O livro ou o filme? | Trainspotting, de Irvine Welsh


Trainspotting, o filme, foi um divisor de águas da minha vida cultural. Mark Renton, por muito tempo, rondou meus pensamentos com suas reflexões sobre a sociedade. Demorei bastante até ler o livro que deu origem ao filme, escrito por Irvine Welsh e, com o lançamento de Trainspotting 2, este post falará sobre as duas obras.

Este foi o primeiro livro escrito por Irvine Welsh, escocês, em 1993. Até então, Welsh escrevia roteiros e contos e sua característica sucinta e objetiva permeia toda a obra, pois cada capítulo, se lido isoladamente, parece um conto. A estória de Trainspotting foi baseada no bairro onde morava em Edimburgo, chamado Leith (que tive o prazer de visitar na minha última #EuroTrip). Ele próprio teve uma vida atribulada e confusa, muito parecida com a de seus personagens.

O livro conta a estória de um grupo de amigos que são viciados em drogas, mais especificamente heroína. São personagens autodestrutivos e miseráveis mas que, quando escritos com o olhar afiado de Welsh, tornam-se ricos e interessantes. Dentro destes personagens, o de maior destaque é Mark Renton, ícone dos anos 90 com suas frases de efeito e seu jeito inocente e perdido, apesar do meio violento e decadente em que vive. 

Fora ele, os capítulos são alternados com os pontos-de-vista e os acontecimentos dos amigos e conhecidos de Renton: Sick Boy, Spud, Nina, Franco, Davie, Tommy e Second Prize. Há muitos fluxos de consciência, trechos desconexos quando as personagens estão drogadas e uma linguagem completamente informal, cheia de palavrões, gírias, diálogos e sotaque escocês.

"Nina não conseguia fazer parte deste estranho festival de luto. A coisa toda não era nada legal. O ar de despreocupada indiferença que demonstrava diante da morte de seu tio Andy não era totalmente simulado. Ele fora seu parente favorito quando ela era uma menininha, e a tinha feito rir bastante, ou pelo menos era o que todos diziam. (...) Mas ela não conseguia estabelecer uma ligação emocional entre o quem tinha sido e o quem era agora, e por isso não conseguia estabelecer uma ligação emocional com Andy. Contorcia-se de constrangimento ao escutar seus parentes recontando aqueles dias de infância e meninice. Parecia uma negação profunda de seu ser, do que ela era agora." (Trainspotting, Irvine Welsh)

O filme foi lançado três anos depois do lançamento do livro, com um Ewan McGregor jovem e magrelo no papel de Mark Renton. 

O ator conseguiu transportar para a tela todas as dimensões de Renton: de inocente a drogado, de perdido a imoral. O roteirista, John Hodge, conviveu meses com usuários de heroína para conseguir recriar fielmente os aspectos do vício, os locais de tráfico de droga, os surtos de abstinência e os picos. Talvez por isso, o filme é extremamente realista, retratando de um jeito muito cru a vida dos viciados. Não à toa, a estória (do livro e do filme) causam um tremendo desconforto, embrulham o estômago e são um soco na cara.

A estória é forte e o filme, por ser uma mídia mais visual, levou este aspecto a outro nível. A sujeira, a autodestruição e a decadência da vida das personagens fica palpável. O mesmo acontece com a crítica à sociedade de consumo que Welsh faz em seu enredo, através das conversas profundas e filosóficas entre os drogados. 

O livro ou o filme? Posso estar sendo levada pelo meu lado emocional - uma vez que tenho uma tatuagem de "Lust for Life" de Iggy Pop que fiz após ver o filme - mas prefiro o filme ao livro. A combinação de recursos gráficos com trilha sonora e a interpretação dos atores deram vida ao livro, tornando a estória mais surpreendente e mais fácil de o leitor se vincular. As críticas à sociedade aparecem de forma mais poética e veemente, saindo de um relato de pessoas viciadas para uma reflexão que qualquer pessoa deve fazer ao longo da vida. Gostei da leitura do livro, mas se fosse preciso indicar somente um, recomendaria o filme.

2 Comments

  1. Eu vi o filme acho que uns dois anos atrás e achei ele super aleatório hahaha Lembro que fiquei curiosa, mas no meio dele achei que estava me desanimando, e por algum motivo que não sei explicar eu não consegui parar de ver. Até hoje não sei o que acho sobrre ele, eu apenas não desgostei nem achei incrível. Mas quando descobri que era um livro eu fiquei com vontade de ler. Acha que vale a pena ou já tá bom viver só com o filme mesmo? hahaha

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    1. É, se você já ficou meio desconectada no filme, no livro essa sensação seria pior ainda, pois o livro é mais confuso e diluído. Melhor deixar o espaço para outra leitura. ;)

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