Fio, que é colocada em um carro e levada à uma festa sem ter a menor noção do que está acontecendo.
Aos poucos, Martin Page introduz os elementos centrais do passado de Fio. Este clima de mistério sobre quem ela é e sobre o que está acontecendo aparece até a metade do livro. Fio é orfã e morou com sua avó depois da morte dos pais, avó esta que também já faleceu. Para conseguir o seu sustento e poder pagar a faculdade de Direito, Fio chantageia empresários, políticos e homens ricos e poderosos enviando cartas anônimas dizendo que ela sabe dos seus segredos e pedindo dinheiro em troca de silêncio. Na realidade, Fio não sabe absolutamente nenhum segredo sobre ninguém, mas ela parte do princípio que todas as pessoas fizeram coisas das quais se envergonham ou se culpam - e ela estava certa, pois consegue ganhar dinheiro para sobreviver desta forma.
Abercombrie foi uma destas pessoas, mas ele descobriu Fio. Como Fio pintava quadros no parque enquanto esperava pelo dinheiro, Abercombrie encantou-se pelos quadros dela e prometeu ajudá-la, de forma que ela não precisasse mais chantagear as pessoas. Abercombrie, ao morrer, deixou a responsabilidade de cuidar de Fio para Charles, que tem a incumbência de introduzí-la ao mundo das Artes.
Daqui em diante, o livro é uma crítica a este mundo, Diversas personagens coadjuvantes são inseridas ao longo da trama, que reforçam o caráter superficial e hipócrita dos artistas. O próprio Charles, que teria potencial para trazer conflitos interessantes à trama, é uma presença apática e passageira como as demais personagens. Todas elas acreditam que conhecem Fio profundamente, apenas por ela ser apadrinhada de Abercombrie, mas muitas destas pessoas nem sequer a viram pessoalmente. Fio precisa lidar com boatos e mentiras a seu respeito.
O ponto alto da estória é Zora, a única amiga de Fio e dona do prédio onde ela mora. Zora é amarga, sente ódio de todos e é um contrasenso ambulante. Na minha opinião, o enredo deveria ter sido mais focado no relacionamento das duas, e menos no mundo das Artes.
No começo, a leitura me empolgou. Fio é uma personagem interessante, bastante silenciosa e introvertia, com características incomuns. O clima de mistério que mencionei anteriormente também serviu para me deixar entretida. Porém, da metade para o fim do livro, acredito que Page tenha se perdido: a estória ficou chata, as personagens são maçantes, não acontece nenhum conflito e nenhum aprofundamento. O final - trágico, por sinal - recobrou minha atenção, mas não o suficiente para que eu gostasse da leitura.
Por isso, este não é um livro que recomendo.
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