Precisei respirar fundo e me reorganizar para escrever este post, afinal, tenho diante de mim a tarefa de escrever sobre um dos melhores livros que já li (e já li muito ao longo da minha vida). Margaret Atwood já havia conquistado meu coração com seu maravilho "Oryx e Crake" e, agora, depois de ler "O Conto da Aia", ela definitivamente tornou-se uma das minhas escritoras preferidas.
"O Conto da Aia", publicado em 1985 (o ano em que nasci, aliás), é categorizado como distopia e como ficção especulativa. Como pano de fundo da estória, temos uma Nova Inglaterra de um futuro não muito distante ao nosso, onde o Governo é totalitário e teocrata. Ou seja, o sistema político não tem limites nem regulação e detém o poder de ser cruel e opressor; e, além disso, Deus é a fonte de toda a autoridade (e versículos da Bíblia são mencionados com força de Lei). Por conta disso, a região que seria a Nova Inglaterra nos EUA foi renomeada para Gilead, uma cidade bíblica.
Este contexto do Governo levou a uma total e completa dominação das mulheres. Porém, Atwood escreve em um estilo muito próprio, pois não fornece todas as informações ao leitor logo de cara. Assim como em "Oryx e Crake", muitas pistas são jogadas na narrativa e o leitor precisa juntar as peças de um quebra-cabeça que só se forma inteiramente na última página do livro - literalmente.
A estória é narrada em primeira pessoa por Offred. As mulheres foram destituídas de seus nomes reais e são nomeadas de acordo com o Comandante para qual trabalham. Neste caso, Offred significa Of Fred, ou "Do Fred", como se a mulher fosse apenas uma propriedade, um bem, e não um indivíduo. Offred é a Aia que dá nome ao livro e conta sua estória.
Gilead começou após um ataque terrorista religioso e, no caos que se seguiu, bombas atômicas deixaram as mulheres infertéis por causa da radiação. As poucas mulheres que ainda poderiam procriar foram escaladas como Aias e sua única função é engravidar dos Comandantes e re-popular o país. Elas usam vermelho, em contraponto às Esposas dos Comandantes, que usam azul e são consideradas puras, já que não tem relações sexuais. Assim, a Aia é obrigada a ter relações sexuais com o Comandante, que são assistidas e monitoradas pelas Esposas. E, o pior ainda está por vir: estupros são permitidos e incentivados.
"Evito olhar para baixo, para meu corpo, não tanto porque seja vergonhoso ou impudico mas porque não quero vê-lo. Não quero olhar para alguma coisa que me determine tão completamente." (O Conto da Aia, Margaret Atwood).
Offred é da primeira geração de Aias deste novo governo. Por isso, ela se lembra, constantemente, da sua vida antes do ataque terrorista e sofre muito com a saudade de sua filha e de seu marido, Luke. Offred era amante de Luke e este se divorciou para casar-se com ela. Porém, como o governo é teocrata e a religião não reconhece o divórcio, eles são considerados impuros e separados para sempre e a filha deles é considerada bastarda. Como as mulheres, agora, são meros objetos, elas são destituídas de tudo: dinheiro, roupas, posses, creme hidratante (há uma parte muito tocante sobre isso), livre arbítrio e autonomia. É um cenário extremamente opressor e melancólico.
Todos os relacionamentos são completamente esvaziados de sentimento. As Aias não podem interagir com ninguém, pois precisam manter-se sãs e salvas para gerarem filhos. As Esposas guardam, secretamente, uma inveja pelas Aias, pois elas ainda podem ter filhos. As Marthas, que são as governantas das casas, acham as Aias "umas vagabundas". E os homens são retratados como seres distantes e inalcançáveis, que governam e determinam o mundo. Este vazio permeia o livro todo e mesmo as relações sexuais são completamente mecânicas e automáticas.
"Quando se está em condições de vida reduzidas você tem que acreditar em todo tipo de coisas. Agora acredito em transmissão de pensamento, vibrações no éter, aquele tipo de bobagem. Não costumava acreditar." (O Conto da Aia, Margaret Atwood).
Além da filha perdida e Luke (que não se sabe se está morto ou vivo), Offred relaciona-se com Moira, que foi educada para ser Aia junto com ela. Subentende-se que Moira era lésbica e, por isso, foi perseguida pelo governo e expulsa de Gilead. Além de Moira, há Ofglen, outra Aia, e Nick, que terão um grande papel a ser desempenhado no futuro de Offred e que não detalharei para não dar spoilers.
Este livro me deu embrulho no estômago do começo ao fim. Todos os meus medos, enquanto mulher, estão representados nesta obra. Esta obra reúne tudo aquilo que o feminismo combate e demonstra porque precisamos nos unir para evitar que esta sociedade fictícia aconteça. Me senti anulada e violada tanto quanto Offred e, ao término da leitura, chorei. Um choro que saiu preso, de uma vez só, pela angústia de ser mulher, pura e simplesmente. Atwood escreve emocionalmente, profundamente, em um estilo poético e forte muito parecido a Virgínia Woolf, o que não deixou nada mais fácil de digerir.
"Economizo sanidade, de maneira a vir a ter o suficiente, quando chegar a hora." (O Conto da Aia, Margaret Atwood).
Avaliação do Perplexidade e Silêncio:
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