Gotas de chuva



Essa água que cai em mim - em nós – sinto derramando por entre meus espaços vazios. Como se a água fria escorresse pelos meus buracos e aos poucos fosse permitindo que eles cicatrizassem e fechassem. Como se fosse uma cura, delicada e gelada.

Lembro das várias noites que estive aqui, olhando a chuva pela mesma janela, e toda a incompletude de mim e da minha história vinha me assombrar. Era uma tristeza tão dura e real que me deixava zonza. Achei que iria morrer disso – mas não morri.

Também achei que iria enlouquecer – e bem, isso aconteceu um pouco, de fato. Mas já não vejo como um problema. Faz parte de mim.

Agora o que percebo é essa irrealidade de sonho, como se você ao meu lado não fosse totalmente concreto. Nem a chuva, nem o frio. Como se tudo fizesse parte das historinhas que eu criava para mim mesma antes de dormir, na esperança de que elas consolassem minha metade perdida. E, no entanto, estava ali e existia – e eu sentia a coceirinha das minhas feridas fechando, fechando, fechando.

Sentia o calor da tua mão, o vento frio que entrava pela fresta da janela, as gotinhas escorrendo pelo vidro sem pressa, o formato da chuva através da luz do poste da rua. Os apartamentos dos outros prédios estavam escuros, e todos dormiam. Eu não: estava acordada como nunca, viva como nunca, esperançosa como nunca.

No final das contas, tudo valeu a pena. Às vezes me esqueço disso – a angústia vem, e quando vem, me leva embora – mas você sempre consegue me buscar e me trazer de volta para os seus braços. Você sabe que aqui é o meu lugar, e cada vez que você me deixa perto do teu mundo eu cicatrizo mais e mais.

E assim, olhando a chuva de madrugada, com você aqui, me sinto inteira. Capaz de ser completa. E de ter uma vida feliz. Apesar de tudo.

Quero tomar banho de chuva, todos os dias.

2 Comments

  1. Tá permitido dizer que eu não vi inocência nenhuma nesse texto? Hahahaha. Talvez eu esteja imaginando demais.
    Mas foi uma falta de inocência linda.

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